Este domingo, o Estádio do Dragão acordou mais cedo que do que seria de esperar. O dérbi da Invicta estava marcado para as 20h30, mas as objetivas das televisões apontaram às imediações do recinto bem antes da chegada do primeiro adepto para assistir ao duelo portuense. E tudo porque há suspeitas de irregularidades e conluio entre o FC Porto e a claque dos Super Dragões, em assuntos relacionados com a venda de bilhetes - um aspeto tantas vezes criticado em campanha por André Villas-Boas, agora presidente. A operação 'Bilhete Dourado', conforme já foi denominada, deixou o Dragão em alvoroço e afastou das bancadas, pela primeira vez, os Super Dragões. A claque ficou à porta durante toda a partida, cantando do início ao fim, mas fora do estádio.
Não viram por isso um dos grandes momentos da partida, ainda antes do apito inicial, quando Villas-Boas se aproximou do seu novo aposento, onde durante tantos anos se sentou Pinto da Costa, neste jogo duas cadeiras ao lado, apenas separados por Pedro Proença, presidente da I Liga. Apesar do campeonato falhado, a estreia de Villas-Boas enquanto presidente apimentava um jogo sempre apetecível, mas rapidamente se percebeu que a ausência da claque não se traduzia exclusivamente na ausência de apoio, no seu sentido mais literal. Era, de facto, muito mais do que isso. Pelo peso histórico, e sem esquecer que há mais outra operação a decorrer em paralelo, estará o fim do reinado de Pinto da Costa intrinsecamente ligado ao fim dos Super Dragões e do seu líder, tal como os conhecemos?
O silêncio só não se abateu no Dragão porque os adeptos boavisteiros, que encheram o espaço que lhes estava destinado, fizeram-se ouvir, aproveitando-se da ausência da maior claque portista, instalada sempre no topo sul do Dragão.
E foi sob esta peculiar nuvem carregada de simbolismo, das presenças às ausências, que o FC Porto entrou em campo de olhos no terceiro lugar. Mandão, a querer a bola só para si, o FC Porto só não conseguiu marcar mais cedo. Para isso contribuiu também a audácia defensiva do Boavista, impecavelmente organizada, sobretudo defensivamente, mostrando-se muito capaz de travar o ímpeto do Dragão e, em simultâneo, evidenciar alguns episódios de acutilância ofensiva, mas sem nunca assustar verdadeiramente Diogo Costa.
Ao FC Porto, sob pena de deixar o SC Braga empoleirado no 3.º lugar, interessava única e exclusivamente a vitória. Ao Boavista, mais calculoso e com maior jogo de cintura, um empate bastaria para atingir o principal objetivo da época: a manutenção.
Na primeira parte, apesar da maior cadência atacante dos dragões, o golo não apareceu. Pepê, já depois de uma oportunidade desperdiçada por Nico González e da resposta imediata de Salvador Agra, fez estremecer a baliza de João Gonçalves. com uma bola na barra. Foram os lances de maior registo de uma primeira parte parca em oportunidades, em que os dragões mostraram muita dificuldade em traduzir em golos a clara supremacia em campo, pressionadores, a concederem pouco espaço às panteras, que ainda assim iam escapando em contra-ataque sempre que lhes era possível.
O segundo tempo trouxe mais do mesmo, mas seriam os boavisteiros a sorrir primeiro. Num lance de enorme sentido de oportunidade, Bruno Lourenço puxou do seu pé esquerdo para gelar o Dragão, num lance que deixou Diogo Costa sem hipóteses de defesa. Só que o gelo imposto pelo golo não petrificou o Dragão, que se galvanizou com a expulsão quase imediata de Pedro Malheiro. Estava a ser um dos melhores em campo, mas uma entrada totalmente irresponsável serviu de acendalha para um vulcão portista em ebulição.
Numa sequência estonteante de ataques, Zé Pedro foi lá à frente lembrar Taremi como se faz. O iraniano demorou a recordar-se, mas a memória chegou a tempo de fazer explodir de alegria os adeptos do FC Porto, que viam o destino retribuir alguma justeza à superioridade azul e branca, mas também ao esforço do avançado iraniano, afastado dos golos e do público na última reta de dragão ao peito. Do lance decisivo, e do cabeceamento 'in extremis' do camisola 9 portista, é impossível dissociar quem lhe fez chegar a bola, perfeita, milimetricamente deixada à boca da baliza, por um poço de esperança e determinação chamado Francisco Conceição.
O momento: É óbvio, não é?
Quando os adeptos da casa já contavam os segundos que faltavam para o apito final de Artur Soares Dias, Francisco Conceição descobriu a salvação azul e branca, tirando da cartola um cruzamento-golo, confirmado quase em cima da linha por Mehdi Taremi. O avançado iraniano saltou do banco já na segunda parte para marcar o golo decisivo, mas antes, reconheça-se e elogie-se, mostrou-se incansável, de trás para a frente, como sempre habituou os adeptos, insaciável na procura pela bola, que tantas vezes ajudou a recuperar num tremendo espírito defensivo. O golo espoletou uma reação mágica que salvou duplamente o FC Porto. Primeiro, pela defesa do terceiro lugar, agarrado a ferros e que permite aos dragões chegarem a Braga na ronda decisiva a precisar apenas de um empate. Em segundo, o aflito triunfo permitiu a Villas-Boas entrar a vencer enquanto presidente, num jogo de enorme sofrimento, mas de felicidade justamente proporcional.
O melhor: Francisco Taremi
Não, não foi engano. É uma espécie de atribuição dupla para a junção dos dois melhores em campo. Conceição mantém-se como o abre-latas mais eficaz da equipa azul e branca, Taremi despede-se do Dragão com o estatuto que lhe é devido. De saída, e depois de um longo período afastado, o avançado iraniano restabeleceu a pulso a relação com o seu público, agradecido por mais um golo - in extremis - em jeito de redenção e salvação, para ele e para a equipa. Por fim, um reconhecimento justo à organização defensiva do Boavista, que esteve muito perto de conseguir no Dragão assegurar a tão desejosa manutenção. Numa prova de valentia, faltou apenas maturidade num único momento do jogo, mas que viria a ser crucial no desfecho da partida.
O pior (que estava a ser dos melhores): Pedro Malheiro
Que se esclareça já: O lateral estava a ser um dos melhores das panteras - como tem acontecido em tantos jogos esta época - mas um lance absolutamente infeliz responsabiliza inevitavelmente a jovem promessa (já associada ao Benfica) pela derrota no dérbi da Invicta. O plano de Jorge Simão corria de feição, o golo de Bruno Lourenço até terá sido um bónus no plano traçado, mas a entrada irresponsável do lateral sobre Taremi - que lhe valeu um segundo cartão amarelo justíssimo, deixou o Boavista numa posição de enorme fragilidade, obrigado a lutar quase trinta minutos em inferioridade numérica. Como seria se o jogo terminasse onze para onze? Não sabemos. Mas Pedro Malheiro sabe que a sua entrada desajustada e carente de racionalidade complicou e muito a missão da sua equipa, em vantagem até então.
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