Com apenas duas jornadas disputadas, a liga norte-americana de futebol (MLS - Major League Soccer) está suspensa desde 12 de março devido ao rápido avanço da COVID-19 nos EUA, o país mais afetado pela pandemia. Os números continuam a subir diariamente de forma avassaladora - os últimos dados apontam para 1,07 milhões de casos confirmados e 61 570 mortos - e ainda não há previsão para o regresso das competições desportivas.

É neste clima de incerteza que encontramos Pedro Santos, o mais veterano português na MLS. O extremo de 31 anos partiu em busca do sonho americano em 2017, depois de quatro épocas ao serviço do SC Braga, e tem vindo a ganhar destaque no Columbus Crew, emblema que milita no estado do Ohio. Em conversa com o SAPO Desporto, o jogador conta como se tem mantido ativo em pleno confinamento, enquanto anseia pelo regresso aos relvados.

"Sinto-me preocupado, claro.Tínhamos acabado de fazer a pré-época, ainda fizemos dois jogos e agora é quase como voltar ao zero. Estamos parados há um mês e meio e continuamos sem saber o que vai acontecer, é tudo muito incerto", começa por dizer Pedro Santos.

Apesar dos números alarmantes nos EUA, nomeadamente na zona este, a situação parece estar controlada no estado onde o jogador português vive.

"Da última vez que olhei para os números havia cerca de 900 casos. Mas a cidade tem uma população de cerca de um milhão de pessoas. Portanto, não é uma percentagem muito preocupante neste momento. Claro que os casos vão aumentando com o passar do tempo, mas não tem nada a ver com o que se está a passar, por exemplo, em Nova Iorque", diz o experiente futebolista, que procura adaptar-se às restrições decretadas pelo governador Mike DeWine.

"É muito semelhante ao que tem acontecido em Portugal: escolas, cinemas, centros comerciais encerrados, os restaurantes só funcionam com entregas e 'take-away'... Nos supermercados já se vê muitas pessoas de máscara e luvas e quem trabalha nas caixas tem uma proteção em acrílico. Nota-se que as pessoas estão preocupadas e há um grande cuidado para não haver qualquer tipo de contacto, mas felizmente o nosso Estado é dos que tem menos casos", descreveu.

Sabendo que pode sair para treinar, Pedro Santos procura acatar ao máximo as recomendações do Columbus Crew mantendo-se "em casa o máximo de tempo possível". "Temos também uma aplicação do clube que tem planos de treino diários e todos os dias temos exercícios novos", explica o atleta, de 31 anos, que vai dividindo o tempo entre os treinos, a PlayStation e as brincadeiras com os dois filhos.

"Tenho tentado ajudar o mais velho com algumas coisas da escola, também para ele não se esquecer", diz. Ainda assim, as saudades dos relvados já apertam: "Custa sempre não poder treinar e jogar, ou até mesmo conviver com os colegas no balneário, tudo isso traz muitas saudades do futebol. É importante não desanimar e esperar tudo isto passe rapidamente."

Ao contrário de outros desportos norte-americanos, a MLS ainda não registou infetados e está a estudar vários cenários para garantir a conclusão da prova. A fase regular, recorde-se, arrancou a 29 de fevereiro e a final do 'play-off' está prevista para 7 de novembro.

"Para já os treinos estão suspensos até dia 15 de maio e também sabemos que até 8 de junho não há campeonato. Mas nada disto é concreto. Fala-se também na possibilidade de a liga ser cancelada, uma vez que vai ser difícil fazer 32 jogos até ao final do ano. Outra hipótese é fazer um torneio de duas semanas numa zona mais segura, tal como se falou em Portugal. Fala-se em vários cenários, mas nada mais. Não sabemos o que vai acontecer", garante o camisola sete do Columbus Crew.

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"Baixar os salários também é uma possibilidade, caso as coisas se mantenham como estão. Temos estado em contacto com o sindicato dos jogadores aqui, mas ainda não nos chegou nenhuma proposta da Liga. Compreendo esse cenário, estamos a ser pagos para jogar e para conquistar títulos e quando isso não acontece, é normal que se tomem outras medidas. Mas, como disse há pouco, ainda não sabemos o que vai acontecer, portanto vamos ter de esperar", adianta o extremo.

Em busca do sonho americano na terra do 'soccer'

Foi em agosto de 2017 que Pedro Santos deixou o SC Braga para rumar aos Estados Unidos, sem saber bem o que iria encontrar. Na altura, o Columbus Crew não revelou os termos do negócio, mas assumiu que a contratação do português era a mais cara da sua história. A cumprir a quarta temporada na MLS, o jogador diz-se perfeitamente adaptado à realidade americana e nada arrependido de uma decisão que tomou "no escuro".

"Foi tudo muito rápido. Um dia recebi a proposta e no final desse mesmo dia já tive de responder se aceitava ou não. Passado dois dias estava nos Estados Unidos. Sinceramente não sabia o que me esperava, não tinha um grande conhecimento do campeonato nem do clube, mas olhando para trás, não me arrependo. Sinto-me bem aqui", assegurou o futebolista, que, ainda assim, admite ter sido difícil deixar o SC Braga, onde conquistou uma Taça de Portugal, em 2015/16.

"Talvez tenha sido a decisão mais difícil que tive na minha vida desportiva. É um clube que me deixa saudades e pelo qual sinto um enorme carinho", diz o extremo, que soma ainda passagens pelo Rio Ave, Vitória de Setúbal, Leixões,  Casa Pia e Astra Giurgiu, da Roménia.

Num novo continente, e sem qualquer domínio do inglês, Pedro Santos foi trilhando o seu caminho na terra do 'soccer' e o balanço é "bastante positivo". "As pessoas receberam-me bem, o que também ajudou à minha adaptação. É um campeonato que gosto de jogar, o futebol é mais aberto aqui, há mais espaço e para um jogador que gosta de ter bola, como eu, acaba por ser muito bom. A nível individual as coisas têm-me corrido bem, só é pena ainda não termos conquistado nada a nível coletivo", conta.

Reportagem SAPO Desporto
Durante um jogo em casa contra o New York City FC Créditos: AFP créditos: DR

Pedro Santos vem de uma época em que fez 35 jogos e marcou 11 golos, a sua melhor desde que chegou aos Estados Unidos. Esta temporada, o português foi titular na receção vitoriosa ao New York City (1-0) e no empate obtido no terreno do campeão Seattle Sounders (1-1), resultados que colocaram o clube sediado em Columbus, capital do estado do Ohio, nos lugares cimeiros da Conferência Este. A equipa tinha partido para esta época com claras ambições de repetir o título inédito conquistado em 2008.

"A expectativa estava alta. A equipa reforçou-se bem e estávamos bastante motivados para conseguir esse objetivo, mesmo sabendo que não é fácil, uma vez que este campeonato é muito competitivo. Mas sim, queremos fazer uma boa primeira fase, ficarmos bem classificados para depois ter alguma vantagem quando o play-off começar", afiançou o jogador, que nesta temporada terá a concorrência de outros quatro portugueses: no Orlando City estão Nani e João Moutinho e no Sporting Kansas City estão Luís Martins e o luso-guineense Gerso Fernandes, com quem vai trocando impressões ocasionalmente. Nota ainda para o luso-canadiano Marc Santos, treinador dos Vancouver Whitecaps.

Mas, afinal, o que distingue a MLS das outras ligas de futebol? "Talvez a organização. Todas as equipas aqui têm excelentes condições, os estádios e os centros de treinos são bons, a Liga não deixa faltar com nada aos jogadores, é tudo muito rigoroso. Qualquer jogador que venha para cá certamente vai gostar de como tudo funciona", explica o mais veterano dos portugueses que atuam na competição.

"Defrontar o Pirlo foi especial, foi extremamente simpático comigo. O Ibrahimovic é aquela personagem que toda a gente conhece, com aquele ar mais arrogante..."

Outro fator de interesse é "o equilíbrio" do campeonato, onde não há vencedores antecipados. Em 24 edições houve 14 campeões diferentes, tendo o Columbus Crew festejado em 2008, quando bateu na final o New York Red Bulls (3-1), num palmarés dominado pelos californianos Los Angeles Galaxy, que somaram cinco troféus, mas não vencem desde 2014. "Qualquer equipa que esteja nos ‘play-offs’ tem possibilidade de se sagrar campeã. Isso torna tudo muito mais exigente e o mínimo erro pode deitar tudo a perder", diz o extremo.

Competitividade não falta, sobretudo num país como os EUA, mas a rivalidade entre equipas ainda está longe daquela a que se assiste regularmente no futebol português: "Acho que aqui existe mais companheirismo entre os clubes. As pessoas vão ao estádio para apreciar o espectáculo, não vão com aquele sentimento de ódio. É outra mentalidade."

De resto, Pedro Santos recusa encarar a liga norte-americana como um mero destino de estrelas europeias em final de carreira. "As equipas são jovens e têm cada vez com mais qualidade. Claro que depois também vêm esses grandes nomes do futebol, mas mais como uma estratégia de marketing da própria liga. Antes do campeonato ser interrompido, toda a gente falava da equipa do Beckham [n.d.r.], por exemplo, que começou agora. Ter nomes como o dele na MLS ajudam a atrair público e a promover o campeonato lá fora", explica.

Reportagem SAPO Desporto
Pedro Santos e os colegas do Columbus Crew agradecem o apoio dos adeptos Créditos: Pedro Santos/Instagram créditos: DR

A verdade é que a Major League Soccer tem vindo a crescer em adeptos nos estádios. E o Columbus Crew é um excelente exemplo de identificação das pessoas com os clubes. A pressão dos adeptos, sob o lema ‘Save the Crew’, acentuada pela construção de um novo estádio, com inauguração prevista para 2021, impediu que o clube fosse levado para fora da cidade - chegou mesmo a ser equacionada a realocação da franquia em Austin, capital do Texas, no sul dos Estados Unidos.

"Depois desse assunto ficar encerrado, os adeptos voltaram a aproximar-se da equipa. O nosso estádio não costuma estar cheio, tem sempre 10 mil adeptos em média, e em jogos grandes chega aos 20 mil. Nota-se que os norte-americanos já olham para o futebol de outra maneira", defende o português, que de vez em quando é reconhecido pelos habitantes da cidade de Columbus: "As pessoas daqui não são muito de pedir autógrafos ou fotografias, mas às vezes passam por mim e dizem 'Go Crew'."

A simpatia de Pirlo, um Ibrahimovic igual a si próprio e a vida em Columbus

Andrea Pirlo, David Beckham, Frank Lampard, Kaká, Wayne Rooney e Zlatan Ibrahimovic são algumas das estrelas do futebol europeu que passaram pela Major League Soccer. Defrontar um destes nomes foi especialmente marcante para Pedro Santos.

"Sempre admirei o Pirlo e consegui tirar uma foto com ele no final do último jogo que ele fez. Estava a ir para o posto médico, ele vinha a passar e um membro do nosso staff pediu para tirar uma foto com ele, e depois eu aproveitei a oportunidade para fazer o mesmo. Foi extremamente simpático. Também joguei duas vezes contra o Ibrahimovic, mas esse é aquela personagem que toda a gente conhece, tem aquele ar mais arrogante", conta.

Apesar de ser a cidade mais populosa do Ohio, com quase 900 mil habitantes, Columbus destaca-se, na opinião de Pedro Santos, pelo seu ambiente pacato. "É uma cidade onde não se passa nada, mas é ótima para quem tem família, sinto-me muito seguro aqui. O clima não difere muito de Portugal, embora faça mais frio", assume. O que mais lhe traz saudades de Portugal, para além da família e amigos, é a comida.

"É estranho, mas eles aqui não são muito de comer arroz e massa, é difícil encontrar tanto um como outro num restaurante, a não ser que vá a um italiano. Mas como costumo comer mais em casa, sempre dá para matar algumas saudades da comida portuguesa", diz o futebolista.

De realçar que esta não é a primeira aventura de Pedro Santos fora de Portugal, uma vez que o médio teve uma curta passagem pelos romenos do Astra Giurgiu em 2013/14, por empréstimo do SC Braga. A experiência durou quatro meses, com o extremo a voltar a meio da época, mas desta vez cedido ao Rio Ave. Agora, a situação é diferente. O Columbus Crew acionou no início da época uma cláusula que lhe permitia renovar por mais um ano e há ainda outro em perspetiva. Por isso mesmo, o regresso a casa ainda não está nos planos.

"Não sei o que o futuro me reserva. Certamente irei regressar a Portugal, mas não sei se será como jogador ou já retirado. Terminar a carreira aqui também é uma hipótese. Para já sinto-me bem aqui, não tenho a necessidade de voltar", assegura o futebolista, que já colocou de parte o sonho da Seleção, assim como a possibilidade de representar um 'grande': "Não estou a pensar nisso, até por causa da minha idade. Um objetivo para o futuro? Gostava de tirar o curso de treinador. Não sei se tenho o perfil ideal, mas é algo que me agrada."

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