As imagens de craques como Ronaldo ou Marta a brilharem numa fase final de um Mundial de Futebol são cada vez mais raras num Brasil cujo poder é cada vez menor nos principais torneios de futebol, tanto masculino como feminino.

O último golpe chegou na quarta-feira (2), com a seleção feminina a ser eliminada na fase de grupos do Mundial pela primeira vez desde 1995.

Mas antes houve outras duas desilusões em menos de um ano: a Seleção masculina foi eliminada nos penáltis pela Croácia no Mundial de 2022, em dezembro, e a de Sub-20 caiu frente a Israel (3-2), em junho, na mesma fase do Mundial da categoria.

Para ambas as equipas masculinas, o hexacampeonato continua a fugir. Os profissionais não levantam a Taça no Campeonato do Mundo desde 2002, enquanto o último título dos jovens sub-20 foi em 2011.

Marta, a lendária camisa 10 da seleção feminina, despediu-se do seu sexto e último Mundial de mãos vazias, 16 anos depois do vice-campeonato na China, em 2007, com derrota para a Alemanha por 2-0, na sua única final de um Mundial.

Embora não fossem favoritas ao título na Austrália e Nova Zelândia este ano, a expectativa era de que as brasileiras chegassem aos oitavos de final sem grandes problemas.

"Não era, nem nos meus piores pesadelos, o Mundial que eu sonhava", disse a atacante de 37 anos, titular apenas no empate em 0-0 com a Jamaica, que selou a eliminação.

- "Realidades diferentes" -

Considerada a melhor jogadora da história e maior marcadora em Mundiais de futebol, com 17 golos, Marta também esteve presente quando a seleção perdeu as finais dos Jogos Olímpicos de Atenas 2004 e de Pequim 2008.

Ela é o símbolo de um Brasil dominante na América do Sul (venceu oito das nove Copas América femininas realizadas até agora) e que ganhou relevância no mundo, mas que quando sai da região recebe um choque de realidade, assim como a Seleção masculina.

"São realidades diferentes, na seleção feminina não se pode exigir a mesma coisa que se exige normalmente dos homens porque o futebol feminino é razoavelmente recente no Brasil. A exigência justifica-se porque nunca uma seleção foi tão bem preparada para jogar um Mundial. Ficou muito clara a falta de preparação mental das raparigas para ganhar", disse à AFP o jornalista Juca Kfouri.

Desde o vice-campeonato em 2007, a seleção feminina nunca passou dos quartos de final e adversárias regionais têm vindo a crescer, como a Colômbia, único país sul-americano nos oitavos de final do Mundial de 2023.

Nem mesmo a contratação da treinadora sueca Pia Sundhage, bicampeã olímpica à frente dos Estados Unidos da América, deu resultado.

"Vou esforçar-me muito para procurar jogadoras novas (...) Espero ter muitas para escolher", disse Pia após a eliminação.

Já a equipa masculina, depois da conquista do penta, só chegou às meias-finais em 2014, quando foi atropelada pela Alemanha por 7-1 em casa. De lá para cá, a arquirrival Argentina foi campeã do mundo no Qatar e venceu a Copa América de 2021 em pleno Maracanã.

- Falta qualidade? -

Há diversas razões para explicar o mau momento do futebol brasileiro,  se não tivermos em linha de conta o sucesso dos clubes do país nas provas da América do Sul.

Embora o Brasil continue a ser a principal fábrica de jogadores a nível mundial, a qualidade está em questão: não há uma substituta ao nível de para Marta e nenhum homem brasileiro ganha a Bola de Ouro desde 2007 (Kaká). Neymar, a grande esperança, tem vindo a ser destacado ao longo da carreira mais pelas polémicas e pelas lesões do que pelo seu futebol.

"O problema é que hoje não temos a qualidade de jogadores que tínhamos em outras épocas", opinou recentemente o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Os outros países evoluíram e o Brasil, dizem especialistas, vende os seus jogadores ainda muito jovens, e estes acabam por adquirir características europeias, perdendo as habilidades que tornam o seu futebol mundialmente admirado: dribles, ousadia, magia.

"Acabam, de alguma fora, por deixar o futebol brasileiro mais físico e menos técnico", lamenta Kfouri, que também adverte sobre a falta de um projeto desportivo.

Uma prova disso, diz ele, é o que acontece com a seleção masculina: Fernando Diniz dividirá o comando do Fluminense com a Seleção até meados de 2024, quando o italiano Carlo Ancelotti deve assumir a equipa.

"A Seleção Brasileira tem trocado de treinadores que não têm nada a ver um com outro. Eu não descarto nenhuma possibilidade, como não descarto, a cada Mundial de Futebol, que o Brasil ganhe o próximo Mundial. A hegemonia que o Brasil teve num determinado momento, independentemente do facto de ganhar um Mundial de Futebol, aquela coisa encantadora que só o Brasil parecia ter, acho que aqui não vai acontecer mais", garantiu Kfouri.