Está para durar a polémica sobre os culpados do caos causado por adeptos e polícia na final da Liga dos Campeões em Paris, no último sábado. Ingleses e franceses trocam acusações ao mais alto nível, com ministros dos dois países a 'chutarem' a culpa para cada um dos lados do Canal da Mancha.
Alguns adeptos furaram as barreiras de proteção e entraram no estádio sem bilhete, o que levou a atrasar a final da Champions em 40 minutos. A Polícia Francesa interveio em força, carregando sobre a multidão, na sua maioria adeptos ingleses, com bastonadas e gás pimenta.
Há relatos de roubos de fãs, assaltos e uma alarmante falta de segurança geral. Vários ingleses ficaram feridos, incluindo crianças. França lamenta o uso desproporcional da força mas diz que a culpa é da UEFA e de Inglaterra.
“Lamentamos que famílias possam ter sido indiretamente atingidas”, declarou no domingo à estação televisiva BFMTV uma porta-voz do comando da polícia de Paris, assegurando que as tentativas de intrusão ou de utilização de bilhetes falsos foram “na generalidade” feitas por “adeptos ingleses”, mas “também, sem dúvida, com alguns parisienses e residentes de Saint-Denis”.
França diz que 30 a 40 mil adeptos do Liverpool viajaram sem bilhete ou com ingresso falso
O governo francês revelou esta segunda-feira que entre 30 a 40 mil adeptos do Liverpool viajaram para Paris, para a assistir no último sábado à final da Liga dos Campeões de futebol, sem bilhete ou com um ingresso falso. Em declarações aos jornalistas na capital francesa, o ministro do Interior lamentou a existência de uma “fraude maciça de bilhetes falsos” e criticou a “desorganização” das autoridades britânicas e também da UEFA.
“Foi verificada uma fraude maciça, em escala industrial, de bilhetes falsificados. 30 a 40 mil adeptos ingleses encontravam-se no Stade de France sem bilhetes ou com bilhetes falsificados”, disse Gérald Darmanin, após uma reunião com a ministra do Desporto francesa, Amélie Oudéa-Castéra.
Darmanin explicou que, a pedido da UEFA, foram impressos bilhetes físicos, em vez de apenas eletrónicos, e que essa decisão “abriu a possibilidade de fraude”.
“Na área de filtragem antes da entrada para o estádio, mais de 70% dos bilhetes eram falsos. Isso gerou problemas de segurança, o que levou à intervenção da polícia e das unidades de choque com gás lacrimogéneo, em algumas partes de forma desnecessária e desproporcional”, confessou o ministro.
O governante gaulês sublinhou que todos os problemas aconteceram nas áreas de acesso aos adeptos ingleses e que não houve nada a registar por parte das pessoas que foram apoiar o Real Madrid.
"A desorganização da chegada de adeptos britânicos efetuada pelo clube e pelos responsáveis britânicos complicou muito a situação", disse Darmanin, recordando “episódio semelhante” que aconteceu em 2019, em Madrid, na final disputada entre Liverpool e Tottenham.
O ministro do Interior adiantou ainda que, no dia da final da ‘Champions’, que o Real Madrid venceu por 1-0, cerca de 80 pessoas foram detidas por tentarem roubar bilhetes junto de adeptos ingleses e espanhóis perto do Stade de France, que se situa na zona de Saint-Denis, nos arredores de Paris.
Ministra francesa dos Desportos acusa Liverpool de ter deixado "adeptos à solta"
Pouco tempo antes das declarações do ministro do Interior francês, já a ministra dos Desportos e dos Jogos Olímpicos de França tinha apontado ao dedo ao Liverpol por ter deixado "os seus adeptos à solta” na final da Liga dos Campeões de futebol. A ministra considerou ainda lamentável o uso de gás lacrimogéneo contra famílias junto ao Stade de France.
“O Real Madrid supervisionou a vinda dos seus adeptos a Paris, (…) o que contrasta radicalmente com o que fez o clube de Liverpool, que deixou os seus apoiantes à solta. Isso fez toda a diferença”, afirmou Amélie Oudéa-Castéra, em entrevista ao canal televisivo RTL.
Segundo a ministra, foram detetados cerca de 30.000 a 40.000 ingleses sem bilhetes, ou com ingressos falsos, situação que, garantiu, será investigada.
“Temos que perceber de onde vêm os bilhetes falsificados”, disse a governante, confirmando que, a pedido do Liverpool, a UEFA decidiu não usar a aplicação móvel para os ingressos.
Amélie Oudéa-Castéra considerou que o episódio mais lamentável da final, disputada no sábado, foi “o uso de gás lacrimogéneo contra famílias e crianças que iam assistir ao jogo”.
A ministra garantiu não estar preocupada com a realização de futuros eventos desportivos de grande dimensão no país, lembrando a realização anual da Volta a França em bicicleta e o Europeu de futebol de 2016, conquistado por Portugal.
“Não estou preocupada, estamos muito empenhados. É importante que aprendamos lições com coisas como as que aconteceram no sábado, para percebermos tudo o que tem de ser feito para eventos com o Mundial de râguebi de 2023, e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2024”, disse.
Apesar das acusações dos ministros franceses do Interior e do Desporto, as cenas testemunhadas por repórteres parecem sugerir o contrário: foram pessoas que pareciam ser jovens locais a trepar por cima de vedações. "Desçam", diziam os adeptos de Liverpool a gritar, segundo os relatos.
"O estigma em torno dos adeptos ingleses está a ser utilizado pelas autoridades públicas francesas para ganhos políticos baratos", disse hoje Ronan Evain, diretor executivo da Football Supporters Europe. E adiantou: "Sempre houve problemas de mobilidade em redor do Stade de France".
"Estamos chocados com a comunicação das autoridades públicas francesas". Os adeptos do Liverpool e do Real Madrid são as vítimas do fiasco de ontem [sábado] e não são os culpados.
Inglaterra pede investigação aos incidentes com adeptos na final
Do lado inglês, a visão sobre os acontecimentos é diferente. O governo britânico disse esta segunda-feira estar “extremamente dececionado” com o tratamento dado aos adeptos ingleses em Paris e pediu uma investigação completa.
“Os adeptos merecem saber o que se passou”, disse o porta-voz do gabinete do primeiro-ministro, Boris Johnson, exortando a UEFA e as autoridades francesas a trabalharem em estreita colaboração numa investigação. O gabinete de Downing Street, residência oficial do primeiro-ministro britânico, adiantou que foram muitos os adeptos que viajaram para Paris, de modo a apoiarem o Liverpool, e que o sentimento é de deceção na forma como foram tratados.
Já no domingo, a Ministra da Cultura britânica, Nadine Dorries, tinha pedido à UEFA uma investigação formal às cenas violentas no sábado, em Paris, que atrasaram o início da final da Liga dos Campeões, entre o Liverpool e o Real Madrid.
"As imagens e relatos dos fãs de Liverpool e dos media na sua entrada no Stade de France ontem [sábado] à noite são profundamente perturbadoras", disse Dorries, através de uma declaração.
A titular das pastas Digital, Cultura, Media e Desporto do país disse que "milhares de portadores de bilhetes viajaram para Paris em tempo útil para apoiar a sua equipa no maior jogo da época".
"Exorto a UEFA a abrir uma investigação formal sobre o que correu mal e porquê, em coordenação com o pessoal do estádio, a polícia francesa, a Associação Francesa de Futebol, a polícia de Merseyside e o Liverpool Football Club. É do interesse de todos compreender o que aconteceu e retirar lições com estes acontecimentos", acrescentou.
A final da ‘Champions’, disputada em Saint-Denis, na periferia norte de Paris no sábado passado, e ganha no sábado pelo Real Madrid contra o Liverpool (1-0), foi marcada por um cenário de caos em volta do estádio, mas sem feridos graves a lamentar. Antes do jogo, havia grupos de jovens e de adeptos de futebol locais não identificados nas imediações do estádio, dezenas dos quais tentaram entrar à força no recinto, escalando barreiras para o conseguir.
A polícia interveio, dispersando a multidão com gás lacrimogéneo. 68 pessoas foram detidas.
Num comunicado, a UEFA manifestou solidariedade com os fãs afetados pelos incidentes e prometeu “rever de forma urgente estas questões junto da polícia e das autoridades francesas e com a Federação Francesa de Futebol".
Também o Liverpool solicitou formalmente a abertura de uma investigação sobre as causas de incidentes que classificou como "inaceitáveis" e que permitiram que alguns adeptos entrassem no estádio sem passar pelos controles de segurança.
O Real Madrid sagrou-se campeão europeu de futebol pela 14.ª vez, ao bater o Liverpool por 1-0 na final da edição 2021/22 da Liga dos Campeões. O brasileiro Vinícius Júnior marcou, aos 59 minutos, o golo dos ‘merengues’, que repetiram os triunfos de 1956, 1957, 1958, 1959, 1960, 1966, 1998, 2000, 2002, 2014, 2016, 2017 e 2018.
No ‘ranking’ dos vencedores, o Real Madrid, que só perdeu três finais (1962, 1964 e 1981) e venceu as últimas oito, passou a somar o dobro das do AC Milan, segundo do ‘ranking’, com sete, mais uma do que Liverpool e Bayern Munique.
*Com Lusa
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