As polémicas e a tensão do discurso no futebol português podem levar ao afastamento de adeptos e patrocinadores a médio e longo prazo, segundo especialistas de marketing desportivo contactados pela Lusa.
“Com toda a honestidade, acho que pode afetar. Parece-me que temos vivido uma situação preocupante. Quem paga o futebol em Portugal? De onde vem o dinheiro? Dos adeptos e dos patrocinadores. Como as coisas estão, com este ambiente e discurso demasiado negativo, corremos o risco de afastar uns e outros”, resumiu à Lusa Daniel Sá, diretor executivo do Instituto Português de Administração e Marketing (IPAM).
A diretora do mestrado em marketing da Católica Business School do Porto, Susana Costa e Silva, aconselhou os principais clubes, FC Porto, Benfica e Sporting, a “pensarem mais em equipa e nos efeitos colaterais (negativos) que o ‘calor’ dos acontecimentos provoca”.
Daniel Sá advertiu para os riscos de “instabilidade e sentimento de insegurança dos adeptos”, que, assim, “podem deixar de ir aos estádios, de assinar canais televisivos e merchandising”, apostando noutros modelos de entretenimento como cinema, música, cultura, viagens ou restaurantes, “os verdadeiros concorrentes do negócio futebol”.
“Mais grave ainda é o lado dos patrocinadores, que quando se associam ao futebol procuram duas coisas: visibilidade e associação a marcas e valores, fundindo-se com o próprio clube. Não gostam de estar envolvidos em polémicas, porque acham que isso pode afetar a perceção que os consumidores têm das suas marcas. Resumindo, acho que os patrocinadores estão seguramente muito preocupados nesta altura”, alertou.
O especialista em marketing desportivo admitiu mesmo que, “neste momento, as direções de marketing das principais empresas estão muito preocupadas com o assunto e a estudá-lo”, avisando para o facto de que a saída de um grande patrocinador “pode ter um efeito catadupa, com outros a segui-lo”.
“Muito provavelmente, o problema de alguns clubes é que não têm bem a consciência de que em termos práticos esses danos poderão vir a manifestar-se a médio e longo prazo. Se pesarmos que alguns já têm dificuldade em ter patrocinadores, se estas polémicas resvalam para um contexto internacional mais difícil vai ficar para as equipas portuguesas obterem apoios a empresas estrangeiras”, sublinhou Susana Costa e Silva.
A também docente na pós-graduação em Organização e Gestão no Futebol Profissional recordou o exemplo do Sporting de Braga, “que para as provas europeias acabou por ser ajudado pela autarquia com o ‘Visit Braga’, à falta de um patrocinador que quisesse contribuir de forma mais sustentável e a beneficiar do impacto da equipa nas competições nacionais e internacionais”.
“Às vezes menos é mais. Saber controlar os ânimos mais exaltados pode ser a melhor forma para manter uma imagem da qual se podem vir a retirar ganhos mais interessantes a médio e longo prazo”, recomendou.
Daniel Sá desafiou as pessoas do futebol a “iniciarem, de facto, uma reflexão profunda para alterar o cenário” que entende ser “insustentável no futuro”, ilustrando com os casos de doping no ciclismo, que levam, regularmente, a que empresas retirem o apoio a equipas e à modalidade.
“Honestamente, acho [que os clubes estão a ser incautos]. É um tiro no pé de todos os intervenientes. De alguma forma, estão todos a maltratar o produto que têm nas mãos. Era como se as pessoas no setor do vinho começassem a dizer que o do vizinho é falsificado, adulterado, o que só prejudicaria a imagem do vinho português. É um erro de todos, indiscutivelmente. Vamos ver como a situação evolui, mas seguramente que é preocupante”, concluiu.
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