O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa, decidiu hoje não levar a julgamento a SAD do Benfica, por nenhum dos 30 crimes pelos quais estava acusada, mas o antigo assessor jurídico Paulo Gonçalves será julgado por corrupção.

A decisão instrutória foi proferida na tarde desta sexta-feira pela juíza de instrução criminal Ana Peres, que não pronunciou (não levou a julgamento) a SAD ‘encarnada’ por nenhum dos 30 crimes que constam da acusação do Ministério Público (MP): um de corrupção ativa, outro de oferta ou recebimento indevido de vantagem e 28 crimes de falsidade informática.

Deste modo, não se esperam quaisquer consequências desportivas relacionadas com o clube, mas apenas uma sanção pecunária, que poderá acontecer como consequência da imputação do crime de corrupção ativa, o único ainda com decisão pendente.

Também Júlio Loureiro, oficial de justiça, foi ilibado de todos os 58 crimes que era imputado, nomeadamente o crime de corrupção passiva.

Em sentido inverso, Paulo Gonçalves, à altura assessor jurídico do Benfica, e o funcionário judicial José Silva vão a julgamento acusados de indícios de corrupção, violação do segredo de justiça, peculato e acesso indevido à informação.

Segundo a acusação do MP, Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse da sociedade, solicitou a Júlio Loureiro e a José Silva (vai a julgamento, mas sai em liberdade - estava em prisão domiciliária) que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e 'merchandising'.

No debate instrutório, realizado em 03 de dezembro, o procurador do Ministério Público (MP) pediu que o processo seguisse para julgamento “nos exatos termos da acusação”, reiterando que o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, tinha conhecimento das contrapartidas entregues por Paulo Gonçalves aos funcionários judiciais, a troco de informações sobre inquéritos.

Válter Alves, responsável pela acusação deste processo, reiterou a tese de uma “teia de interesses e de contrapartidas que havia entre os arguidos”, acrescentando que a fase de instrução serviu, essencialmente, “para demonstrar a hipotética normalidade das ofertas”.

A instrução, fase facultativa, que visa decidir por um JIC se o processo seguia e em que moldes para julgamento, foi requerida pelos quatro arguidos.

A defesa da SAD do Benfica alegou, por seu lado, que a fase de instrução reforçou a falta de indícios já verificada no inquérito, razão pela qual pediu que a sua constituinte não seja levada a julgamento. Rui Patrício, um dos advogados da SAD 'encarnada', disse que a “prova produzida na instrução logrou reforçar os indícios (falta de indícios do inquérito)”.

O advogado defendeu que o TCIC só pode proferir despacho de não pronúncia (decisão de não levar a SAD do Benfica a julgamento) quanto aos 30 crimes que lhes estão imputados na acusação do MP, considerando a mesma “frágil, curta, contraditória, sem factos, sem provas, um conjunto de conclusões e ideias genéricas”.

Segundo a acusação do MP, Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse da SAD, solicitou a funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e 'merchandising'.

A acusação do MP considera que o presidente da Benfica SAD, Luís Filipe Vieira, teve conhecimento e autorizou a entrega de benefícios aos dois funcionários judiciais, por parte de Paulo Gonçalves, a troco de informações sobre processos em segredo de justiça, envolvendo o Benfica, mas também clubes rivais.

A SAD do Benfica está acusada de 30 crimes e Paulo Gonçalves de 79. O MP acusou a SAD do Benfica de um crime de corrupção ativa, de um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e de 29 crimes de falsidade informática.

“José Silva (oficial de justiça) e Júlio Loureiro (escrivão e observador de árbitros), com a promessa de tratamento privilegiado junto do Benfica, designadamente para assistência a jogos em condições favoráveis, aceitaram proceder como solicitado [por Paulo Gonçalves]”, sustenta a acusação do MP.

O despacho de acusação refere que tais processos “incidiam sobre investigações na área do futebol ou a pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos em curso e em segredo de justiça, em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, ou os seus elementos”.

Os processos pesquisados pelos dois funcionários judiciais, através da plataforma informática Citius, abrangiam também casos “relativos a clubes adversários e seus administradores ou colaboradores”.

Recorde toda a cronologia do processo E-Toupeira

O 'E-Toupeira' investiga a utilização abusiva de credenciais informáticas na plataforma Citius de uma magistrada do Ministério Público (MP), que se encontra colocada na coadjuvação da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), e, desta forma, recolher informação relacionada com processos, designadamente envolvendo o Benfica.

O inquérito, dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, tem por objeto factos suscetíveis de integrarem crimes de corrupção, peculato, violação do segredo de justiça, favorecimento pessoal, falsidade informática, acesso ilegítimo e burla informática, indica o mesmo comunicado.

Quem são os arguídos e de que crimes estão acusados

SAD do Benfica é acusada de 30 crimes

- 1 crime de corrupção ativa

- 28 de falsidade informática

- 1 de oferta e um de recebimento de vantagem.

Paulo Gonçalves - antigo assessor jurídico do benfica, indiciado de 79 crimes

- 1 de corrupção ativa

- 1 de oferta ou recebimento indevido de vantagem

- 6 de violação do segredo de justiça

- 11 violação do dever de sigilo

- 11 acesso indevido

- 21 violação de segredo por funcionário

- 28 de falsidade informática

José Silva - oficial de Justiça - indiciado de 76 crimes

- 1 de corrupção passiva

- 1 de favorecimento pessoal

- 1 de peculato

- 6 de violãção de segredo de justiça

- 9 de acesso indevido

- 9 de violação do dever de sigilo

- 21 de violação de segredo por funcionário

- 28 de falsidade informática

Júlio Loureiro - Oficial de Justiça - 76 crimes

- 1 de corrupção passiva

- 1 de favorecimento pessoal

- 1 de oferta ou recebimento indevido e vantagem

- 6 de violação do segredo de justiça

- 9 de acesso indevido

- 9 de violação do dever de sigilo

- 21 de violação de segredo por funcionário

- 28 de falsidade informática

Cronologia do processo

10 de fevereiro de 2018

É tornada pública uma notícia de que o Ministério Público abriu uma investigação para identificar um alegado espião que estaria a passar informação ao Benfica. A alegada 'toupeira' "teria passado ilegalmente diversas peças processuais do inquérito em curso da 9.ª secção do DIAP a 'responsáveis daquele clube' (...), conteúdos de vários documentos confidenciais, todos eles relacionados com o caso dos e-mails", de acordo com o jornal 'Expresso'.

24 de fevereiro

A Polícia Judiciária admite pela primeira vez a possibilidade de existir alguém no interior do Benfica a passar informar para o exterior. Fonte do Benfica nega essa possibilidade. "Foi tudo analisado, e essa história não existe. Não há qualquer 'toupeira' no Benfica.

6 de março

Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, é detido por suspeitas de corrupção e passa a noite na Polícia Judiciária. O clube encarnado emitiu comunicado em que confirma as buscas às suas instalação e mostra-se disponível para colaborar com a justiça, mostrando total apoio a Paulo Gonçalves.

7 de março

Luís Filipe Vieira fala pela primeira vez aos jornalista sobre o e-toupeira, sublinhando que tudo o que sabe do processo é "pelos jornais". No mesmo dia, Paulo Gonçalves sai em liberdade ficando proibido de contactar os outros arguidos do processo, mas fica autorizado a frequentar o estádio da Luz. O assessor jurídico das 'águias' fica indiciado de um crime de corrupção ativa e quatro de violação do segredo de justiça em co-autoria com José Silva. O técnico do Ministério da Justiça fica detido e fica em prisão preventiva. Fica indiciado dos crimes de corrupção passiva, favorecimento pessoal, peculato, burla informática, falsidade informática, nove de acesso ilegítimo e quatro crimes de violação do segredo de justiça.

10 de março

Luís Felipe Vieira reage de forma enérgica ao processo e-toupeira. Após o encontro entre o Benfica e o Aves, o líder das águias comentou os casos que envolvem o clube. Anunciou a constituição de um gabinete de crise e garante que "acabou a paródia à conta do Benfica".

14 de março

José Eduardo Moniz adianta que Paulo Gonçalves colocou o lugar à disposição, mas que o Benfica decidiu mantê-lo no cargo. O vice-presidente das águias admitiu que todos foram "apanhados de surpresa" com este processo, numa situação que classificou como "grave e difícil".

15 de março

O assunto é abordado num debate quinzenal na Assembleia da República. O primeiro ministro António Costa ficou satisfeito por "pelo menos uma vez" ter sido possível descobrir quem violou o segredo de justiça. Ainda assim, António Costa confirmou que era impossível averiguar se existia ou não utilizações indevidas do sistema informática da justiça.

11 de maio

A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma que o processo passa a ter sete arguidos. Contudo, não divulga quem são os novos arguidos.

15 de julho

Tribunal de Relação nega que José Nogueira Silva, saia em liberdade. O funcional judicial, com residência em Fafe, está indiciado de favorecimento do Benfica em vários processos justiça e continuou em prisão preventiva.

25 de julho

É tornado público que José Silva, funcionário judicial de Guimarães e Fafe, terá entrado 385 vezes nos processos, utilizando para isso quatro palavras-passe.

27 de julho

A SAD do Benfica é constituída arguida no processo E-Toupeira. Os encarnados garante que "não há quaisquer factos, circunstâncias e provas" que relacionem o Benfica com as investigações.

5 de setembro

O Ministério Público tem provas digitais de que Luís Filipe Vieira teve conhecimento de todos os pedidos de Paulo Gonçalves à direção do Benfica de ofertas de bilhetes VIP e de lugares de estacionamento no Estádio da Luz para os funcionários judiciais que serviam de 'toupeiras' ao clube da Luz para obter informações sobre os vários processos a decorrer. SAD do Benfica está acusada de 30 crimes e Paulo Gonçalves de 79.

O Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) anunciou também a instauração de um processo de inquérito, com base num comunicado judicial, depois de o Ministério Público (MP) ter divulgado a acusação do processo “e-toupeira”.

6 de novembro

O blogue 'mercadodebenficapolvo.wordpress.com' divulgou um total de 11 volumes relativos ao processo e-Toupeira na internet, avança esta terça-feira a revista Sábado na sua edição online.

De acordo com a referida revista, os autores do blogue revelaram vários elementos do processo em segredo de justiça nomeadamente um áudio com as declarações de Rui Pereira, chefe de segurança do Estádio da Luz.

12 de novembro

Começou a fase de instrução do processo 'e-toupeira', requerida pelos quatro arguidos, incluindo a Benfica SAD, no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa.

A instrução, fase facultativa, que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue para julgamento, vai decorrer à porta fechada, com início sempre às 14:00, exceto no debate instrutório, agendado para 26 de novembro, e na leitura da decisão instrutória, sessões que serão públicas, disse hoje à agência Lusa fonte judicial.

O escrivão e ex-observador de árbitros Júlio Loureiro, e três testemunhas arroladas por este arguido, que são os primeiros a ser ouvidos, não prestaram declarações à comunicação social à entrada para o tribunal.

Joaquim Oliveira, advogado que representa "adeptos de futebol" que se constituíram assistentes - cuja identidade recusou revelar -, foi o único a falar antes do início das audições.

Já sobre o facto de o presidente da SAD do Benfica, Luís Filipe Vieira, não ter sido constituído arguido, Joaquim Oliveira considerou que o líder benfiquista, "enquanto presidente da SAD, é o rosto executivo e, como tal, devia ter sido" constituído arguido.

Caso 'e-toupeira': O que está em causa, as consequências desportivas e os danos provocados à marca Benfica
Caso 'e-toupeira': O que está em causa, as consequências desportivas e os danos provocados à marca Benfica
Ver artigo

11 de dezembro

A sessão da leitura da decisão instrutória, na qual os quatro arguidos iam  saber se vão e em que termos a julgamento, estava marcada para quinta-feira, 13 de dezembro, mas foi adiada em uma semana, para 20, com início às 14:30, no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), em Lisboa, depois de ter sido realizado debate instrutório em 03 de dezembro.