O treinador André Villas-Boas considerou hoje que a ideia da criação de uma Superliga europeia de futebol “é uma ameaça” para a organização das competições continentais, numa palestra na cimeira tecnológica Web Summit, em Lisboa.

“É um tema sensível para as competições futebolísticas neste momento. A Superliga é uma ameaça para a organização das competições europeias. A UEFA reagiu a isso com a reorganização do formato da Liga dos Campeões, mas, para ser honesto, é preciso um manual para o perceber, é muito complicado”, expressou o treinador, de 45 anos.

As críticas estendem-se, assim, ao novo formato da principal competição europeia de clubes, a entrar em vigor a partir da temporada 2024/25, com uma liga composta por 36 equipas a substituir a atual fase de grupos de 32, com oito grupos de quatro clubes.

“Isto puxa a UEFA a estabelecer um bom nível. Prefiro este módulo para descobrir uma melhor maneira. As atuais finanças de alguns clubes são uma desgraça, colocaram os clubes em situações limite. Há espaço para conversas e reformulação de formatos. Eu espero que se valorize as competições internacionais, sobretudo as de seleções”, disse.

Num painel denominado “Estrelas emergentes: Como se chega ao topo?”, o portuense afirmou que “o talento surge em diferentes mentalidades e expectativas” e os próprios líderes também precisam de se adaptar, nomeadamente à cultura do país onde treina.

“Alguns jovens jogadores sentem um pouco mais de pressão, outros não gostam muito disso, em alguns é preciso ser mais estrito. Faz parte da liderança moderna ter esta flexibilidade no estilo de liderança. São estratégias que dependem do líder e tem de se encontrar o padrão correto para os atletas meterem talento dentro de campo”, frisou.

Com passagens por Académica, FC Porto, Chelsea, Tottenham, Zenit, Shanghai SIPG e Marselha, André Villas-Boas considerou “estimulante” todas as experiências enquanto treinador em diversos países, exemplificando que os futebolistas chineses “estão mais habituados a seguir ordens, numa regra quase de ditadura”, em comparação com os países europeus, onde “há o lado criativo de deixar os futebolistas terem liberdade”.

“O Gareth Bale foi um desses exemplos. É um jogador que gosta dessa liberdade e, no Tottenham, produziu uma época incrível comigo, que o levou para o Real Madrid, no qual ganhou uma série de troféus. Por vezes, é preciso abrir essa liberdade”, argumentou.

O talento existente nas camadas jovens nem sempre tem oportunidade de se exprimir ao mais alto nível, apesar das expectativas elevadas incutidas nos jovens futebolistas, mas “a janela de oportunidades é curta e os treinadores estão sempre sob pressão”.

“Muitos clubes estão em ruína financeira e têm de aproveitar a formação. Aí, a janela é um pouco mais alargada e confiam mais na formação. Esses jovens são mais expostos e há mais oportunidades”, prosseguiu o vencedor de Liga dos Campeões e Liga Europa.

Contando que assistiu ao Borussia Dortmund-Sevilha, da UEFA Youth League, e que “o número de olheiros nesse jogo era provavelmente maior do que no jogo dos seniores”, Villas-Boas falou também da cultura do corpo e da parte física, que, nos últimos anos, se tornou parte importante do futebol, transformando atletas em “máquinas físicas”.

“Ainda há margem para melhorar. Em termos horários, um nadador olímpico gasta seis a oito horas diárias num treino e os futebolistas dedicam uma hora e meia ou duas horas. Temos muito a melhorar e a aprender com outros desportos ainda”, destacou.

A ‘fechar’ o painel, e já depois de também opinar sobre a saúde mental dos atletas, o português nomeou o brasileiro Hulk como o seu ‘golden boy’, uma vez que foi o seu treinador em três equipas diferentes: FC Porto, Zenit (Rússia) e Shanghai SIPG (China).

A sétima edição da Web Summit arrancou em Lisboa na terça-feira e termina na sexta-feira, contando com mais de 70.000 participantes, 2.630 'startups' e empresas, 1.120 investidores e 1.040 oradores.

A cimeira tecnológica, que nasceu em 2010 na Irlanda, passou a realizar-se na zona do Parque das Nações em Lisboa em 2016 e vai manter-se na capital portuguesa até 2028.