A reforma do regime jurídico das sociedades desportivas “fica na história” como a que “mais consenso gerou” no parlamento e tem sido “elogiada a nível internacional”, afirmou hoje o secretário de Estado da Juventude e do Desporto.
“É uma reforma que tem sido elogiada no plano internacional. Temos sido contactados por países que são potências do futebol europeu e também do Brasil, que nos pediram informação sobre a reforma e reconhecem os ganhos que esta reforma traz”, disse João Paulo Correia.
O governante, que falava, via plataforma digital, durante um evento organizado pela Abreu Advogados sobre o novo regime jurídico das sociedades desportivas, em Lisboa, reforçou que a nova lei, que, neste momento, apenas carece de promulgação do Presidente da República, foi trabalhada para a “defesa da idoneidade e combate aos conflitos de interesses”.
“Tem pouco paralelo noutros estados-membros da União Europeia. Aos olhos das instâncias que acompanham a atividade desportiva internacional é uma reforma marcante e que deve ser replicada noutros países. Fica na história como a reforma no desporto que mais consenso gerou na Assembleia da República”, disse João Paulo Correia, admitindo, contudo, que “como qualquer reforma, não é perfeita” e poderá vir a sofrer alterações no futuro, caso assim haja necessidade.
Além de não deixar “cair a matriz associativa do desporto português”, o novo regime jurídico defende o “reequilíbrio de direitos entre clube e sociedade desportiva”, sendo que, além das SAD e das SDUQ, “passará a ser permitida uma terceira forma societária”, no caso uma “sociedade comercial por quotas”.
Por outro lado, além de um representante nomeado por um clube para integrar a administração da sociedade, os sócios dos clubes poderão passar a designar um administrador não executivo e sem direito de voto para a mesma administração da sociedade, como forma de “aproximar a Assembleia-Geral, os sócios, da administração” dessa sociedade.
Além da obrigatoriedade de um investidor ter de “provar a proveniência legal do capital” que será injetado numa sociedade, ficam “afastados do investimento qualificado, da administração e da gerência aqueles que estejam direta ou indiretamente ligados a casas de apostas”, bem como “aqueles que estejam direta ou indiretamente ligados à intermediação de jogadores”.
O novo regime jurídico permite ainda que um clube que já tenha criado uma sociedade desportiva possa criar uma segunda para o futebol, “desde que esta segunda seja exclusivamente direcionada para equipas femininas”.
Se, na atual lei, ainda em vigor, qualquer clube tem de deter um mínimo de 10% do capital social da sociedade desportiva que criou, com a reforma do regime jurídico a percentagem baixa para 5%. Contudo, na lei estará plasmado que “os clubes fundadores não podem alienar o capital mínimo que são obrigados a deter na sociedade desportiva”, algo que, segundo João Paulo Correia, “o governo quis manter e a Assembleia da República quis reforçar”.
“Não é uma medida que agradará a todos e respeito isso”, admitiu o secretário de Estado, explicando por que se procedeu a esta alteração: “Visa impedir que todos os clubes que participem em sociedades desportivas pudessem sair dessa sociedade, constituir outra a seguir, sair dessa, e assim sucessivamente. Defendemos uma sociedade desportiva em que o clube está lá”.
É precisamente sobre este ponto que o presidente do Belenenses, que também marcou presença no evento, se mostrou contra, considerando mesmo que é uma lei inconstitucional, isto apesar de realçar “o trabalho rápido e extraordinário” realizado pelo governo.
“Mas é pena que, no final do dia, tenhamos uma lei que está claramente ferida de inconstitucionalidade. Tenho poucas dúvidas de que esta lei vai ser devolvida pelo Presidente da República. Segundo o n.º 7 do artigo 11, qualquer venda da participação social do clube abaixo dos 5% será considerada nula. O governo esteve mal neste ponto, a opção legislativa e política é errada”, afirmou Patrick Morais de Carvalho, líder do Belenenses, que travou uma longa e exaustiva batalha com a SAD dos ‘azuis’, na altura detida na sua maioria pela Codecity, que levou mesmo à separação, em 2018, das duas partes.
Morais de Carvalho referiu que esta alteração “não reequilibra a relação entre clube e sociedade”, uma vez que, considerou, “o clube fica agrilhoado eternamente à sociedade que constitui, ao passo que o investidor pode entrar, pode sair, pode vender, pode voltar a entrar”.
De resto, o presidente do Belenenses lembrou que “não é verdade que, com a anterior lei, o clube fundador não pudesse alienar a participação na SAD”, recordando precisamente o caso do emblema do Restelo que, em 2018, vendeu os 10% que ainda detinha na sociedade e ‘libertou-se’ da sociedade que geria o futebol profissional dos ‘azuis’, que, mais tarde, viria a designar-se por BSAD, já sem qualquer ligação ao clube lisboeta.
“Nós obtivemos uma sentença em primeira instância, mas a Relação e o Supremo vieram dizer outra coisa, por isso é que o Belenenses pôde alienar o capital. Por isso é que o legislador sentiu agora a necessidade de ir à lei escrever textualmente que, se o clube vender abaixo a participação dos 5%, essa venda é nula”, apontou.
O novo regime jurídico das sociedades desportivas foi aprovado em 16 de junho em votação final global pelo plenário da Assembleia da República, depois de ter sido aprovado na especialidade.
A proposta, que foi alvo de algumas alterações na comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, tinha sido aprovada em Conselho de Ministros, em janeiro, e no Parlamento, na generalidade, em março.
O novo regime aperta as regras para as sociedades desportivas, com a criação de um regime contraordenacional em situação de incumprimento das obrigações e deveres consagrados, a redução dos conflitos de interesses, o reforço dos direitos dos clubes e dos requisitos de idoneidade ou a introdução de mecanismos de transparência pública.
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