O universo de federações desportivas em Portugal conhece apenas três presidentes de direção mulheres em exercício, que expressam, à Lusa, um desejo de mudança e maior paridade para mudar o próprio desporto no caminho do progresso.

Aos 53 anos, a médica dentista Marina Rodrigues lidera a Federação Portuguesa de Dança Desportiva (FPDD), desde novembro de 2021, e tem “aprendido muita coisa e conhecido pessoas fantásticas”, com homens que são “verdadeiros cavalheiros”, revela.

“Não vejo discriminação por ser mulher. (...) Gostava bastante [de mais mulheres presidentes]. As mulheres têm um valor acrescentado, muita coisa para dizer, e podem trazer mais-valias ao desporto em várias frentes”, comenta.

Lembra a necessidade de se ter “noção do volume de trabalho que implica”, numa federação “com poucos recursos financeiros” e uma modalidade olímpica, o breaking, e um compromisso em que a vida pessoal, e sobretudo para as mulheres, dada a maternidade e outras pressões sociais, pode ‘pesar’.

“É com certeza um bloqueio, sobretudo mulheres com crianças pequenas. Enquanto tive os meus filhos pequenos, nem sequer pensava no cargo”, conta a antiga juiz de prova e presidente associativa.

Na Federação Portuguesa de Lohan Tao Kempo (FPLK), que regula a prática da arte marcial kempo no país, está Vera Rebelo, que destaca um papel “bastante gratificante” no crescimento da modalidade e como “voz ativa numa sociedade ainda maioritariamente patriarcal”.

Sem ter encontrado diferenças de maior na federação, em que o trabalho “é reconhecido pela competência, profissionalismo e resultados, e não em função do género”, lidera uma modalidade com milhões de praticantes pelo mundo fora, e cerca de 70% deles homens.

Em Portugal, destaca, a realidade de cerca de 12 mil praticantes aproxima de 42% o número de mulheres, e a federação espelha uma paridade diferente, com a presença do género feminino nos órgãos sociais daquela entidade a rondar os 60%.

Aqui, a voz feminina vai mais longe e chega a ocupar vários lugares por inteiro, como se pode constatar na página dos órgãos sociais na Internet, com a Mesa da Assembleia Geral, por exemplo, com Irina Pimenta como presidente, Maria Agostinho como ‘vice’ e Tânia Dias como secretária.

Também o Conselho de Disciplina é 100% feminino, com Sara Coelho Machado a presidente, Sílvia Varão e Andreia Almeida vogais, e Liliana Carvalho suplente – as alterações ao Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), para fomentar a paridade nestes organismos, aprovada este mês, estipula um quinto de cada género até ao fim de 2025, um terço depois disso.

“É importante a igualdade de representação de homens e mulheres nos órgãos sociais das federações. É pena que isto não seja um conceito natural e intrínseco na sociedade e que seja necessário criarem leis para nos dizerem como devemos agir em relação ao tema de igualdade de género e a não discriminação”, lamenta a dirigente federativa.

Vera Rebelo deixa, de resto, um conselho a mulheres que queiram enveredar pelo dirigismo: “que acreditem que o sucesso não tem género e que é importante lutar por mais oportunidades e reconhecimento”.

Quem fala muito com Vera Rebelo sobre a experiência federativa é a advogada Cesaltina Conceição, mulher de muitos ofícios – além do direito, preside aos destinos da petanca nacional e é deputada à assembleia de freguesia de São Brás de Alportel, em Faro.

Foi jogadora de petanca, tem curso de delegada técnica e de árbitra, integrou o Conselho de Disciplina e agora preside à Federação Portuguesa de Petanca (FPP) que procura rejuvenescer uma modalidade envelhecida e aumentar a base de jogadores, além de a aproximar das práticas e regulamentos internacionais.

“Já vamos tendo infantis, cadetes, juniores e sub-23, mas temos uma média etária muito mais velha, portanto dos 40 para cima, com jogadores na casa dos 50, 60, 70 anos. Aí, é difícil mudar a mentalidade, e claro que, como mulher, eles não demonstram muito, mas sinto [diferença]”, explica à Lusa.

Essa diferença, admite, sente-a mais ‘subterrânea’ no dia a dia, sem “tratamento diferente”, embora que, no calor do jogo, já tenha ouvido alguns desejos de que saia da modalidade, mais pela questão das regras do que pelo género.

A alteração legislativa aprovada este mês, diz, “vem tentar mudar um bocadinho essa modalidade”.

Se “vão aparecer mais mulheres”, também teme que sejam escolhidas “só porque têm de as pôr lá”, como viu acontecer na política.

Ainda assim, pede “maior sensibilização” para a questão, vê também o problema de conciliação entre a vida e a federação, mesmo que “quem corra por gosto, não canse”, e destaca que mais mulheres ‘geram’ mais mulheres a participar.

“Se tivermos mais mulheres, faz com que as modalidades sejam vistas de outra forma pelas mulheres. Mesmo aqui, na petanca, sentem, em relação à presidente, uma forma diferente de apoio. (...) Com mais mulheres nas federações mais pequenas, até nas grandes, o desporto podia ser visto de outra forma pelas mulheres”, reforça a líder da FPP desde 2020.