Jogadores que tiveram familiares mortos, estádios bombardeados e campeonato parado: o futebol palestiniano, cuja seleção se prepara para disputar a Taça da Ásia, paga um preço alto pela guerra em Gaza, onde já morreram milhares de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças.

Faltando menos de duas semanas para a competição continental no Qatar (de 12 de janeiro a 10 de fevereiro), a seleção palestiniana não está preocupada com o futebol.

"Todos acompanham as notícias antes e depois dos treinos, no autocarro para o hotel há um sentimento constante de ansiedade e pensamentos sobre as suas famílias", confessa à AFP o selecionador e ex-jogador tunisiano, Makram Daboub, contactado por telefone.

"Tivemos problemas físicos, técnicos e táticos devido à suspensão do campeonato e à falta de competição, sem falar do aspecto mental", completa Daboub.

A sua equipa, que disputará pela terceira vez a Taça da Ásia, chegará a Doha esta terça-feira para uma última preparação antes do início da competição.

"Os adeptos palestinianos contam com a seleção para obter bons resultados nesta terceira participação, apesar das difíceis condições que o nosso povo atravessa devido à agressão israelita, que levou à paralisação das competições", escreveu na segunda-feira a agência oficial da Autoridade Palestina.

"Futebol como momento de hastear a bandeira palestiniana"

Os campeonatos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza estão suspensos desde 7 de outubro e desde o início da guerra desencadeada por um ataque do Hamas em solo israelita que causou 1.140 mortes, a maioria civis, segundo números publicados pelas autoridades de Israel.

Em retaliação, o exército israelita tem bombardeado a Faixa de Gaza, onde morreram quase 22 mil pessoas, a maioria mulheres, crianças e adolescentes, segundo o último balanço do Ministério da Saúde do governo do Hamas.

Na seleção nacional, "muitos jogadores estão a sofrer, posso citar entre eles Mahmud Wadi e Muhamad Saleh. São profissionais no Egito, mas as suas famílias estão em Gaza e as suas casas foram destruídas. Alguns dos seus familiares morreram e outros tiveram que fugir para o sul da Faixa de Gaza. Eles vivem em condições difíceis", garante o ex-jogador tunisiano.

"O nosso objetivo é apurar-nos para as fases a eliminar da Taça da Ásia e mostrarmos um rosto que honre o futebol palestiniano. Hastear a bandeira palestiniana em fóruns internacionais ou em competições continentais é uma afirmação da identidade palestiniana e do facto de que no solo da Palestina existe um povo que merece liberdade e uma vida melhor", disse Makram Dabub.

Estádio de Gaza ocupado

Em Gaza, as operações militares israelitas colocaram "a juventude e o desporto de joelhos", denuncia à AFP o presidente da Federação Palestiniana de Futebol, Jibril Rajoub.

"Até agora, mais de mil pessoas foram assassinadas entre membros das organizações da juventude, do desporto e do escotismo", lamenta Rajoub, também patrono do Comité Olímpico Palestiniano.

"A ocupação israelita tem como alvo instalações desportivas e sedes das federações. Vimos imagens horríveis durante a invasão do estádio Yarmouk, na Faixa de Gaza, que foi transformado num centro de detenção, de abusos e interrogatórios do nosso povo, uma violação flagrante da Carta Olímpica", acrescenta este membro histórico do Fatah, o partido do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas.

Jibril Rajoub se refere às imagens de um fotógrafo israelita que mostram palestinianos, incluindo crianças, sem roupa no relvado do estádio de Gaza.

Segundo os militares israelitas, eles eram suspeitos de envolvimento em "atividades terroristas".

"Este estádio, com 9.000 lugares, é um dos mais antigos da Palestina, pois foi construído em 1938 e foi equipado para atender às exigências internacionais e o estabelecimento não escapa ao que os territórios palestinianos tem vindo a sofrer", afirma Rajoub.

A Federação Palestiniana de Futebol anunciou que enviou uma carta ao Comité Olímpico Internacional (COI) e à Federação Internacional de Futebol (FIFA) para "confirmar a destruição da infraestrutura" e exigir "uma investigação internacional urgente sobre os crimes de ocupação contra os atletas na Palestina".