O velho truque de saltar o muro em campo alheio para evitar os feitiços dos vovôs voltou ao Moçambola, o campeonato moçambicano de futebol, e até os que não acreditam em certas coisas admitem que elas existem.
A história conta-se em menos tempo do que o que leva uma equipa de futebol a saltar um muro para evitar os feitiços postos nos portões da entrada do estádio.
O Chibuto, uma modesta equipa do sul do país, é treinada por Abdul Omar, um homem com fama de dar mais crédito às coisas do oculto do que às «questões técnicas e táticas"», como acusou o presidente do Vilanculos, antes de, na última época, o despedir.
Não foi para menos: uma das façanhas de Omar foi ter tirado a equipa de estágio para um banho coletivo de mar, para a lavar "de certas coisas".
Outra, da qual se queixam os adeptos do Sporting da Beira, que o quiseram agredir, foi ter arranjado um "trabalho" para seis derrotas consecutivas desta equipa, após ter sido despedido.
Este passado ressurgiu esta época quando o Chibuto se mantinha imbatível em casa, uma invencibilidade que acabou quando foi visitado pelo Costa do Sol, um "grande" de Maputo, treinado pelo português Diamantino Miranda.
«Curiosamente, os ‘canarinhos' [Costa do Sol] saltaram o muro de vedação e, como resultado final, venceram o jogo por duas bolas a uma», relata o semanário Zambeze, na sua edição de hoje.
Da vez seguinte que jogou em casa, o Chibuto defrontou o Maxaquene, outro histórico de Maputo, cujos jogadores não só saltaram o muro como a vedação do relvado. Resultado, nova derrota, agora por 2-0.
A influência dos vovôs, como são chamados os bruxos do futebol, nos resultados dos jogos, tem como base um princípio inviolável enunciado pelo antigo internacional português Hilário da Conceição: «O gajo tem sempre razão».
Num depoimento ao investigador Nuno Domingos, autor do livro "Futebol e Colonialismo", o moçambicano e antigo jogador do Sporting recorda que, quando treinou o Ferroviário, já após a independência, em 1975, era um descrente nos vovôs, mas que, no final, ficava convencido.
«Ele dizia, por exemplo, ‘não se pode entrar naquela porta' e eu passava: ‘Eu não disse que não podia passar? O treinador passou, lixou tudo'», recordou Hilário.
Antes dele, já um outro descrente, o grande poeta moçambicano José Craveirinha, tentava perceber a ação dos vovôs nos reflexos dos jogadores, numa altura em que o futebol moçambicano era dominado pelos "doutores da macumba", como Ambrósio, Neru e Pombal.
Uns liam os resultados nos pássaros que sobrevoavam o campo, outros faziam os relógios pararem, punham "trabalhos" nas bolas, deitavam fumaças e obrigavam os jogadores a mastigarem raízes, proibiam relações sexuais e impunham percursos mirambolantes. Em troca do sucesso, às vezes, pediam garrafões de aguardente.
"A gente acredita. Até hoje a gente acredita, porque não acreditar?", pergunta outro conhecido jogador moçambicano, Ângelo, citado na mesma obra.
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