Foi chegar, ver e vencer. Quase 15 anos depois de ter chegado à Luz pela primeira vez como treinador da formação, Bruno Lage foi o nome escolhido para orientar a equipa principal do Benfica (começou como interino para depois ser oficializado a título definitivo) na sequência da saída de Rui Vitória, nos primeiros dias de 2018. A missão adivinhava-se hercúlea: volvidas 15 jornadas, os 'encarnados' estavam em quarto lugar, a sete pontos do FC Porto, a dois do Sporting e a um do SC Braga. A ausência de experiência numa equipa 'grande' também não era motivo de preocupação.

"Jogo a jogo, treino a treino. É a minha mentalidade, não há outra maneira de estar nesta profissão. Não vale a pena pensar de outra forma. Eu, sem o tal currículo que vocês querem que o treinador o Benfica tenha, sem o tal estatuto que vocês querem que o treinador o Benfica tenha. Vivo é dos resultados.  Vejam o treinador do Leicester [Cladio Ranieri] que foi campeão e na segunda época saiu, vejam o treinador do Real Madrid [Julen Lopetegui] que só fez três meses. O currículo ou estatuto não conta mas sim o dia-a-dia, o treino, é assim que se faz o caminho do treinador", disse o técnico a 14 de janeiro.

E assim foi. Jogo a jogo, o treinador setubalense foi deixando a sua marca no Benfica e não foi preciso muito tempo para que os resultados acompanhassem este efeito Lage: os 'encarnados' nunca mais perderam para o campeonato -  18 vitórias e apenas um empate (2-2 diante do Belenenses SAD), enquanto os adversários diretos foram tropeçando pelo caminho - destaque para o triunfo das 'águias'  em Alvalade e no Dragão, este último a permitir a subida à liderança do campeonato, na 24.ª jornada. A isto juntou um impressionante registo de 103 golos marcados, igualando o melhor registo ofensivo da história do clube na Primeira Liga. E a época que, à data, parecia perdida virou 'conto de fadas', culminando na tão desejada reconquista.

O que mudou com Bruno Lage

Na estreia de Lage, o Benfica ainda tremeu - estando a perder por 2-0 na Luz com o Rio Ave antes dos 20 minutos - mas acabou por vencer confortavelmente os vilacondenses por 4-2. E já aqui se notavam algumas mudanças. João Félix e Seferovic, que bisaram na partida, deram início a uma fase de enorme fulgor enquanto dupla de ataque preferencial de Bruno Lage: o jovem português tornou-se no novo menino bonito da Luz - 15 golos na I Liga - enquanto o internacional helvético afirmou-se como um goleador inesperado na ausência de Jonas, terminando mesmo como melhor marcador da prova, com 23 golos.

Veja o resumo do Benfica-Rio Ave

No segundo teste, o técnico voou para os Açores para convencer os adeptos benfiquistas de que seria o homem certo para o lugar. As 'águias' voltaram a triunfar, desta feita sobre o Santa Clara, e passaram a estar a apenas cinco pontos do FC Porto, que havia empatado no clássico em Alvalade. Poucos dias depois, Luís Filipe Vieira anunciava que Bruno Lage iria ser o homem a guiar a equipa até ao final da época.

Começava aqui a recuperação das 'águias' no campeonato, mas nem só de vitórias se viveu na Luz, já que as exibições melhoraram consideravelmente, muito graças à veia marcadamente ofensiva da equipa. Bruno Lage recuperou o 4x4x2, sistema tático utilizado pelos encarnados entre 2009 e a primeira metade da época passada, e com isso operou algumas mudanças no onze base: colocou Samaris e Gabriel em linha (dois jogadores que pareciam caídos no esquecimento), com a missão de equilibrar a equipa na transição defensiva, tendo ainda colocado os extremos a fechar por dentro, forçando o adversário a procurar os corredores. Os cruzamentos passaram a partir dos laterais, ficando Rafa e Pizzi à entrada da área para procurarem a segunda bola. Seferovic, por sua vez, era a principal referência para ganhar bolas entre os centrais e João Félix atacava o espaço. Estas novas dinâmicas no ataque dotaram os 'encarnados' de uma maior imprevisibilidade na hora de atacar.

Face à ausência de contratações no mercado inverno, os jovens Ferro, Florentino e Jota foram promovidos à equipa principal: o defesa central reeditou a dupla 'made in Seixal' com Rúben Dias, tendo feito a estreia no dérbi com o Sporting, para a Taça de Portugal, por força da lesão de Jardel; o médio foi lançado pela primeira vez em Istambul, diante do Galatasaray (Liga Europa), tendo surpreendido pela capacidade de recuperação da bola, e ganhou ainda mais protagonismo com Gabriel lesionado; já Jota, que se tinha estreado com Rui Vitória na Taça de Portugal, somou alguns minutos no campeonato com Lage no banco de suplentes. De realçar, também, a segunda oportunidade dada a Adel Taarabt.

Depois da viagem aos Açores, seguiram-se mais sete triunfos para o campeonato, que incluíram uma goleada histórica por 10-0 sobre o Nacional e duas vitórias sobre os rivais diretos Sporting (4-2), em Alvalade, e FC Porto (2-1), no Dragão. E foi precisamente no reduto dos 'azuis e brancos' que o Benfica saltou para a liderança, passando a ter dois pontos de vantagem sobre a equipa de Sérgio Conceição.

Veja o resumo do clássico no Dragão

A diferença para o FC Porto viria a esfumar-se na ronda seguinte, com o empate 2-2 na receção ao Belenenses SAD, de resto o único tropeção dos 'encarnados' no campeonato desde que Bruno Lage assumiu o comando. As duas equipas estavam agora em igualdade pontual, mas o facto de o Benfica ter vencido ambos os jogos frente aos 'azuis e brancos' conferia-lhe vantagem no confronto direto.

A partir daí, o Benfica voltou a contar apenas por vitórias todos os jogos até ao final do campeonato, com triunfos em casa de adversários como Moreirense, SC Braga e Rio Ave???, fechando a temporada com 87 pontos, mais dois que o FC Porto (empatou em Vila do Conde na 31.ª jornada) e o melhor ataque da prova, com um total de 103 golos, igualando o melhor registo do clube na Primeira Divisão. Para ter noção da veia goleadora deste Benfica, basta olhar para os números da segunda equipa mais concretizadora, o FC Porto de Sérgio Conceição, que marcou apenas 75.

Ficou assim igualado o registo do Benfica de 1963/64 (103) e ultrapassado o de 1972/73 (101), os dois únicos anos na história em que o emblema da Luz conseguiu fechar a participação no campeonato acima dos 100 golos. Apenas com Bruno Lage no comando, o clube da Luz marcou 72 golos, nunca tendo ficado em branco no que diz respeito ao principal escalão do futebol nacional. Ou seja, em 19 jogos, Bruno Lage soma quase tantos golos como o FC Porto, segundo classificado, em 34 rondas.

A terminar este texto, recordamos as palavras de Bruno Lage no final do triunfo sobre o Eintracht Frankurt, para a Liga Europa, onde foi questionado se admitia a existência de um efeito Lage na equipa. "O que existe é um run a lot… é correr muito. Os jogadores têm sido fantásticos nisso. A correr determinados e com organização fantástica. Vejam o que os quatro da frente - Rafa, João Félix, Cervi e Gedson - correram, pressionaram e não permitiram que o adversário jogasse em largura. Isso só se faz a correr muito, mas não estamos a falar de atletismo, é correr muito com organização, determinados, jogar em equipa a atacar e a defender", respondeu.