Dois dos 36 menores retirados de uma academia de futebol em Riba de Ave, Vila Nova de Famalicão, por alegadamente serem vítimas de tráfico de seres humanos, foram entregues a familiares, disse hoje a CPCJ daquele concelho.

Em declarações à Lusa, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Famalicão acrescentou que um terceiro menor foi entregue ao seu “representante legal”.

Aos restantes 33 menores, a CPCJ aplicou a medida de acolhimento residencial, tendo os respetivos processos de promoção e proteção sido remetidos aos serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão.

A CPCJ lembra que os processos de promoção e proteção são de caráter reservado, pelo que se escusou a dar mais informações sobre o assunto.

Na segunda-feira, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deu cumprimento a cinco mandados de busca judiciais, uma das quais na academia de futebol Bsports, em Riba de Ave, Vila Nova de Famalicão.

As buscas estenderam-se ainda à casa do presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Mário Costa, responsável por aquela academia.

Mário Costa renunciou na quarta-feira ao cargo na Liga.

Nas buscas, o SEF também apreendeu documentos, nomeadamente passaportes e cartões de residência, que não estavam na posse dos seus titulares, os menores em causa.

Foram constituídos arguidos dois cidadãos portugueses e cinco sociedades.

Em nota publicada na sua página, a Procuradoria-Geral Regional do Porto refere que os menores foram retirados da academia “por se encontrarem em situação de perigo”.

Em resposta enviada à Lusa, a Câmara de Vila Nova de Famalicão disse que “está a acompanhar com toda a atenção o episódio de suspeitas de tráfico de seres humanos” na academia de Riba de Ave.

“O caso está a ser tratado e acompanhado pelas entidades competentes, estando o município disponível para acionar as respostas sociais que estejam ao seu alcance e que sejam referenciadas por essas mesmas entidades”, acrescenta o município.

Segundo a RTP, os jovens atletas eram recrutados na América do Sul, África e Ásia e vinham para Portugal com uma promessa de contrato, válido por 11 meses, e seriam impedidos de sair caso os pais quisessem interromper a sua formação ou não tivessem coberto o pagamento previsto.

As famílias pagariam entre 500 e 1.800 euros por mês para a formação, treino e alojamento dos jovens atletas.

Os atletas seriam acolhidos em condições precárias, passando fome e frio.

O Jornal de Notícias dá conta de relatos de alguns atletas que se terão queixado de ficarem trancados com cadeados, à noite, sem acesso à casa de banho.

Os jovens estariam a viver amontoados em camaratas, só sairiam acompanhados de funcionários da academia e o seu acesso ao exterior era limitado.

Além disso, há ainda relatos de retenção da documentação dos atletas, incluindo o passaporte e de casos em que os menores seriam impedidos de ir à escola, sendo o ensino ministrado por professores da academia ou através de aulas ‘online’.

A Lusa tentou, por várias formas, contactar a Bsports, mas ainda sem sucesso.

Nas redes sociais, a academia descreve-se como "um projeto desportivo, educativo, revolucionário em Portugal que permitirá a pessoas de todo o mundo, com a mesma paixão pelo futebol, viver a experiência da sua vida, potenciando ao máximo o seu crescimento pessoal e desportivo".

"A missão deste projeto assenta na captação e formação de novos talentos para o futebol. Ambicionamos ser uma referência internacional ao nível do futebol jovem, projetando futuros talentos e melhorando a oferta futebolística", acrescenta.

A academia intitula-se ainda como "o maior projeto de formação do mundo" e diz ser uma "entidade de formação certificada” pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.