Inês Henriques capitalizou a abertura dos 50 quilómetros marcha às mulheres para chegar aos títulos mundial e europeu, então já com uma carreira feita, sendo também vítima do desaparecimento desta distância dos calendários das grandes competições.

“Em 2016, fiz três vezes o meu melhor tempo nos 20 quilómetros, mas estava a pensar terminar a carreira, porque já tinha feito tantas coisas. Com 36 anos, também pensava engravidar, mas, depois, o Jorge [Miguel, seu treinador de sempre] viu que eu precisava de um novo desafio”, recordou a marchadora de Rio Maior, em entrevista à agência Lusa.

Foi após o 12.º lugar no Rio2016, na ressaca de um ano de 2015 para esquecer, que prometeu ser a primeira portuguesa a enfrentar os 50 quilómetros marcha. E cumpriu. Em 15 de janeiro de 2017, em Porto de Mós, estabeleceu em 04:08.26 horas o recorde do mundo da distância, que viria a melhorar sete meses depois, em 13 de agosto, quando se sagrou campeã mundial.

“Ele [Jorge Miguel] lançou-me este desafio. Fui para casa, pensei e, menos de duas horas depois, dei-lhe a resposta. Até estava lesionada, mas, sem pensar muito, aceitei o desafio. E deu-me uma energia diferente”, recordou.

Confiante de que o empenho – de quem assume que quando falhou foi por excesso de treino – lhe poderia dar algo diferente nesta nova distância, introduzida nas competições como corolário da igualdade de género.

“Eu sempre acreditei no nosso projeto, e o Jorge Miguel acreditou ainda mais do que eu, e fui trabalhar”, referiu a marchadora, também licenciada em enfermagem, que, depois de oito presenças em Mundiais arriscou numa aventura maior, mas encurtada pela não inclusão da distância no programa olímpico para Tóquio2020.

Os 50 foram também abolidos do calendário masculino e universalizou-se a prova de 35 quilómetros até aos Mundiais disputados em agosto último, em Budapeste, uma vez que já não integra o calendário para os Jogos Paris2024, num revés para a carreira da marchadora ribatejana.

“Eu tentei adaptar-me aos 35, mesmo não sendo igual aos 50, porque a partir dos 40 é outra história. Apesar disso, ainda sentia alguma capacidade para os fazer e como colocaram 35 para homens e 35 para as mulheres, na igualdade de género possível, achei que isso tinha acontecido porque eu trabalhei para isso, queria lá estar”, sublinhou.

O desfecho ficou longe do desejado, com a desistência após 14 quilómetros em Budapeste, onde, mesmo assim, igualou a conterrânea Susana Feitor como a atleta com mais presenças em Campeonatos do Mundo (11), num registo só superado pelos também marchadores João Vieira e Jesus Ángel García Bragado.

É essa história, em contraste com os “meandros menos bonitos do desporto”, durante a batalha pela introdução dos 50 quilómetros em Tóquio2020, que deixam a certeza na resposta de Inês Henriques quando questionada se tudo valeu a pena.

“Claro que sim. Eu trabalhei estes mais de 30 anos com o Jorge, que, tal como a minha família me deu valores muito bons. Ele também foi um educador, porque eu estou com ele desde os 12 anos. Consegui muitas coisas e posteriormente consegui um sonho, que era ser das melhores do mundo. Já tinha tido vários top-10, já não acreditava muito que poderia ganhar uma medalha num grande campeonato, mas os 50 quilómetros deram-me outra energia e foi possível”, recordou, num desafio de superação pessoal por “mostrar algo que diziam que era impossível”.