“A única maneira de desistir do surf era se não tivesse dinheiro para comer. E já chegou perto, mas não aconteceu. O meu amor pelo surf é um amor que nunca senti por mais nada no mundo”, conta, em entrevista à Lusa, a surfista Yolanda Hopkins Sequeira, que entra em ação no domingo nos Jogos Olímpicos.
Esse amor, diz, “foi quase instantâneo” e começou aos oito anos, quando já tinha “uma grande ligação com o mar”, por acompanhar o pai perto da ilha do Farol. “Passava os verões todos com ele e muito tempo dentro do mar”.
Quando apareceu “a primeira escola de surf nas redondezas”, já Yolanda era uma criança a ‘rebentar’ desporto, praticando futebol, natação e ténis, com o professor de educação física a levá-la para as ondas.
“Foi mesmo instantâneo. Deitei-me na prancha, alguém me empurrou, era uma prancha de fibra, e apenas me pus em pé, ainda sem saber como. Foi uma sensação incrível, ficou marcado no meu coração”, descreve.
Bem longe de chegar ao título de campeã nacional, em 2019, e ao ‘vice’ nos World Surfing Games, já deste ano, em El Salvador, com que carimbou o ‘bilhete’ para Tóquio2020, a surfista teve de “abdicar de muita coisa”.
Dois anos antes do título de Portugal, já fazia campeonatos, já sabia que era “o que queria fazer”, mas as coisas raramente são assim tão fáceis.
“Mas não sabia se ia conseguir, com as dificuldades que tinha na altura. (...) A minha família não tem muitas possibilidades, além de que a viver na Quarteira, sem ondas quase o ano todo, era um bocadinho complicado”, explica.
A “dedicação total” levou-a a conhecer John Tranter, o treinador, que a levou a um ‘surf camp’ em que começou a treinar.
“O modo de treino dele resultava comigo, evoluía muito rapidamente. Sabia que se quisesse mesmo conseguir fazer do surf vida, teria de abdicar de muitas coisas, como acabei por fazer. Estava na escola no Algarve à semana, sexta-feira apanhava autocarro para Sines, passava o fim de semana e depois voltava”, relata.
No Pig Dog Surf Camp, foi crescendo e, mais tarde, começou a viajar para campeonatos fora da Europa, para somar mais pontos, da África do Sul às Américas e à Austrália, num salto que iniciou em 2019 e agora a vai levar às ondas da praia de Tsurigasaki.
Ao lado de Teresa Bonvalot, apurou-se em El Salvador, juntando-se a dupla a Frederico Morais na estreia olímpica do surf, após um torneio em que gostou “muito da ‘vibe’, da equipa, num sítio super porreiro”.
“Estava segura do meu surf. As ondas subiram e ficaram mais do meu agrado. Tentei mostrar o meu surf e resultou. Apurei-me com a Teresa e foi uma emoção do outro mundo. Fiz videochamada com o John [Tranter] depois de celebrar e comecei a chorar. Só choro a sair. Não parava”, confessa.
O segundo lugar nos World Surfing Games “ainda não assentou bem” na cabeça, até porque sem duas quedas teria conseguido o primeiro lugar, garante, recordando dois obstáculos, na água, que só pôde experienciar por superar muitos outros fora dela.
Angariar fundos e patrocínios, por exemplo, nunca foi fácil, conta. “Mesmo hoje em dia ainda estou na luta. Não tenho um patrocinador grande, que preciso para realizar e fazer isto o resto da minha vida”, diz.
Até ao ‘outro’ sonho, o de chegar ao circuito mundial da modalidade, terá de continuar na luta, que até aqui se foi fazendo muito com a ajuda de pessoas que acreditaram no seu potencial.
“Muitas das pessoas que me ajudaram são clientes do ‘surf camp’ e viram a dedicação que tinha ao surf, do que abdicava, como levava a vida, e ofereceram-me muitas vezes dinheiro para as viagens que necessitava. Uma das senhoras que conheci é cliente de lá e quando me qualifiquei para fazer um campeonato 5.000 na Califórnia, não tinha como ir. Não tinha dinheiro nenhum, nada. Viu a luta que estava a ter, ligou o computador e comprou um bilhete para mim e para o meu treinador. Isto é um de muitos. Aconteceu muitas vezes”, revela.
Sem poder trabalhar para continuar a “surfar a este nível”, com a presença nos Jogos, um evento que “três quartos do mundo vê”, com “uma visibilidade mundial”, que vai para lá dos apaixonados da modalidade, espera poder chegar a outros patamares.
De resto, e conhecendo “quase todas as qualificadas” para a prova, está convicta de que não é “uma coisa fora do atingível chegar ao pódio”, por confiar no surf que tem e na forma em que chega.
“Não seria uma coisa do outro mundo. [O Mundial] ajudou a certificar-me, a mim própria, da minha competência”, remata a atleta, de 23 anos, que representa o Clube Naval de Portimão.
Os Jogos Olímpicos Tóquio2020 vão decorrer entre sexta-feira e 08 de agosto, após o adiamento de um ano devido à pandemia da covid-19.
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