Apesar da rivalidade dentro das quatro linhas, Bruno Lage e Marcel Keizer têm pelo menos uma coisa em comum: a paixão pelo futebol.

Em vésperas do encontro entre Benfica, atual campeão nacional, e Sporting, vencedor da Taça de Portugal, a contar para a Supertaça Cândido Oliveira, o Canal 11 promoveu um encontro entre os dois treinadores numa agradável conversa sem filtros.

Frente a frente, os dois rivais lançaram a Supertaça, falaram do peso do futebol na vida de ambos, da família e do seu trajeto como profissionais. A festa do título e a conquista da Taça de Portugal, a antevisão à Supertaça e o futebol e a vida foram os três pontos de partida para esta conversa imperdível, marcada por algumas brincadeiras e emoção.

Episódio mais marcante depois da conquista

Bruno Lage: "Fiquei aliviado porque tínhamos vencido. Senti a importância do que era vencer este título. E no futebol o mais difícil é contrariar a expectativa. O campeonato estava perdido e criámos a ilusão de que poderíamos vencê-lo. Se não vencêssemos, era muito complicado para as pessoas gerirem… Foi um sentimento de estar aliviado. O que me deu mais prazer foi ver as pessoas, a nossa estrutura a festejarem e eu feliz por ter contribuído para aquele momento. Os jogadores deram tudo. Talvez tenha sido o episódio mais marcante. Tenho uma fotografia gira em que os jogadores estão todos a preparar-se para comemorarem e irem levantar a taça e eu estou ali tranquilo, sentado numa cadeira e a beber uma coca-cola, a relaxar."

Marcel Keizer: "Para mim, o mais importante é a primeira hora depois da conquista. Vencemos, festejámos campo, no balneário, fomos ao estádio ter com os nossos adeptos… O pensamento foi: ‘Já está, agora venha a próxima época’. Porque isto é o que é. Lutamos o ano inteiro e quando acaba ficas feliz, mas segue… Fico feliz por todos no clube, porque não fazemos nada sozinhos."

Que significado tem o jogo da Supertaça

Bruno Lage: "Oportunidade de me estrear numa competição. É um título onde o Benfica não tem sido muito feliz e a motivação é inverter isso. Trata-se de um troféu que tem a importância de ser o primeiro da época e por ser dérbi tem significado maior."

Keizer: "É uma final, um dérbi, são sempre os melhores jogos da época. Estamos ansiosos pelo jogo. Penso que é um jogo que os jogadores e treinadores gostam de fazer. Penso que, como são os dois rivais, de uma cidade, vai ser um jogo especial."

Jogadores que admiram no adversário

Bruno Lage: "Gosto muito de médios porque são os jogadores na equipa que conseguem fazer mais coisas, não são especialistas em nada mas são regulares em tudo. No Sporting toda a gente conhece o Bruno Fernandes. Juntamente com o Herrera, eram os dois melhores médios da época passada. É alguém que eu gosto de ver porque é muito forte a ligar jogo, na construção, baixa para ligar jogo, é forte entrelinhas, sabe ser inteligente, sabe rodar e ocupar os espaços nas costas do médio para receber, rodar e ficar de frente, remata bem e ataca bem a profundidade. Eu, que gosto de transições defensivas, a corrida que ele fez e fazer aquele corte contra o Liverpool revela um jogador de enorme qualidade. Gosto muito de ver o Mathieu, com o pé esquerdo, a forma como construi, a forma como sabe retirar a profundidade à equipa adversaria e nota-se que com ele a linha defensiva tem um corportamente e sem ele é outro. Os jogadores fazem aquilo que é a essência do jogo"

Keizer: "Sempre gostei dos defesas que jogam na linha e que jogam tanto dentro como fora como o Grimaldo. Talvez nem todas as pessoas vejam isso, mas para os treinadores é normal. Isto pode dar-nos um médio-extra e criar caos ao adversário. Um jogador destes é muito útil na tua equipa. Quando olhamos mais para a frente vejo o mesmo com o Pizzi, que joga dentro e fora. Há muito movimento, movimento com estes jogadores. Movimento está relacionado com qualidade"

Expectativas da equipa adversária

Bruno Lage: "Não é fácil responder. Acredito que, quer de um lado, quer do outro, estamos a tentar colocar a equipa a jogar ao nível do ano passado e ao mesmo tempo conhecer os jogadores novos que chegaram. Ainda não sei o que posso encontrar. Por aquilo que vamos vendo é um Sporting igual ao que fez o ano passado. Uma equipa que tem como objetivo ter bola, que gosta de controlar o jogo e a procurar a baliza adversária. No fundo, aquilo que o Sporting nos habituou. Uma equipa que joga de uma forma agradável."

Marcel Keizer: "Se me disseres o 11 posso comentar. [risos] É sempre difícil porque estamos a meio de uma janela. Penso que a filosofia do treinador é explícita. É uma equipa criativa, muitos movimentos entre linhas ao estilo do futebol moderno. Talvez nos surpreendam com algo diferente. Por isso, o que podemos esperar é isso. Equipa que cria oportunidades de golo e que possamos competir com isso."

Mensagem para os adeptos

Bruno Lage: "Gostava que adeptos de Benfica e Sporting se pudessem sentar frente a frente e pudessem falar sobre a vida sem problemas. Que aproveitassem este momento para falar de futebol. A paixão do futebol começa no sonho. Ir ao estádio sem problemas. Os nossos adeptos têm sido incansáveis e aquilo que foi conquistado nestes cinco meses foi com apoio dos adeptos."

Marcel Keizer: "Espero que o estádio esteja cheio. E que seja um bom jogo para eles. Espero que apoiem a equipa como sempre fazem. E que façam barulho. É sempre fácil apoiar a equipa quando estamos em cima. Eles sabem que os jogadores vão dar o máximo."

Pessoas que influenciaram a carreira

Bruno Lage: "Talvez tu tenhas uma pessoa assim para além das pessoas da família: alguém de fora que te tenha marcado. Jaime Graça foi uma das pessoas que mais me marcou enquanto treinador, fui seu adjunto. Começou no V. Setúbal com o José Rocha, o clube da minha cidade mas depois foi com ele que eu dei alguns passos importantes. Foi ele que me emprestou cassetes sobre o Ajax. Como pessoa era grande, foi um grande jogador do Benfica, Setubal e Seleção nos anos 60. Enquanto homem, jogador e treinador marcou-me muito pela simplicidade, não deixa de ser um homem ambicioso por ser simples. Ele tinha isso e as suas equipas eram isso. Essa tem de ser a nossa tarefa, de ligar 11 pessoas dentro do campo. Foi a maior aprendizagem que tive com ele. Faleceu e pensei que tinha de dar um passo em frente na minha carreira. Saí do Benfica, fui para o estrangeiro, o meu filho Jaime nasceu e senti o clique passados 3 anos, de que tinha de voltar e estar perto do meu Jaime. Foi uma pessoal especial porque me marcou, entre outros como o Carlos Carvalhal, mas foi a primeira pessoa que me marcou numa altura muito importante."

Marcel Keizer: "Tenho alguns exemplos enquanto treinadores. Falo da filosofia de Cruyff, conheci-o por pouco tempo quando era jogador do Ajax e ele era treinador. Apesar de ter 18 anos na altura, ainda me consigo lembrar de coisas dele, do que fazia e do que dizia. As suas ações tiveram um grande impacto em mim. Mais tarde, com o Van Gaal foi igual. Eram grandes treinadores mas também eram muito bons enquanto pessoas. Eles tiveram um grande impacto na minha vida."