O futebol já não é apenas o mundo dos homens. O futebol feminino tem crescido a olhos vistos pelos quatro cantos do mundo e vai ganhando protagonismo, embora ainda esteja longe do impacto de uma modalidade ainda regida por homens.

A FIFA tem tentado alavancar a modalidade por esse mundo fora, tendo passado a incluir nos seus galardões o prémio de Melhor Treinadora do Mundo, nos The Best, onde são distinguidos os melhores de cada ano.

Em Portugal o crescimento do futebol feminino tem sido muito rápido, a ponto de, no mês passado, termos conseguido a qualificação para um Campeonato do Mundo pela primeira vez, depois da participação em dois europeus.

A Federação Portuguesa de Futebol tem investido muito na modalidade, assim como os clubes, como o Sporting que aposta muito na formação, ou o Benfica que construiu uma equipa para participar na Champions, contratando algumas estrelas internacionais.

A equipa que colocou Portugal num Mundial de futebol feminino
A equipa que colocou Portugal num Mundial de futebol feminino A equipa que colocou Portugal num Mundial de futebol feminino

Hoje em dia são cada vez mais as mulheres em posições de destaque em equipas profissionais, embora quase sempre afastadas da gestão de campo. Não há qualquer mulher a dirigir uma equipa masculina profissional de futebol, apesar dos títulos europeus e mundiais que elas vão ganhando a partir do banco, quer a nível de seleções quer a nível de clubes.

São os casos da luso-francesa Sonia Bompastor, treinador do poderoso Lyon, uma das melhores equipas de futebol feminino do mundo. A inglesa Emma Hayes (Chelsea), a sueca Pia Sundhage (Seleção do Brasil), a inglesa Bev Priestman (Seleção do Canadá), a alemã Martina Voss-Tecklenburg (Seleção da Alemanha) e a neerlandesa Sarina Wiegman (Seleção da Inglaterra), todas nomeadas para o prémio de Melhor Treinadora do Mundo de 2022, são alguns dos nomes que destacam.

Helena Costa fez história em 2014 mas durou pouco

Entre as treinadoras, houve um nome português que fez história: em 2014, Helena Costa tornou-se na primeira mulher a treinou uma equipa profissional masculina nas principais ligas mundiais. Neste Dia Internacional da Mulher, recordamos a sua história por terras gaulesas.

A nível nacional, Helena Costa é a técnica mais conhecida, embora esteja afastada do treino há vários anos. E 2014 ela fez história ao tornar-se na primeira mulher a comandar uma equipa profissional masculina nas principais ligas europeias. A portuguesa foi escolhida, a 07 de maio, para comandar o Clermont Foot 63, equipa que ocupava a 14.ª posição da segunda divisão francesa, a duas jornadas para o fim da prova.

"Esta nomeação permitirá ao Clermont Foot 63 entrar numa nova era, com base num conjunto de 17 jogadores atualmente sob contrato, aos quais se juntarão outros jovens jogadores provenientes da formação do clube. Foi assim que o Clermont Foot justificou a escolha da portuguesa, antiga treinadora da equipa feminina do Benfica e do Odivelas.

Na sua apresentação, a portuguesa pedia que fosse avaliada apenas pelos resultados

"Sei que o impacto é enorme, mas peço que me olhem como um treinador normal, avaliado pelos resultados e pelo trabalho, não por ser mulher. Quero apenas ser avaliada pelo trabalho e pelos resultados […] Encaro isto como a minha profissão, e não queria que encarassem isto como uma aventura ou uma jogada de marketing, mas como o meu trabalho. […] Não vou mentir. Encontrei dificuldades, mas estou aqui. E é pelo meu trabalho, e não por outras coisas. É normal, quando és pioneira, quando estás a começar algo, encontrar obstáculos", disse, em conferência de imprensa.

No seu currículo, Helena Costa ocupou os cargos de selecionadora feminina do Irão e do Qatar, além de ter colaborado com os escoceses do Celtic na qualidade de olheira. Esteve ainda cinco épocas como olheira da equipa principal do Eintracht Frankfurt (de 2017 a 2022), de onde saiu para assumir o cargo de Coordenador de Scouting nos ingleses do Watford, do segundo escalão do futebol inglês. Foi ainda conselheira técnica e observadora da UEFA para o futebol jovem de elite.

Helena Costa
Helena Costa Helena Costa, na sua apresentação como treinador do Clermont Foot 63 créditos: Lusa

Na altura da nomeação, muitas figuras do futebol mundial saudaram a escolha do Clermont Foot, que apostou numa mulher para treinar a sua equipa masculina. Fernando Gomes, presidente da FPF, Arsène Wenger, antigo treinador do Arsenal, Joseph Blatter, antigo presidente da FIFA, Miche Platini, antigo presidente da UEFA,

Jogadores reagiram com surpresa e ansiedade

Surpresa, ansiedade e alguma pesquisa na internet. Foi assim que reagiram os futebolistas do Clermont depois de terem sabido que na época 2014/2015 iam ser treinados por uma mulher. Na altura, em declarações ao jornal L’Équipe, os futebolistas do clube gaulês admitiram que receberam com algum espanto a notícia de que no ano seguinte o treinador seria uma treinadora, mas, ao mesmo tempo, estavam motivados para viver aquilo que ia ser uma “experiência única” no futebol.

Foi o caso de Emmanuel Imorou, antigo jogador do Sporting de Braga, quue pensou que seria apenas um “rumor sem fundamento”.

“Depois, mais tarde, quando o diretor desportivo nos comunicou a decisão, ficámos todos surpreendidos. Alguns jogadores riram-se, mas depois até foi bem aceite. Fizemos algumas piadas, questionámo-nos como iria liderar um grupo de homens e fomos fazer umas pesquisas no Google. E sim também para ver se era bonita”, brincou o lateral esquerdo.

No entanto o jogador recordou que alguns jogadores podiam ter alguma dificuldade em aceitar serem liderados por uma mulher.

“Pode ser problemático, não para mim, mas para outros. Pelas reações que li no Twitter vejo que há pessoas que se calhar ainda não aceitam bem isso. Penso que o Clermont tem um excelente grupo de jogadores e por isso não terá problemas. Provavelmente vai-se impor rapidamente e demonstrar que a temos que respeitar como líder”, disse, na altura.

Surpreendido também ficou o defesa Anthonu Lippini, que comparou mesmo a contratação de Helena Costa à primeira vez que uma mulher entrou para o exército.

“Teve o seu impacto na altura e muitas pessoas questionavam-se como iria uma mulher viver num ambiente tão machista. Hoje em dia, é um comum haver mulheres no exército e penso que isso também pode acontecer no futebol. Estou muito curioso para descobrir como vai ser”, frisou.

O avançado Rémy Dugimont receava que primeiros dias da nova época fossem “estranhos”, mas esperava que depois tudo voltasse ao normal.

“É certo que vai ser um pouco estranho, mas apenas no princípio. Se o presidente optou por contratá-la é porque acha que pode fazer um bom trabalho do clube. Eu acho que não vai haver problema. Pelo currículo que tem, sabe perfeitamente como funciona um balneário e uma equipa de homens”, disse, na altura, o jogador.

Um amor de verão

A aventura de Helena Costa no Clermont Foot 63 durou muito pouco. Anunciada a 07 de maio de 2014, a portuguesa deixaria o emblema francês um mês e meio depois, no dia 23 de junho. Entre a apresentação e a demissão, passaram 32 dias.

“Helena Costa decidiu não honrar os compromissos assumidos com o Clermont Foot 63. Por isso, Helena Costa não vai assumir o cargo de treinadora do clube na próxima época. Esta é uma decisão repentina e surpreendente. Lamento profundamente esta situação. Agradeço a todos os que me apoiaram e estou-lhes muito grato. O funcionamento do clube vai prosseguir com outros interlocutores para preparar a nova temporada”, escreveu o clube em comunicado.

Helena Costa: treinadora de futebol
Helena Costa: treinadora de futebol Helena Costa: treinadora de futebol

Na altura, Helena Costa disse que a decisão sera "puramente pessoal". "Espero que esta decisão não venha a prejudicar outras treinadoras, é apenas uma decisão pessoal”, explicou Helena, citada pelo twitter do clube.

Claude Michy, presidente do clube na altura, disse que a decisão da técnica "foi surpreendente e incompreensível", acrescentando: "la disse-me simplesmente: 'Vou embora'. Não houve hipótese de a fazer mudar de ideias. Ela tem um problema de confiança, mas não sei o que a desestabilizou", comentou.

Mais tarde, a portuguesa explicou que a sua saída se deveu ao facto de o diretor desportivo contratar jogadores sem o seu acordo.

"Considero inadmissível a uma estrutura do futebol profissional, que o/a treinador(a) tome conhecimento da contratação de jogadores novos pela secretária do clube, através de uma listagem de jogadores que realizariam os testes médicos no primeiro dia de atividades", referiu a portuguesa, em comunicado.

O clube decidiu manter a sua aposta numa mulher e contratou a antiga internacional francesa Corinne Diacre para o cargo de treinadora da equipa masculina. Corinne Diacre, que representou a seleção gaulesa entre 1993 e 2005, também desempenhou funções na equipa técnica da seleção francesa feminina de futebol.

Pouco tempo depois Corinne Diacre tornou-se na primeira mulher a orientar uma equipa profissional masculina de futebol, numa partida a Ligue 2 francesa.

*Com Lusa