O futuro de Luis Rubiales à frente da Federação Espanhola de Futebol é cada vez mais uma incógnita, depois de vários pedidos da sociedade espanhola para que o dirigente apresente a demissão, na sequência do "gesto inaceitável" na final do Mundial de futebol feminino.
A Federação Espanhola de Futebol (RFEF) convocou na noite de terça-feira, com urgência, uma Assembleia Geral (AG) extraordinária, a realizar na sexta-feira, no seguimento da polémica após a conquista do Mundial2023 de futebol feminino.
Em causa está um beijo na boca de Luis Rubiales, presidente da RFEF, à jogadora Jenni Hermoso durante os festejos da conquista inédita por Espanha de um Campeonato do Mundo feminino de futebol, situação que a jogadora desvalorizou, mas que continua a ser muito criticada.
Apesar das críticas, o dirigente tem do seu lado as associações regionais do futebol espanhol, que ontem se reuniram de urgência e manifestaram todo o seu apoio a Luis Rubiales.
O caso fez correr muita tinta e piorou com a intervenção de alguns membros do governo espanhol. O próprio chefe do governo, Pedro Sánchez, comentou o caso, explicando que foram "insuficientes" as justificações apresentadas por Rubiales.
"O que vimos foi um gesto inaceitável. As desculpas que o senhor Rubiales apresentou são insuficientes. Penso até que são inapropriadas e, por isso, tem ir mais longe", disse Sánchez em conferência de imprensa após uma reunião com o rei Felipe VI, sem mencionar uma possível renúncia.
Num vídeo publicado nas redes sociais, Luis Rubiales lamentou o sucedido e garantiu que foi um “ato sem má intenção e sem má-fé”.
Esta manhã foram as Juízas de Espanha a colocarem mais pressão, ao exigirem a demissão imediata de Rubiales. A Associação de Mulheres Juízas de Espanha (AMJE) pediu à Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) que aplique o protocolo de prevenção, deteção e ação contra assédio e abuso sexual e demita "imediatamente" o presidente, Luis Rubiales.
A associação argumenta que este protocolo contempla expressamente a rejeição de comportamentos como o de Rubiales, que beijou a jogadora Jenni Hermoso na boca durante a entrega de medalhas em Sydney, Austrália, após a conquista do Campeonato do Mundo de Futebol Feminino.
"O ato praticado por Luis Rubiales é claramente um comportamento sexista sobre o corpo de uma mulher, realizado sem o seu consentimento e num contexto de relações de poder desiguais que afetam a capacidade de reação das mulheres", defendeu a associação em comunicado. Para as juristas, justificar este tipo de comportamento é branquear uma situação claramente sexista que viola o princípio da igualdade.
Rubiales, habituado a superar polémicas, parece enfrentar uma das crises mais sérias desde que chegou ao cargo de presidente da RFEF, em 2018, num país que fez da luta contra as agressões sexuais uma bandeira.
O beijo a capitã espanhola, Jenni Hermoso, na cerimónia de entrega das medalhas, parece ter sido o 'beijo da morte' para Rubiales. O gesto apanhou toda a gente de surpresa, as imagens já correram mundo e deverão levar a queda do dirigente.
"Foi uma celebração espontânea"
"Nem estava à espera", declarou Jenni Hermoso à rádio Cope após a partida, acrescentando que "foi a euforia do momento".
A jogadora já tinha aparecido num vídeo que mostra a comemoração da equipa nos balneários. "Não gostei", advertiu Hermoso, no que parece ser a sua resposta às piadas das companheiras.
"Foi uma celebração espontânea que saiu assim, os dois são muito amigos", disseram à AFP fontes da RFEF.
O gesto do dirigente manchou a conquista do primeiro Mundial senior de Futebol da seleção feminina de Espanha, após a vitória sobre a Inglaterra por 1-0 na final.
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A ação de Rubiales foi criticada em diversos meios de comunicação, que também apontaram os seus gestos na tribuna VIP do Stadium Australia após a conquista do título.
Nas mesmas imagens, Rubiales é visto aos saltos a comemorar, levantando os braços e tocando depois nos genitais, a poucos metros da rainha Letizia.
Na manhã de segunda-feira (21), o ministro da Cultura e dos Desportos de Espanha, Miquel Iceta, qualificou o beijo como "inaceitável" e exigiu que Rubiales "desse explicações e pedisse desculpas".
Pedido de Desculpas
Naquela mesma tarde de segunda-feira o presidente da RFEF desculpou-se pelas suas atitudes no pódio, num vídeo gravado numa escala durante a sua viagem de regresso à Espanha.
"Tenho de lamentar o que se passou entre uma jogadora e eu. Temos uma relação magnífica, à semelhança do que acontece com as outras, mas equivoquei-me. Tenho de o reconhecer, depois de um momento de máxima euforia, sem qualquer intenção má, sem má-fé, aconteceu o que aconteceu, de maneira muito espontânea, sem má-fé de nenhuma das partes", justificou.
Rubiales alegou no vídeo que foi "um momento de máxima euforia". "Se há pessoas que se sentiram atingidas, tenho que me desculpar", terminou.
Todos querem a saída de Rubiales
Na segunda-feira, a ministra do Trabalho e número três do governo Sánchez, Yolanda Díaz, foi a primeira a afirmar que essas desculpas "não servem de nada" e que Rubiales "deve renunciar".
A Associação de Jogadores Espanhóis (AFE), que reúne jogadores e jogadoras, pediu, em comunicado na terça que "as autoridades competentes adotem as medidas necessárias e contundentes" diante da "gravidade" do ocorrido.
A AFE recordou que "o Protocolo de atuação do Conselho Superior de Desportos contra a violência sexual inclui 'beijar à força' (...) como 'conduta inaceitável' que levará a consequências imediatas'".
Questionado diretamente na terça-feira se o governo poderia realizar alguma ação para forçar a renúncia do presidente da RFEF, Pedro Sánchez recordou que "a Federação Espanhola de Futebol, como qualquer outra federação, não pertence à estrutura nem ao organograma do Governo de Espanha".
"O presidente da Federação é eleito e destituído pelos seus associados", mas "parece-nos insuficiente [as desculpas de Rubiales] e é preciso dar mais passos para esclarecer um comportamento claramente inaceitável", acrescentou Sánchez.
Rubiales admitiu ter de “aprender” com o que se passou, mas sem nunca abordar a questão do consentimento, focando-se no seu papel institucional e na imagem enquanto presidente da Federação.
No domingo, o dirigente tinha considerado uma idiotice estarem a censurar o beijo, mas hoje disse compreender que quem viu as coisas a partir de fora pode ter um outro entendimento e que por isso pede desculpa a essas pessoas.
Ainda de acordo com o dirigente, a situação deixou-o triste também por “manchar” um momento de grande felicidade, face ao maior sucesso da história da seleção feminina de futebol.
Veja as melhores imagens da final
No próprio dia da final, Jenni Hermoso começou por dizer, num direto que efetuou enquanto comemorava o título, sorridente com as companheiras de equipa, não ter gostado do gesto do presidente da RFEF, mas que não teve como reagir.
Depois a jogadora reagiu em comunicado, divulgado pela Real Federação, desvalorizando o que aconteceu.
"Foi um gesto mútuo totalmente espontâneo devido à imensa alegria de ganhar um Mundial. O presidente e eu temos uma ótima relação, o comportamento com todas é excelente e foi um gesto natural de afeto e gratidão. Ganhámos um Mundial e não nos vamos desviar do que é importante", disse a futebolista dos mexicanos do Pachuca.
Rubiales nas mãos do TAD
Luis Rubiales não sairá pelo próprio pé por entender que tem condições para continuar. O jornal Marca avança esta quarta-feira que o Governo espanhol está a analisar o caso, através do Conselho Superior dos Desportos, que depois remeterá as conclusões para o Tribunal Administrativo de Desporto. O TAD é o organismo que decide se um membro federativo tem ou não condições para exercer o cargo. A inibição de exercer cargos administrativos pode ir de dois a 15 anos.
O mesmo jornal explica que chegaram três denúncias ao Conselho Superior dos Desportos (CSD) contra Rubiales, dados mais que suficientes para o caso ser remetido ao TAD. O Comissão Diretiva do CDS tem poderes para suspender, de forma provisória, o presidente da Federação Espanhola de Futebol, algo que já aconteceu no passado com Ángel María Villar devido a uma publicação nas redes sociais.
A nova Lei do Desporto espanhol contempla sanções contra dirigentes pelos seus comportamentos e atos notórios e públicos.
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