O treinador português de futebol Luís Castro, que orientou o Shakhtar Donetsk, entre 2019 e 2021, escutou hoje “testemunhos incríveis” de antigos companheiros em Kiev face ao agravamento da situação político-militar na Ucrânia.

“Falei com algumas pessoas da Ucrânia e do clube, minhas amigas, e o sentimento é de horror. Não sabem o que fazer nem para onde ir. Não sabem se hão de pegar no carro e sair por alguma fronteira, se hão de ficar ou descer para os ‘bunkers’. Não sabem nada. Dizem que, se saírem de lá, são horas e horas de viagem”, contou à agência Lusa o técnico, de 60 anos, que dirige o Al-Duhail, segundo colocado do campeonato do Qatar.

A Rússia lançou hoje de madrugada uma ofensiva militar em território da Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamento de alvos em várias cidades, que já provocou pelo menos meia centena de mortos, 10 dos quais civis, em solo ucraniano, segundo Kiev.

“Falei com um dos um dos portugueses que estava a sair naquele momento de Kiev e vinha através da Roménia. Mostrava-se muito nervoso e ansioso. São momentos muito terríveis. Durante a viagem, falámos um pouco mais, perguntei como se estava a sentir e dizia que, pelo menos, se estava a aproximar do alvo, que é Portugal”, confidenciou.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, explicou que a “operação militar especial” na Ucrânia visa “desmilitarizar e desnazificar” o seu vizinho e que era a única maneira de o país se defender, numa ofensiva que, segundo o Kremlin, durará o tempo necessário.

“Tudo isto são testemunhos incríveis e que nos fazem pensar que isto não tem sentido nenhum. Jamais problemas políticos podem desaguar num mar de problemas e travar o progresso de uma humanidade que tenta ser melhor. Há muita coisa no mundo que se tem de fazer, mas tem que se fazer para o bem, não para o mal”, observou Luís Castro.

Campeão ucraniano pelo Shakhtar Donetsk, em 2019/20, o técnico mostrou-se como “porta-voz de muitas pessoas” que “só querem viver em paz”, desígnio que “os grandes líderes do mundo têm de ouvir, esquecendo orgulhos fúteis e trabalhando com diálogo”.

“Às vezes, dizemos que o dinheiro pouco importa. Quero é ter paz. É o que as pessoas querem. Quem vive em paz, vive feliz. Esqueçam tudo. Sentem-se, mas não façam o que nos fizeram nos últimos dias. Ninguém fez nada. O que interessa estar a dizer agora que se vão reunir para tomar medidas aqui e ali? As medidas deveriam ter sido tomadas antes, com palavras de esperança para aqueles que estão a sofrer”, apelou.

A tensão no leste agravou-se na segunda-feira, com Vladimir Putin a reconhecer a independência dos territórios ucranianos separatistas pró-russos de Donetsk e Lugansk, ambos situados na região de Donbass, tendo Luís Castro admitido que “muitos tentaram transmitir a ideia de que tinham a situação dominada, quando nada disso ia sucedendo”.

“É algo totalmente fora de controlo, que colocou o mundo envergonhado e de joelhos em plena Europa, já para não falar dos problemas que acontecem noutros lados. As pessoas assobiam para o lado como se estivesse tudo bem. Portanto, vai continuar a ser assim. Quem sofre e está no meio dos problemas é que tem de os resolver. Neste momento, o mundo é um teatro onde alguns passeiam sem cuidar minimamente dos outros”, notou.

Luís Castro exemplificou essa desejada harmonia com a adaptação pacífica do Shakhtar Donetsk, o clube ucraniano mais bem-sucedido no século XXI, à casa do rival Dínamo Kiev, após ter sido forçado a separar-se da sua cidade, localizada a 700 quilómetros da capital, em 2014, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a península da Crimeia.

“A rivalidade entre adeptos é pelo futebol. No meu primeiro ano, jogávamos em Kharkiv e treinávamos em Kiev. No segundo, passámos a jogar de vez em Kiev. Não digo que não houvesse, mas não senti problemas. Coabitámos sempre muito bem. Muitas vezes, saía do Estádio Olímpico de Kiev e até tirava ‘selfies’ com adeptos do Dínamo”, enquadrou.

Estreado em agosto de 2009, o Donbass Arena albergava quase 52.000 espetadores, custou mais de 500 milhões de euros e recebeu jogos do Euro2012, mas foi deixado ao abandono com a guerra e está parcialmente danificado por mísseis russos, frustrando o ‘sonho’ de ser revigorado e voltar a acolher jogos do Shakhtar e da seleção ucraniana.

“Muitas pessoas que trabalham no clube foram deslocadas para Kiev na altura. Falavam-me sempre com muita saudade de Donetsk e fizeram-me lembrar muito o tempo em que em que vieram as pessoas do Ultramar, deixando muitas coisas para trás. Havia um sentimento de perda e, ao mesmo tempo, de muita saudade”, finalizou o ex-treinador de FC Porto, Rio Ave, Desportivo de Chaves, Vitória de Guimarães e Penafiel, entre outros.

O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional e multiplicou reuniões de emergência de vários governos, incluindo o português, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), União Europeia e Conselho de Segurança da ONU.

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