Demorou, mas chegou. 113 anos e cinco tentativas falhadas depois, o Benfica conquistou o tetra que faltava na sua centenária história. Fê-lo, diga-se, com uma bofetada de mão cheia nos críticos, que apontavam as vitórias tangenciais e a sorte que pautou alguns dos triunfos no campeonato (e é um facto que elas existiram) como deficiências do futebol praticado pela equipa de Rui Vitória. Mas ontem, na Luz, as ‘águias’ não deram qualquer hipótese a um Vitória de Guimarães num grande momento de forma – chegava à Luz com sete triunfos consecutivos no bolso e um quarto lugar mais do que assegurado (e merecido). As palavras de Pedro Martins, no final, não poderiam descrever melhor o que se passou dentro das quatro linhas: “Apanhámos o melhor Benfica e o pior Vitória da época”.

Mas rebobinemos o filme deste tetra, porque, afinal, não foi só do Benfica-V. Guimarães que viveram as últimas quatro épocas dos ‘encarnados’. Quatro épocas de altos e baixos no que toca a resultados, marcada por uma dança de treinadores, pela morte de um Rei, e, como não podia deixar de ser, algumas polémicas.

Época 2013/14

A temporada começava sob alta pressão, principalmente para Jorge Jesus. O Benfica tinha perdido o campeonato pela segunda vez consecutiva para o FC Porto de Vítor Pereira, num final de época verdadeiramente trágico – adeus ao título, derrota na final da Liga Europa e derrota na final da Taça, frente ao V. Guimarães de... Rui Vitória. Tudo isto em apenas duas semanas.

Luís Filipe Vieira, contudo, reforçou o voto de confiança no técnico, mas as nuvens negras mantiveram-se até ao início de 2013/2014: derrota nos Barreiros (1-2) e logo a seguir uma receção ao Gil Vicente imprópria para cardíacos, em que a equipa então orientada por João de Deus chegou a estar a vencer por 1-0 ao minuto 90. Markovic (90+1) e Lima (90+2) salvaram a honra do convento de Jesus, que voltaria a contar com o sérvio para sair de Alvalade, logo na jornada seguinte, com um precioso ponto.

A partir daí, os ‘encarnados’ entraram nos trilhos, de tal forma que só voltaram a perder à 30.ª jornada, no Dragão (1-2), já com o título na mão – tinham chegado à liderança na 11.ª ronda. Quatro meses antes, a história tinha sido bem diferente. O clássico da primeira volta chegava à Luz na hora mais triste do clube, na sequência do desaparecimento da sua maior glória. O céu chorou e Eusébio recebeu a merecida homenagem: o nome do ‘Pantera Negra’ estampado nas onze camisolas ‘encarnadas’ em campo e dois golos de Rodrigo e Garay (vitória por 2-0).

A equipa de Jorge Jesus chegava ao título frente ao Olhanense (2-0), quando ainda faltavam disputar duas jornadas, coroado dias depois com a ‘dobradinha’ – vitória na Taça sobre o Rio Ave – mas com o ‘fantasma’ das finais europeias novamente a pairar. Apesar do rude golpe na Liga Europa, a ‘águia’ partia para a próxima temporada com os níveis de confiança restabelecidos, fazendo esquecer a trágica ponta final de há um ano, e isso era o mais importante.

Época 2015/16

Naquela que seria a última época de Jorge Jesus no comando técnico dos ‘encarnados’, o Benfica começou por perder Oblak, Rodrigo, Markovic e Cardozo no mercado de verão, mas recebia Júlio César para a baliza e um avançado de 30 anos ‘relegado’ pelo Valência de Nuno Espírito Santo, que viria a tornar-se um dos maiores goleadores da história recente das ‘águias’. Jonas passou rapidamente de reforço de circunstância a referência na frente de ataque ‘encarnada’ - só nesse ano, foram 31 os golos do brasileiro, 20 deles para o Campeonato.

Depois de um empate a uma bola em Alvalade, foi com naturalidade que o Benfica chegou à liderança da prova. Na sexta jornada, já tinha quatro pontos de vantagem para o FC Porto e seis para o Sporting, beneficiando de uma igualdade (1-1) entre os rivais. A primeira derrota chegou na visita ao terreno do SC Braga (2-1), na oitava jornada, mas nem assim os ‘dragões’ aproveitaram o deslize, averbando novo empate duas semanas depois.

O clássico no Dragão acabaria por confirmar o favoritismo da equipa de Jorge Jesus: vitória por 2-0 no terreno do rival, com dois golos de Lima. Só que a segunda volta não foi o passeio tranquilo que se esperava. A derrota em Paços de Ferreira causou alguma turbulência no voo da ‘águia’, duas jornadas antes de mais um dérbi em Alvalade. Valeu Jardel e um golo caído do céu já no derradeiro minuto. Dificilmente o bicampeonato fugiria aos benfiquistas, mesmo com uma vantagem ténue de dois pontos sobre os ‘azuis e brancos’.

Os ‘encarnados’ ainda voltaram a escorregar, desta feita em Vila do Conde (derrota por 1-2), com o FC Porto novamente a não saber aproveitar a deixa e a desperdiçar dois pontos no terreno do Nacional. O conjunto de Lopetegui, aliás, acabou mesmo por dar o título de mão beijada aos ‘encarnados’, com mais um empate no Restelo, isto quando o Benfica já não tinha ido além de um nulo em Guimarães, ainda com Rui Vitória no comando técnico. A uma jornada do fim, estava selado o bicampeonato.

Época 2016/17

Era a notícia daquele verão. Jorge Jesus deixava o lugar que ocupou durante seis épocas no Benfica e sentava-se agora na cadeira de sonho em Alvalade. Depois de muita tinta corrida, Rui Vitória foi o eleito para dar continuidade ao projeto de Luís Filipe Vieira, que na apresentação do técnico ribatejano mostrou toda a sua confiança ao pedir o ‘tri’.

Depois de uma pré-época desastrosa, ainda nem o campeonato tinha começado e já os ‘encarnados’ sofriam o primeiro revés – derrota na Supertaça frente ao eterno rival, agora orientado pelo antigo treinador. Seguiram-se os ‘desaires’ na Luz (0-3), à oitava jornada, e em Alvalade, para a Taça de Portugal (1-2 após prolongamento). Juntando a tudo isto exibições pouco convincentes, os comentários de Jorge Jesus sobre um Benfica que nunca mais se encontrou depois da sua saída não se fizeram esperar. Rui Vitória ora tentava fugir ao assunto, ora ia mandando a sua ‘bicada’. Certo é que o ‘tri’ começava a parecer uma miragem para os benfiquistas.

O ponto de viragem chegou em Braga. Era o jogo do tudo ou nada e o Benfica sabia disso. De tal forma que à passagem do primeiro quarto de hora já vencia por 2-0 num terreno tradicionalmente complicado para os adversários. Ora esse triunfo acabou por ser o ‘boost’ que os ‘encarnados’ precisavam para encarreirar numa sequência de 13 vitórias consecutivas – apenas interrompidas pelo nulo com o União da Madeira. Renato Sanches foi a revelação, Jonas/Mitroglou a confirmação e aos poucos os rivais começavam a vacilar perante a recuperação supersónica das ‘águias’. Foi por volta desta altura, inclusive, que as arbitragens voltaram a estar na ordem do dia, por exemplo com o famoso caso dos ‘vouchers’ denunciado por Bruno de Carvalho.

Apesar de tudo, a equipa de Rui Vitória não conseguiu bater os ‘dragões’ na Luz, muito por culpa de uma enorme exibição de Iker Casillas, mas venceu o único dérbi que importava. Um golo de Mitroglou catapultou o Benfica para a liderança do campeonato, de onde não mais saiu até ao final. Foi o sexto tricampeonato do historial dos ‘encarnados’, sendo que ainda houve tempo para bater o recorde de pontos amealhados por uma equipa na prova (88) e coroar Jonas como o melhor marcador. Tudo isto aliado a uma campanha bastante interessante na Liga dos Campeões e, mais tarde, à conquista da Taça da Liga. A provar que não é como começa, mas sim como acaba.

Época 2016/17

Conquistado o ‘tri’, o Benfica procurava, então, chegar onde nunca tinha chegado: ao quarto título consecutivo. Em cinco oportunidades, falhou-as todas, pelo que a história estava contra si. Uma vez mais, não foi um arranque de época fácil para a formação de Rui Vitória. Foram lesões atrás de lesões, sobretudo em jogadores influentes como Ederson, Grimaldo, Fejsa, Jonas ou Rafa, que obrigaram o técnico a puxar da cabeça para colmatar as muitas baixas no plantel.

Com um clássico entre Sporting e FC Porto marcado para a terceira jornada (vitória dos ‘leões’, por 2-1), foram as ‘águias’ as primeiras a tropeçar, logo à segunda ronda, na sequência de um empate a uma bola com o Vitória de Setúbal, na Luz. Os sadinos, de resto, foram a única equipa, a par do FC Porto, a conseguir travar os ‘encarnados’ nas duas voltas do campeonato – mais tarde venceriam no Bonfim por 1-0.

Apesar das contrariedades, e ao contrário do que havia sucedido na temporada do ‘tri’, o Benfica não precisou de esperar muito para subir à liderança – a derrota do Sporting em casa do Rio Ave (3-1), à quinta jornada, abriu caminho ao emblema da Luz, que a partir daí pôde sempre olhar para baixo, com maior ou menor vantagem para os concorrentes diretos.

Com uma ressalva: o saldo no frente a frente com os rivais FC Porto e Sporting revelava-se francamente mais positivo do que em 2015/2016 – três empates e uma vitória contra as anteriores três derrotas e um triunfo. A liderança, contudo, nunca foi um dado adquirido. Chegou, aliás, a estar em risco - primeiro com a derrota com o Marítimo (2-1), no início de dezembro e, depois, com a derrota em Setúbal (1-0) e o empate na Luz com o Boavista (3-3), em janeiro, a permitir a aproximação dos ‘dragões’, a um ponto, à 19.ª jornada.

Este cenário chegou a prolongar-se por várias rondas, até ao momento em que os ‘azuis e brancos’ falharam uma oportunidade de ouro de se chegarem à frente, depois do nulo dos ‘encarnados’ em Paços de Ferreira, cedendo um empate a uma bola ao Vitória de Setúbal. Nem o dérbi em Alvalade, com um golaço do herói (improvável) Lindelof a emendar um disparate de Ederson, serviu para ‘arrebitar’ a equipa de Nuno Espírito Santo – novo empate, agora na receção ao Feirense.

Erros que custaram bem caro aos ‘dragões’, uma vez que o Benfica acabou por sair sempre vitorioso dos encontros seguintes. O embate com o V. Guimarães não foi exceção. Com alguns triunfos arrancados a ferros e um futebol muitas vezes longe de encher o olho, a história deste sábado escreveu-se, curiosamente, em jeito de goleada e com uma exibição categórica por parte dos ‘encarnados’. Habemus tetra!