Numa grande entrevista ao 'Jornal de Angola', Pedro Mantorras recordou as dificuldades que passou na infância, os tempos enquanto jogador do Benfica, elogiando o papel que o "pai adotivo", Luís Filipe Vieira, teve na sua vida.

Mantorras chegou a Portugal, e ao Benfica, com 16 anos, no "inverno de novembro" enquanto "vestia calções e t-shirt". Agora, aos 44 anos, o antigo jogador angolano dá "graças a Deus" por ter encontrado "pessoas sérias", como o antigo presidente encarnado: "Sou muito grato ao ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, que me fez o homem que sou hoje e ter o património que tenho".

Sempre em tom elogioso o ex-avançado admitiu que: "Podia ser apenas mais um mas não, sou o Mantorras. Sou grato por tudo o que ele fez por mim e pelos meus. Deus iluminou o meu caminho, orientou-me e colocou esse senhor à minha frente, para orientar a minha vida. Saí de Angola, não sabia ler nem escrever em condições. Esse senhor matriculou-me na escola outra vez e ajudou-me a melhorar a maneira de falar o português. Fez-me voltar a estudar e acreditar que nunca é tarde para fazer as coisas na vida. E isso, vou levar para a minha vida toda".

"Perdi o meu pai de sangue, mas ganhei um pai adotivo, que nunca me abandonou ao longo de todo este tempo. No Benfica ganhava muito dinheiro e recebia apenas 15%. O resto, ele guardava. Eu só tive acesso ao meu dinheiro aos 42 anos. O património que eu conquistei no futebol, foi graças a esse senhor. Eu tinha uma conta conjunta com o presidente Luís Filipe Vieira, que, para ser movimentada, eram necessárias as assinaturas dele e a minha. Chegou um dia em que ele me disse: 'agora que acabaste de jogar, tens este património e este dinheiro na conta. Isso é fruto do dinheiro que eu te descontava e guardava. Está aqui todo o dinheiro. É teu. Faz com ele o que quiseres. Daqui em diante levas a tua vida'", prosseguiu.

Pedro Mantorras revelou ainda que tem "salário vitalício. Até morrer", assumindo que "é um bom salário" e que não pode reclamar da vida, visto que "é igual ao que eu recebia quando jogava". O ex-jogador revelou ainda que "só dois jogadores no mundo receberam este salário: um foi o Eusébio e o outro sou eu".

Da infância em Sabizanga ao Benfica

Mantorras não escondeu a infância difícil que viveu em Angola, no Sambizanga, mas, admite que desde cedo se considera "especial".

"Considero-me especial desde que saí da barriga da minha mãe. E vou dizer-lhe porquê: a minha sobrevivência no Sambizanga mostra que sou especial. Só comia uma refeição por dia, às vezes não comia nada. Das milhares de crianças que havia no Sambizanga, fui escolhido para jogar num grande clube como o Benfica. Não há como não ser especial", admitiu.

"Como de tudo um pouco. Habituei assim o meu estômago, porque não tinha o que comer quando era pobre e miserável. Então, o que aparecia para comer era o que comia. Hoje, que tenho algum dinheiro, continuo a comer de tudo um pouco. Não sou esquisito. Se for a casa de alguém e a pessoa comer com as mãos, eu também vou comer com as mãos", acrescentou.

Em Portugal, Mantorras fala do carinho que ainda recebe de benfiquistas e... até dos rivais.

"Em Angola, hoje, estão a perder aquela mania e vergonha de verem um ídolo ou uma pessoa que gostam e ignorarem. Hoje, já tiram fotos, já abraçam, já fazem perguntas. Acredito, também, que o fazem por causa das redes sociais, para postarem. Mas, em Portugal, há um fanatismo de verdade. Há pessoas doentes mesmo. Obcecadas. Eu, em Portugal, já não entro em centros comerciais. Estou há uns dez anos sem entrar no Colombo, porque algumas pessoas são mesmo fanáticas. Geralmente, são muito eufóricos. Uns querem tirar fotos, abraçam, choram, pedem para fazer vídeochamada para o pai ver que estão comigo", revelou.

"São reflexos do que eu fiz pelo futebol, das alegrias que dei aos angolanos e aos portugueses, sobretudo aos benfiquistas. Há sportinguistas que gostam do Mantorras, por causa da minha maneira de ser. Nunca ataquei ninguém, sempre me comportei como um ser humano normal como os outros. O meu melhor amigo, o senhor Maninho Kizembo, é sportinguista. De gema mesmo! Mas nunca misturamos as duas coisas", concluiu.