Alguns dos moradores do histórico bairro da Mafalala, na capital moçambicana, lamentam as promessas de desenvolvimento por cumprir e o combate que está por fazer ao desemprego e ao tráfico e consumo de droga.
Andraxo Manuel Simango gere um pequeno negócio em que se vende serviços de pagamento digital, entre outras bancas irregularmente semeadas pelo passeio do bairro icónico de onde saíram os chefes de Estado Samora Machel e Joaquim Chissano, o futebolista Eusébio e a poetisa Noémia de Sousa.
“O bairro tem de melhorar. Os jovens aqui do bairro (…) estão a ser levados, os miúdos têm muitos vícios, aqui na Malafala há muita bandidagem. (…) Temos a esquadra lá em cima, mas não há nada que esteja a melhorar. Os jovens estão nas drogas”, lamenta.
Num momento em que mais de 17 milhões de moçambicanos são chamados a escolher um novo Presidente, quer acreditar que o candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder desde a independência, pode trazer a mudança que, convictamente, define como urgente. E o escolhido para suceder a Filipe Nyusi, que atingiu o limite constitucional de dois mandatos, pode ser a solução, diz, para um país que “está doente, a precisar de uma cura”.
“A Malafala é um bom bairro, um bairro histórico. (…) Pode melhorar. Nós acreditamos. Um novo mandato, do Chapo, ele tem de criar emprego para os jovens. (…) Em Maputo não há emprego. Queremos que o Chapo traga boas condições para os jovens, para todos, seja a mamã, seja o vovô, queremos uma boa vida. (…) Nós vamos acreditar no Chapo, vamos ver, não é?”, conclui.
Timóteo Matime prepara-se para entrar na encruzilhada de ruelas que dão forma ao bairro que serve de abrigo a cerca de 20 mil pessoas de diferentes etnias e religiões e é um legado do movimento migratório no país e do segregacionismo colonial português.
As casas são pontuadas pelo cimento e pelas chapas de zinco. Por estas, serpenteiam caminhos de terra. E estes, por sua vez, são rasgados por algumas linhas de água que arrastam os inevitáveis despejos dos moradores.
O bairro dista curtos quilómetros do palácio presidencial, mas, para Timóteo, permanece longe das prioridades políticas. “Às vezes dizem que é o bairro dos drogados”, mas se existisse “mais emprego para os jovens o bairro da Mafalala não seria o que falam”, assegura, defendendo que qualquer mudança só pode acontecer “se o partido for trocado”, referindo-se à Frelimo, no poder desde 1975.
Afinal, argumenta, “mesmo uma pessoa não pode estar a toda a hora a comer só arroz, tem também às vezes parar de comer arroz [e] comer xima [prato à base de farinha de milho], para ver o que a xima lhe vai fazer”.
Ussimane Abdul Amade, de 67 anos, destaca-se no fundo de um campo de terra batida, com uma camisola do Sporting, muito perto de um mural dedicado ao Eusébio, no qual o antigo futebolista surge com o equipamento encarnado do Benfica e, noutra imagem, a ostentar a camisola verde do então Sporting de Lourenço Marques.
A visão do bairro não podia ser mais antagónica. Garante que hoje é seguro e, por isso mesmo, um ponto de atração turístico: “É um bairro que qualquer estrangeiro quer conhecer. Quer ver o que é. (…) Neste momento é um bairro com muita fama a nível internacional”.
O militante de base da Frelimo aceita que se fale da insegurança de outrora, mas salienta que tudo mudou, entretanto. “Toda a gente tinha medo de vir para o bairro, porque havia muita insegurança, mas neste momento é um bairro sossegado, já não tem grandes problemas, (…) podes passar aqui à meia-noite. (…) Antes, mesmo às 19:00, tinhas receio de passar aqui”, admite.
“Eu penso que o Governo já tem um projeto para desenvolver o bairro, tanto o bairro da Mafalala como o de Chamanculo. Está no programa e penso que a curto prazo pode vir a acontecer, dependendo das pessoas que vão dirigir o país”, conclui.
Gil Fernando está desde manhã com os amigos junto ao mesmo campo de futebol. Queria ser jogador profissional, mas é no “ensino médio, a estudar construção civil” que está a apostar, esperançado em conseguir a oportunidade de ingressar no ensino profissional em Portugal.
Os problemas dos “jovens que se drogam muito” não lhe passam ao lado, mas também critica a polícia por “um trabalho que não está sendo feito a 100%”.
Mas, apesar da insegurança e das drogas, bem como do desemprego e da falta de oportunidades, a juventude que lhe será emprestada ainda durante algum tempo dá-lhe hoje uma certeza sobre o bairro: “Saíram daqui muitas estrelas. (…) Com tempo, vão passar aqui muitas gerações e fazer história”.
Hoje cumpre-se o último dia da campanha eleitoral das eleições gerais agendadas para quarta-feira.
Concorrem à Presidência da República Daniel Chapo, apoiado pela (Frelimo), Ossufo Momade, apoiado pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), maior partido da oposição, Lutero Simango, apoiado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro partido representando no parlamento, e Venâncio Mondlane, ex-membro e ex-deputado da Renamo, apoiado pelo Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), sem representação parlamentar.
*Reportagem Lusa de João Carreira (texto) e José Coelho (fotos)
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