Na véspera do jogo entre o Irão e a Espanha para a fase de grupos do Mundial da Rússia, Carlos Queiroz falou ao “El País” sobre o seu percurso como treinador, a evolução do futebol e Cristiano Ronaldo.
Começou como treinador muito cedo, em 1980/1981 com as categorias jovens do Belenenses, e a partir daí nunca mais parou. Em 1982 acabou o Mestrado em Futebol e admite que, na altura, foi um feito inédito.
“Havia mestrados em biomecânica e fisiologia, as disciplinas científicas que apoiam o treino, mas não em treino de futebol. Batalhei até à última gota do meu sangue para fazer um mestrado em metodologia do treino de futebol. Não foi sistematizado. Não havia licenciatura no futebol. Eu fui o primeiro e com isso abri muitas coisas na minha vida no campo intelectual como treinador”, revelou Queiroz.
Ronaldo ou Messi?
O selecionador do Irão falou ainda de Luís Figo, João Pinto e Rui Costa, grandes personalidades do futebol português que conheceu quando eram ainda muito novos, com apenas 12 ou 13 anos. Mas deixou a maior referência para Cristiano Ronaldo.
O antigo técnico de Portugal elogiou o internacional português, mas antes explicou as diferenças entre o jogador do Real Madrid e Lionel Messi: “Cristiano difere um pouco de Messi porque é um solista que diz: 'OK, sou solista, mas se falta à orquestra um pianista, um violinista ou um violoncelista, não tenho problema se tiver que tocar piano ou violino ou a viola, eu faço isso. Messi é um pouco diferente: ele também pode ser o melhor solista, mas faz de professor, e faz com os colegas o melhor possível. São duas maneiras diferentes de jogar, temos dois jogadores que nos atraem a um quinto elemento no jogo, que é exclusivo dos génios: o elemento final de coesão e domínio coletivo. Com duas atitudes básicas diferentes. Se o Cristiano sente que alguém não toca bem piano, ele diz: 'Eu toco'. E Messi é o melhor a tocar todos os instrumentos. Isso fá-los sentir como se fossem uma parte constante do jogo.”
Passada a comparação, Carlos Queiroz passou diretamente aos elogios. Falou da evolução de Cristiano Ronaldo e recordou os momentos que passou com o jogador português no Manchester United. "Há uma palavra simples a introduzir nesta reflexão: maturidade. O treinador pode fazer tudo com o jogador, trabalho técnico, mental e físico. Não podemos comprar caráter e experiência. O jogador que joga um Mundial ou um Europeu com 31 anos não é o mesmo que jogou comigo o Mundial de 2010, fez uma evolução natural. Um dia chamei-o ao meu gabinete no Manchester United disse-lhe algo que só disse a dois jogadores em toda a minha vida: 'Já trabalhamos juntos há algum tempo, conheço-te desde os tempos do Sporting e vamos chegar a um acordo: tu nasceste para ser o melhor jogador do Mundo. Se estás disposto a trabalhar e a caminhar para ser o melhor jogador do Mundo, eu estou disposto a trabalhar contigo. Mas há um preço a pagar para teres êxito. Se quiseres, vai para casa, pensa e amanhã falamos. Já és um grande jogador de futebol, mas ser o melhor é outra coisa'."
A esta altura do campeonato, já sabemos que Ronaldo assentiu. "Foi interessante porque uma das coisas que começámos a trabalhar foi a chegada à área. Eu dizia-lhe: 'Cristiano, tu tens faro pelo golo, mas não podes marcar apenas de fora da área. É dentro da área que podes fazer a diferença e ter maior impacto. É dentro da área que podes mostrar por que podes ser o melhor do Mundo'. Pouco a pouco, como extremo... Os jogadores com estas características, como Cristiano ou Figo, querem ter a bola no pé, não querem entregá-la”, explicou Queiroz.
A seleção do Irão
Como selecionador do Irão, Carlos Queiroz não poderia deixar de falar dos jogadores que comanda. Abordou o carácter dos iranianos e fez algumas confissões. "Por justiça e moralidade, tenho de fazer uma afirmação sobre os jogadores iranianos: nunca vi na minha vida jogadores que ofereçam tanto ao futebol e à sua seleção a troco de tão pouco. Em nenhum lugar do Mundo há jogadores que se entregam com tanta vontade e motivação, para no final nem receberem um 'obrigado'. Isso diz muito do carácter dos jogadores. Estou há sete anos com eles e é um prazer e uma honra. São pessoas muito educadas, simpáticas, dedicadas e quem têm ambição de aprender, de evoluírem, de jogar futebol... Se os mandas treinar duas vezes por dia, durante sete horas, eles fazem-no sempre de sorriso nos lábios e a trabalhar são fantásticos. Essa foi a nota mais positiva", revelou o selecionador.
No entanto, revela ainda que a chegada ao Irão não foi fácil. "Mas quando cheguei tinha um ponto muito débil, que era uma tendência que trazem de fora. Não sei se é cultura ou social. Muitas vezes procuram a desculpa e a vitimização da situação. Dou um exemplo. Quando comecei a trabalhar aqui, analisei os jogadores nos jogos anteriores e vi os 'quartos' da Taça da Ásia, contra a Coreia. No final do jogo, vi todos os jogadores no relvado sentados. Muitos deles a chorar. Isso chocou-me. Vê-los ali assim... Quando nos reunimos pela primeira vez, mostrei-lhes as imagens e disse-lhes 'comigo aqui o vosso trabalho não é chorar pelo Irão; o teu trabalho é fazer com que os outros chorem pelos seus países. A partir de hoje não quero ninguém a chorar”, contou Carlos Queiroz.
O selecionador português conseguiu que o Irão chegasse à segunda vitória em Campeonatos do Mundo no jogo com Marrocos. Assim, a equipa de Carlos Queiroz segue na frente do Grupo B com três pontos, seguida de Espanha e Portugal com um ponto cada e Marrocos sem pontos. O próximo jogo da seleção iraniana é dia 20 com a Espanha.
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