O ex-vogal da direção do Sporting Alexandre Godinho reconheceu hoje que o ‘Football Leaks’ teve um contributo positivo para uma maior transparência no futebol, nomeadamente com a divulgação de contratos de fundos de investimento com clubes.
“Creio que sim”, afirmou Alexandre Godinho, em resposta à questão colocada pela defesa do criador da plataforma eletrónica, Rui Pinto, acrescentando: “Não havia práticas irregulares no grupo Sporting, mas já não posso dizer o mesmo de outros elementos que foram revelados, como estes da Doyen. Acabou por se concretizarem algumas preocupações que levaram à revelação destes documentos.”
A audição da testemunha na 14.ª sessão do julgamento em curso no Tribunal Central Criminal de Lisboa acabou por centrar-se muito no diferendo que existiu entre o clube de Alvalade e a Doyen e no envolvimento pessoal do advogado e antigo elemento da direção ‘leonina’ na apresentação da queixa pelo Sporting em 2015 e que viria a originar este processo, tendo na altura sido feita contra desconhecidos.
Segundo Alexandre Godinho, a avaliação aos contratos com a Doyen foi “extremamente negativa e prejudicial” para o clube, face ao “desequilíbrio gritante” e à “posição de dependência económica” em que deixava os ‘leões, considerando que o fundo de investimento exercia pressões económicas e desportivas.
Ato contínuo, os representantes legais da Doyen confrontaram Alexandre Godinho com a aparente contradição entre os fundamentos da ação inicialmente colocada - que alegava a devassa da vida privada - e o atual reconhecimento positivo da divulgação dos documentos que eram então desconhecidos do público, algo que o antigo dirigente do Sporting sublinhou tratar-se de uma evolução.
“Estávamos perante divulgações em ambiente concorrencial. As coisas evoluíram e, do ponto de vista do Sporting, nunca houve uma prática incorreta. Hoje, podemos ter uma outra apreciação com mais detalhe”, explicou, sem deixar de frisar que “não houve problema” para o clube e que a questão se prendia mais com “questões de concorrência” e com a possibilidade de os “rivais poderem ver o que se fazia” no Sporting.
Por outro lado, o ex-dirigente ‘leonino’, que passou pelo Sporting entre 2013 e 2018, defendeu que ainda há muito para fazer contra a opacidade no futebol, defendendo mesmo um ambiente de “concorrência desleal” a nível nacional.
“Há um caminho enorme ainda por fazer. O Sporting pugnou sempre por uma maior transparência, apresentou propostas que nunca foram aceites e viu rivais levarem a sua avante, por vezes com práticas ilícitas. Até o governo podia ter tido uma intervenção para haver uma autorregulação mais transparente no futebol e não o fez. É muito curto o que tem sido feito pelas entidades”, resumiu.
Numa manhã que contou ainda com o depoimento do atual técnico do Benfica e então técnico do Sporting, Jorge Jesus, e o técnico de marketing ‘leonino’ Tiago Vieira, o julgamento em curso no Campus da Justiça prosseguiu de tarde com as breves audições de Manuel Fernandes e Tiago Fernandes.
O antigo avançado do clube de Alvalade confessou em tribunal "nunca" ter dado "muita importância" ao 'Football Leaks', num depoimento marcado por algumas afirmações que provocaram risos na sala de audiências.
"O 'Football Leaks' tem a ver com o Rui Pinto, não é?", questionou Manuel Fernandes, com a procuradora do Ministério Público Marta Viegas a responder de pronto: "Nós achamos que sim".
O antigo futebolista dos 'leões' assumiu também que não quis apresentar queixa contra o criador da plataforma quando soube que o seu email teria alegadamente sido acedido.
Já Tiago Fernandes, que passou pelo comando de equipas do Sporting de diferentes escalões entre 2011 e 2018, revelou que "utilizava pouco a conta de email" do clube e que esta era essencialmente usada para receber informações sobre os jogadores que vinham treinar, além de ter admitido que nem sabia que Rui Pinto estava presente.
"É ele?", indagou Tiago Fernandes, apontando para o principal arguido do processo, que se começou a rir, cumprimentando-o: "Prazer."
O julgamento prossegue esta quarta-feira de tarde apenas com o depoimento do ex-diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Amadeu Guerra. A audição de José Luís Cristóvão, especialista de informática da Procuradoria-Geral da República, agendada para a manhã de quarta-feira, teve de ser adiada, devido ao facto de a testemunha estar a cumprir isolamento profilático da covid-19.
Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
*artigo atualizado às 16h48
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