A família foi mais importante do que a paixão pela arbitragem de Ana Paula Oliveira e levou a antiga assistente a posar nua em 2007, uma decisão da qual não se arrepende, acusando o futebol de ainda ser machista.
“Eu já tinha 29 anos, já tinha feito tudo, como mulher, dentro do futebol. Já tinha três finais do campeonato paulista, uma olimpíada, jogos da Libertadores. Tinha chegado num ponto que o que me faltava para me realizar era ser preparada para uma Copa do Mundo. Eu sabia que para uma mulher ser preparada para uma Copa do Mundo era quase impossível naquele momento”, lembrou Ana Paula Oliveira, em entrevista à agência Lusa.
A antiga árbitra e atual comentadora recorda que se tinha dedicado, durante cerca de 10 anos, a uma profissão e “não tinha construído ainda uma condição financeira estável”, ao nível do que os homens conseguem, pelo que o convite da Playboy, que já tinha surgido várias vezes, a colocou perante uma encruzilhada.
“Eu tinha os meus pais com uma condição de saúde debilitada e já era a quinta ou a sexta vez que a revista me fazia o convite. Aí vi-me perante uma decisão, fazer ou não fazer. Se não fizesse, já não teria mais nenhuma oportunidade e naquele momento eu escolhi a minha família. Eu sabia que se tomasse aquela decisão eu podia colocar em risco uma carreira, mas eu escolhi a minha família. E hoje digo que não me arrependo, porque consegui dar uma melhor condição de vida para os meus pais. O meu pai já faleceu, mas faleceu com dignidade, a minha mãe hoje tem um teto, tem uma casa, que eu proporcionei para ela com essa receita da revista”, explicou.
Ana Paula Oliveira considera que a revista a “projetou além das quatro linhas” e que a beleza, no decorrer da carreira, “ajudou e atrapalhou”, pois, no começo, complicou bastante, mas depois, “somado à competência, agregou valor”.
“Quando se consegue demonstrar que é capaz e que executa a sua função com excelência, somado à beleza estética é um ganho”, considerou Ana Paula Oliveira, que chegou à arbitragem por acaso, ao seguir o pai, que era árbitro amador, e que atingiu o primeiro escalão aos 19 anos.
Depois de ter arbitrado jogos de campeonatos nacionais, estaduais, da Libertadores da América, o sonho de Ana Paula Oliveira era estar num Mundial, mas entende “ainda é difícil uma mulher chegar a uma Copa do Mundo”, “primeiro pela parte física, porque hoje passar no teste físico masculino é difícil para a mulher, e segundo, porque ainda há o preconceito, o machismo”.
A atual comentadora admite que, apesar de tudo, “é possível uma mulher chegar a treinar um grande clube, que é possível uma mulher arbitrar um jogo de ‘Champions’ e porque não chegar a uma Copa… mas essa mulher terá de ter muita dedicação, muita seriedade e muita personalidade”.
“Porque o futebol ainda é machista, ainda existe essa conotação de que toda a mulher que está no futebol está vinculada ao marketing”, disse, assegurando que essa mudança de mentalidades não acontece do dia para a noite.
Atualmente Ana Paula Oliveira também é diretora da escola nacional de árbitros, organismo em que foi a primeira mulher a entrar, e acredita que já há uma mudança de mentalidades, mas que também tem de se respeitar os homens que estão a dar esse espaço para a entrada de mulheres.
“Depois temos de trabalhar, mostrar do que somos capazes, do jeito certo, com seriedade, com trabalho, esse é o melhor trabalho, porque só se vai mostrar que não é marketing por meio do trabalho, não existe melhor resposta (...). Se se dá um tempo para um treinador masculino para fazer esse processo, porque não fazê-lo para uma treinadora mulher? O princípio é o mesmo e capacidade todos têm”, referiu.
Recordando os anos a seguir a ter posado para a revista, Ana Paula Oliveira tentou voltar, ainda atuou no campeonato paulista no ano seguinte e fez testes físicos para voltar a FIFA, que passou, mas ficou à mesma sem as insígnias.
“Depois, o meu pai adoeceu e confesso que, com o falecimento dele, entendi que não tinha de voltar mais ao campo de jogo e encerrei a minha carreira com a ida do meu pai. Com a despedida dele, eu despedi-me do campo de jogo. Se ele me levou para o campo, porque não deixar o campo junto com ele. Deixei o gramado junto com ele. Atuei em 2008 e em 2009 e despedi-me oficialmente em 2010”, relembrou.
Considerando que foi “valente” ao tentar voltar, Ana Paula Oliveira recorda que “o regresso foi difícil”, porque enfrentou “uma barreira muito grande”, porque “muitos não aceitavam” o ensaio fotográfico que tinha feito, embora dê os parabéns aos jogadores, aos técnicos, aos dirigentes, que nunca a desrespeitaram.
“Isso dá-me muito orgulho, porque não foi um ensaio fotográfico que jogou por água abaixo a carreira de 12 anos”, admitiu.
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