O protocolo de utilização do videoárbitro (VAR), que se mantém inalterado desde a sua estreia na I Liga de futebol, “começa a ficar desajustado”, assume o ex-juiz Pedro Henriques, defensor da divulgação dos áudios daquele sistema.
“À medida que evoluímos, vamos percebendo que, sobretudo ao nível dos penáltis, esta coisa do ter de ser [um erro] claro e óbvio para que o VAR intervenha está a deixar numa zona cinzenta e ao critério da interpretação alguns lances [nas áreas] que são realmente para ser sancionados, mas que o VAR, por não achar que são claros e óbvios, acaba por não chamar o árbitro principal”, exemplificou à agência Lusa o antigo árbitro, de 57 anos.
Ratificado em março de 2016 pelo International Board (IFAB), o organismo regulador das regras da modalidade, o sistema tecnológico de recurso a imagens vídeo para ajudar as equipas de arbitragem à distância vigorou pela sexta época consecutiva na elite, estando previsto o seu alargamento aos jogos da II Liga e da Liga feminina já a partir de 2023/24.
“Essa parte já poderia ter sido invertida há muito tempo, no sentido de que, mesmo não sendo um lance claro e óbvio, mas havendo potencial para ser penálti, o árbitro deveria ir ao monitor ver. Dessa forma, todos perceberíamos melhor a intervenção e a utilidade do VAR, sendo que, depois, a crítica podia ser ao árbitro, porque alterou ou manteve [a sua decisão original]. Agora, isso é o normal. No meu tempo, que não tinha VAR, tomávamos normalmente uma decisão e as pessoas concordavam ou não concordavam”, recordou.
O protocolo prevê dar auxílio aos árbitros principais na deliberação de quatro situações - golos, cartões vermelhos, penáltis e troca de identidade disciplinar -, mas, ao longo desta época, o treinador alemão Roger Schmidt, do campeão Benfica, e Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do ‘vice’ FC Porto, exigiram mesmo o fim do VAR no futebol nacional.
“Todos percebem que esta ferramenta veio para ficar e não vale a pena voltar para trás, apesar dos ‘bitaites’ que fomos vendo por aí e desses momentos a quente, nos quais as pessoas se sentem prejudicadas e acabam por atacar e criticar o VAR. Aquilo que sobra de negativo não é a própria ferramenta, mas quem a utiliza”, analisou Pedro Henriques.
Em equação está a difusão dos áudios das comunicações entre os árbitros de campo e o VAR, numa época em que o IFAB já aprovou a utilização, a título experimental e limitada às competições organizadas pela FIFA, de uma tecnologia de comunicação pública dos árbitros para com os adeptos presentes nos estádios e através da transmissão televisão.
“Concordo plenamente que será algo inevitável no futuro, se é que já não estamos muito longe disso. Aliás, é uma questão de transparência, porque, a partir do momento em que as pessoas ouvirem os áudios, vão perceber que há erros de interpretação, mas não há aquilo que pensam que existe de mal. Vemos corrupção e maus exemplos dentro e fora de Portugal e ficamos logo com essa ideia de que isto é tudo uma cambada de bandidos, quando, se calhar, as pessoas mais sérias e honestas estão ali [na arbitragem], mesmo errando”, alertou o ex-juiz, que dirigiu mais de 350 jogos nas duas divisões profissionais.
A disponibilização dos áudios mereceu no ano passado uma proposta do Sporting para a modificação dos regulamentos de arbitragem e disciplina, que acabaria por ser rejeitada pelos clubes numa assembleia geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP).
“As entidades internacionais são contra, ou não são muito a favor, e quase aconselham a que estes áudios não sejam colocados cá fora. Não é que haja alguma coisa a esconder, mas existe receio de que tudo aquilo que é dito possa, às vezes, não ser bem entendido cá fora. Por outro lado, se já há alguma polémica em torno de uma decisão, a ideia que a FIFA e o IFAB têm é que a maneira como o árbitro justificá-la-ia era mais um motivo para se bater em cima”, assinalou Pedro Henriques, esperando que Portugal abra horizontes.
A Liga inglesa tem experienciado nas últimas semanas um projeto de difusão de extratos dessas comunicações em canais televisivos, tal como já vinha a acontecer no Brasil e foi autorizado no último mês em França, mas sempre após um jogo e nunca em tempo real.
“Não concordo que as pessoas ouçam os áudios em direto, mas, depois das partidas, as conversas têm de ser disponibilizadas. Agora, é preciso haver regras e não é quando os clubes A, B ou C pedem ou querem”, apelou o atual comentador televisivo e radiofónico.
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