"Ah, mas você já cortou ou corta o cabelo ao Cristiano Ronaldo quando ele lhe pede? Mas então, o Rui Vitória por vezes também cá vem? E o Rui Patrício? E também corta o cabelo ao José Peseiro?". Estas são algumas das dúvidas mais comuns de quem entra pela primeira vez na 'Barbearia do Bairro', em Alfornelos, onde tem, desde logo, uma pequena apresentação do trabalho desenvolvido nos últimos anos por Daniel Ribeiro e pela sua esposa, Ana Ribeiro.

"As pessoas reparam naquelas fotografias [com os jogadores] e começam logo a questionar-me sobre essas situações. Isto transmite uma confiança muito boa para quem é, ou possa vir a ser, cliente, porque é sinal que a pessoa, que neste caso sou eu, é um bom profissional. E o trabalho nota-se, porque é visto todas as semanas", diz-nos Daniel Ribeiro sobre a reação das pessoas quando entram na 'Barbearia do Bairro' e se deparam com camisolas autografadas da Seleção Nacional e um par de chuteiras de Rui Patrício, também elas autografadas.

O segredo é a alma do negócio e todos os clientes são tratados da mesma forma

Pormenor na 'Barbearia do Bairro' com Daniel Ribeiro a arrumar os seus utensílios de trabalho
Pormenor na 'Barbearia do Bairro' com Daniel Ribeiro a arrumar os seus utensílios de trabalho. créditos: Eduardo Santiago

Com tantos clientes mediáticos, Daniel Ribeiro já se habituou às perguntas sobre jogadores e treinadores que frequentam o seu estabelecimento. Falar de futebol numa barbearia é uma das tradições mais antigas em Portugal, e a curiosidade fala sempre mais alto, especialmente quando se está num ambiente descontraído e na presença de alguém que já partilhou a intimidade com alguns dos maiores jogadores portugueses. Com 30 anos de experiência na área, já não há cliente que deixe Daniel Ribeiro intimidado, nem mesmo quando se trata do melhor jogador do mundo, pois a exigência de um trabalho bem feito é por si só um estímulo.

"Se me sinto nervoso, ou se me sentia nervoso quando cortava o cabelo ao Cristiano Ronaldo? É natural que me perguntem estas coisas porque o Cristiano Ronaldo é o melhor do mundo, um jogador muito mediático, com uma grande visibilidade no contexto mundial. Habitualmente não me sinto nervoso e não me sinto nervoso por várias razões", refere Daniel Ribeiro.

"Tento sempre, independentemente da mediatização que a pessoa tenha, tratá-lo como um cliente normal, e de facto os jogadores, enquanto permaneci [na seleção] tentei sempre tratá-los como clientes normais. Não ficava muito nervoso porque até a postura e a forma de estar do Cristiano [Ronaldo] na vida deixa as pessoas à vontade. É uma pessoa que acaba por ser exigente, gosta do trabalho bem feito, mas que nos deixa também à vontade e como tal, a partir daí, desde que a pessoa assuma uma postura profissional e faça o trabalho conforme sabe, e se o souber fazer bem feito, tem as condições para não ficar nervoso. Antes pelo contrário, ficamos à vontade, e descontraidamente realizamos um bom trabalho", conta-nos Daniel Ribeiro sobre a importância de manter uma postura profissional perante um jogador como Cristiano Ronaldo.

Contra os riscos, cortar, cortar!

Num mundo cada vez mais mediatizado pela evolução da tecnologia, todos os detalhes em torno do futebol são escrutinados ao máximo pormenor, e os cortes de cabelo dos agentes do futebol não são exceção, tendo mesmo uma enorme influência na imagem dos jogadores e dos treinadores junto do público. Daniel Ribeiro tem noção dessa realidade, e defende que deveria haver uma consciência social por parte dos barbeiros quando se trata do cabelo de um ídolo de massas que é seguido como exemplo pelas crianças.

"Os jogadores têm uma grande visibilidade e têm de transmitir para o exterior uma imagem positiva, na minha opinião, e é com isso que eu me confrontei sempre enquanto permaneci seis anos na seleção e lhes cortei o cabelo, foi sempre dignificar a imagem deles [jogadores]. Dignificá-la no sentido positivo, de lhes ficar bem, de transmitirem para o exterior que têm um grande peso nas crianças, que ainda hoje me chegam aqui e dizem 'olha, quero um corte parecido ao do Cristiano Ronaldo'. E de facto, se o Cristiano [Ronaldo] tiver um corte giro e que lhe fique bem e que seja um exemplo para essas crianças, melhor ainda. E é sempre nessa base que eu tento sempre fazer o meu trabalho. Que eles transmitam para o exterior um exemplo a seguir", frisou Daniel Ribeiro.

"O 'look' que os jogadores têm faz parte dessa mediatização e é por isso que eu aposto muito nesse pormenor de fazer-lhes um trabalho que fique bem visualmente, que os favoreça e que não pareça serem mais um jogador. Tento sempre fazer algo de diferente, de forma a passar para o exterior um trabalho de qualidade", explica

"E num mundo tão mediatizado como este, a preocupação deveria ser ainda maior em relação a este aspeto. E o cuidado, quer da parte profissional quer da parte do jogador, ou de outra profissão qualquer que tenha um impacto visual grande, deve ser transmitir um sentido positivo para o exterior, esta é a minha filosofia de estar na vida e foi sempre assim que me primei pelo meu trabalho. E posso mesmo dizer-lhe que houve alturas em que no trabalho que fiz com a Seleção Nacional não realizei alguns trabalhos porque era de facto um trabalho que não se coaduna com a minha forma de estar, nem com aquilo que penso que seja favorável para os jogadores, e por isso rejeitei alguns trabalhos em relação a isso. E posso dizer isso frontalmente porque realmente é verdade. Portanto, não quero ser identificado com riscos na cabeça, com esse tipo de trabalho, porque acho que é um trabalho que não favorece a identidade e o visual dos jogadores", confidenciou-nos ainda Daniel Ribeiro.

O fim de uma era em que Paulo Bento usava risco ao meio começou aqui na Barbearia do Bairro

Ana Ribeiro, esposa de Daniel Ribeiro e a relações públicas da Barbearia do Bairro
Ana Ribeiro, esposa de Daniel Ribeiro e a relações públicas da Barbearia do Bairro. créditos: Eduardo Santiago

Paulo Bento, antigo treinador do Sporting e ex-selecionador nacional de Portugal, notabilizou-se no futebol português pelos resultados desportivos, mas também pelo seu corte de cabelo típico do início da década de noventa. Por sugestão da sua esposa Ana, Daniel Ribeiro conseguiu mesmo convencer o técnico português a atualizar a sua imagem depois de alguma insistência, obviamente.

"Essa é uma história que realmente há-de ficar para sempre na minha própria história, porque foi uma mudança em que ninguém ficou indiferente. E a base partiu da Ana, em que insistia, sistematicamente, cada vez que eu ia à Seleção cortar o cabelo, e dizia-me 'tens de mudar esta imagem do Paulo Bento' ao que eu lhe respondi: 'eh pá, eu mudo, mas é preciso que ele me deixe porque eu não posso obrigar as pessoas naturalmente' [risos]. Portanto, eu vou tentar. A dada altura quase que lhe azucrinei a cabeça a dizer: 'Paulo, temos que mudar aqui' ao que ele me respondia: 'pá, mas eu não quero nada de muito diferente', e então eu dizia-lhe: 'Paulo, confia em mim, tu já me conheces, embora minimamente, das relações que temos aqui de convivência, sabes que sou uma pessoa que gosto de respeitar. Não vou fazer nada de certeza que não te fique bem. Mas tens de confiar em mim, naturalmente. Eu sei o que gostas, sei o que queres e vais ver que não te vais arrepender'. E lá o consegui convencer, e na altura mudei aquele corte que não o favorecia de todo honestamente. E foi uma coisa que aconteceu muito dignificante na minha profissão porque foi uma mudança, não foi uma mudança muito grande em termos de corte, mas o que eu lhe fiz acabou por fazer toda a diferença. Como é que o Paulo Bento reagiu depois de perder o risco ao meio? Reagiu naturalmente, e gostou. E até porque todos os que o rodeavam manifestaram-se naturalmente. E foi positivo e uma mais valia para mim, mais um objetivo conseguido", partilhou connosco Daniel Ribeiro.

 As pessoas parecem mais gordas na televisão?

Falando em imagem de personalidades que aparecem muitas vezes na televisão, lembrámo-nos de perguntar a Daniel Ribeiro se isso, de facto, era verdade, e o experiente barbeiro confidenciou-nos que por vezes 'não descansa' enquanto não vê uma conferência de imprensa de Rui Vitória para saber se o corte lhe tinha saído bem.

"Isto das televisões é um bocadinho ingrato porque às vezes a visualização [do corte de cabelo] vista da televisão fica um bocadinho, ou muito, diferente daquilo que é na realidade. E eu tendo essa perceção, já pela experiência que tenho nesta matéria quando corto o cabelo ao Rui Vitória, porque é de todas as pessoas que corto o cabelo na área técnica aquele que mais aparece, enquanto eu não vejo a conferência de imprensa não descanso. Só para ver como é que ficou [Risos]. É um corte de excelência certamente, sem margem de dúvida", atirou Daniel Ribeiro.

Tesouras e navalhas da 'Barbearia do Bairro'
Tesouras e navalhas da 'Barbearia do Bairro'. créditos: Eduardo Santiago
"Acho que temos de ser profissionais. Se eu me colocar a questioná-los sobre essas coisas, 'olha, mas agora vais para onde?' 'Porque é que não colocas este, ou aquele jogador' para mim não faz sentido"

Já um pouco mais à vontade para fazer perguntas mais pessoais, não resistimos à tentação de questionar Daniel Ribeiro se costumava abordar assuntos relacionados com futebol quando tem um profissional à sua frente. O experiente barbeiro recordou que tem muitos clientes de outras áreas e que não costuma falar das suas profissões, considerando que nesse sentido evita falar de futebol com jogadores e garante que não tem 'essa curiosidade'.

"Eu tento sempre [não falar do assunto], e isto faz parte também da minha forma de estar, tenho aqui muitos clientes que não sei minimamente aquilo que eles fazem na vida, e já lido com eles há imenso tempo, mas no entanto eu não sei, não tenho essa curiosidade de saber. E acho que independentemente da confiança que tenho, ou não, com cada um deles não tenho o direito de os estar a questionar sobre [assuntos do seu trabalho]. Eles já vivem intensamente com muita pressão no seu dia-a-dia de futebol e estarmos sistematicamente a falar de futebol acho que não faz sentido", começa por dizer Daniel Ribeiro.

"O ser um profissional de cortar cabelo não é só cortar cabelo"

"Ou seja, quando alguém vem aqui, ou quando alguém quer cortar o cabelo e eu vou ao sítio onde for, tem de ser um momento de descontração. Deveria ser assim, pelo menos. Há as pessoas que gostam muito que lhe mexam na cabeça, e se nós os estamos a bombardear com certas e determinadas questões as pessoas acabam por não se sentirem à vontade. E acho que temos de ser profissionais. Se eu me colocar a questioná-los sobre essas coisas, 'olha, mas agora vais para onde?' 'Porque é que não colocas este, ou aquele jogador' para mim não faz sentido. Não me cabe a mim fazer essa pergunta. Eu entendo isto desta maneira. Não tenho essa tentação. Prefiro falar doutros assuntos. Até há alturas que nós temos de ter a capacidade de perceber se até a pessoa está realmente disposta a falar ou não. Isto faz parte de um profissional também", acrescenta Daniel Ribeiro.

"O ser um profissional de cortar cabelo, não é só cortar cabelo. Existe um contexto de situações envolventes que nós temos de ter a capacidade de visualizar e ter essa perceção. E no nosso caso nós gostamos de lidar, eu, a Ana, que estamos aqui diariamente, gostamos de ter sempre isso em questão. Gostamos que as pessoas se sintam bem, o que é que me interessa saber o que é que a pessoa faz ou deixa de fazer. Interessa-me talvez perguntar como é que está a família dele, os filhos estão bem? Que eu também conheço e que se calhar até são clientes também. 'O teu filho esteve doente, está melhor? Sim, agora está a melhorar', isso também me deixa contente. Por isso é que eu às vezes digo, formar-se barbeiros em seis meses se calhar não é a melhor opção. Em vez de estarmos a dar trabalho qualitativo se calhar estamos a perder essa tendência e essa dignidade profissional que e tem vindo a ganhar nos últimos anos, mas que se pode vir a perder num futuro bem próximo. E é uma pena porque foi um trabalho tão bem conseguido e tão importante de se ter feito", sentenciou Daniel Ribeiro.

Primeiro o cabelo e depois a barba: Ou como bati à porta de Raul Meireles e acabei por cortar o cabelo ao som do fado

Habituado a ser chamado por jogadores da Seleção Nacional antes das partidas da comitiva portuguesa para o estrangeiro, Daniel Ribeiro nunca mais esqueceu o dia em que Raul Meireles lhe telefonou para aparar a barba e acabou por ter uma surpresa 'musical' de um jogador 'um bocadinho à frente daquilo que ia acontecer em termos de moda'.

"Quando entrei no quarto estava a ouvir fado e pergunta-me 'importas-te que esta música esteja a tocar?'"

"O Raul Meireles era uma daquelas personagens que estava sempre um bocadinho à frente daquilo que ia acontecer em termos de moda. Já quando ele usava aquela barba grande toda a gente olhava de lado, mas de facto passado uns tempos as barbas passaram a aparecer em grande plano. O Raul Meireles era daqueles indivíduos, para já uma excelente pessoa, muito respeitador. Posso-lhe contar aqui só um episódio que não é segredo. A dada altura, já não me recordo qual foi o jogo, mas sei que tinha estado em Óbidos e entretanto eles [seleção nacional] vêm para baixo porque têm de ir para o aeroporto e ficam num hotel em Oeiras", começa por nos contar Daniel Ribeiro.

"O Raul chama-me para lhe ir aparar mais a barba e o cabelo, e depois até acabei por cortar mais cabelos. E então quando chego ao hotel fui primeiro tratar do Raul, e quando entrei no quarto estava a ouvir fado e pergunta-me 'importas-te que esta música esteja a tocar?'. Eu disse-lhe 'eh pá, não de todo, eu gosto muito de fado, aliás, eu gosto de todo o género de música, por mim não faz diferença nenhuma, acho que está espetacular. Nunca cortei o cabelo a ouvir fado. Só para vocês verem que de facto o que ele era como pessoa", revela o experiente barbeiro.

"Às vezes tira-se uma imagem, uma ilação, só porque ele usava uma barba grande, aquela crista muito bem definida - que às vezes não era fácil de fazer, embora parecesse mas não era fácil de fazer, porque a aquilo tinha de estar geometricamente tudo em ordem, não podia estar mais nem de um lado nem do outro, tinha de estar tal como ele queria. Era muito exigente nessa matéria, e realmente fez-se ali o trabalho a ouvir um fado. Se eu dissesse isto, ou as pessoas ouvissem isto, ninguém acreditaria dado às vezes o aspecto da pessoa. 'Ah, ele gosta é de música pesada', se calhar até também gosta, como às vezes nós, também, nos apetece ouvir um bocadinho de música de outros géneros. E de facto foi um episódio muito engraçado que tive com ele. Não diria que fosse o cabelo mais complicado, mas que tinha um grau de exigência muito grande, lá isso tinha", acrescentou Daniel Ribeiro.

Um pormenor do atelier de Daniel Ribeiro
Um pormenor do atelier de Daniel Ribeiro. créditos: Eduardo Santiago

Do bigode de Luís Filipe Vieira ao corte de Herrera, passando pelos conselhos a Jorge Jesus e a Fábio Coentrão

Em jeito de conclusão, desafiámos Daniel Ribeiro a pronunciar-se sobre algumas das personalidades atuais do futebol português e como poderiam mudar a sua imagem junto do grande público. O cabeleireiro profissional falou do caso de Herrera e não resistiu em falar de um 'capricho' que tem há alguns anos: o bigode do presidente do S.L. Benfica.

"Há um jogador que me transcende muito no seu corte de cabelo e que eu nunca o aconselharia a fazê-lo que é o Herrera, do F.C. Porto. Acho que o rosto dele não se adapta minimamente àquele tipo de corte. É a referência que eu tenho neste momento. Se fosse eu a trabalhá-lo, decididamente não seria assim", disse-nos Daniel Ribeiro.

"O bigode de Luís Filipe Vieira? Adorava aparar aquele bigode. Muito sinceramente, até já tinha pensado nisso. Nunca o vi no Seixal, senão já lhe tinha dito. Acho que seria engraçado, é um capricho meu porque acho sinceramente que ele, independentemente de ser presidente, é boa pessoa. É a noção que eu tenho embora não o conheça pessoalmente. Não sei se lhe faria qualquer coisa de diferente ou não", assumiu entre risos Daniel Ribeiro.

"Fábio Coentrão? Cortei-lhe algumas vezes o cabelo, se ele devia de mudar? Se calhar outras coisas, o cabelo não", atirou o experiente barbeiro.

"O que faria no cabelo do Jorge Jesus? Faria aquilo que ele com certeza me deixasse fazer [risos]. Conhecendo a personalidade do 'mister', podia aconselhá-lo a fazer algumas mudanças naturalmente, e acho que lhe ficaria muito bem, mas não sei".

"Os caracóis do Fernando Santos? O Fernando Santos foi uma pessoa a quem eu nunca cortei o cabelo, ou porque não calhou, ou porque também já tem o seu barbeiro há alguns anos, e isso também é uma característica muito específica deste ofício: as pessoas envolvem-se muito com a pessoa que lhes trata o cabelo há muitos anos e é perfeitamente natural. Há que respeitar isso", sentenciou Daniel Ribeiro.

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