O calculismo de Jonas Vingegaard derrotou hoje a impulsividade de Tadej Pogacar, com o ciclista dinamarquês a ganhar mais um segundo na intensa batalha pelas bonificações, num dia em que Carlos Rodríguez se estreou a vencer no Tour.
A participar pela primeira vez na ‘Grande Boucle’, o ‘miúdo’ espanhol da INEOS, de apenas 22 anos, beneficiou da marcação ‘cerrada’ entre os dois primeiros da geral para isolar-se na descida rumo a Morzine, onde chegou após 03:58.45 horas, e justificou, pela primeira vez, o último lugar do pódio, que agora é seu, depois de o australiano Jai Hindley (BORA-hansgrohe) ter tido uma 14.ª etapa para esquecer.
“É incrível. Ainda não encontrei palavras. Estar aqui [no Tour] era um sonho, conquistar uma vitória na melhor corrida do mundo é fantástico. É algo que sempre ambicionei alcançar e consegui. Estou superfeliz”, assumiu Rodríguez, que até tinha ficado para trás no Col de Joux Plane, mas fez a subida ao seu ritmo, enfrentando, depois, a descida “tão rápido quanto possível” e aproveitou a ‘vigilância’ entre Pogacar (UAE Emirates) e Vingegaard, que foram segundo e terceiro na etapa, a cinco segundos.
A nova batalha pela geral comprovou aquilo que todos já tinham percebido: o camisola amarela e o seu ‘vice’ esloveno (e as respetivas equipas) estão igualados em forças, com as bonificações a serem, para já, o mais válido critério de desempate. Hoje, levou a melhor o dinamarquês da Jumbo-Visma, que amealhou mais um segundo do que o líder da juventude e tem agora 10 de vantagem sobre ‘Pogi’.
A jornada começou tão agitada como o final, já que uma queda coletiva, cinco quilómetros após o início dos 151,8 entre Annemasse e Morzine, levou à neutralização momentânea da 14.ª etapa, com a organização a parar o pelotão para que os serviços médicos pudessem assistir todos os azarados – o sul-africano Louis Meintjes (Intermarché-Circus-Wanty), crónico candidato ao top 10 do Tour e então 13.º da geral, desistiu, assim como o colombiano Esteban Chaves (EF Education-EasyPost) e o espanhol Antonio Pedrero (Movistar).
A estrada molhada foi a responsável pela primeira grande queda da 110.ª Volta a França, que apanhou o então terceiro classificado Jai Hindley, e o oitavo, o britânico Thomas Pidcock (INEOS), e obrigou a nova partida, após uma paragem de cerca de meia hora.
O susto não desmoralizou os ciclistas que ambicionavam ganhar a tirada de hoje, que, apesar das três contagens de primeira categoria e uma de categoria especial espalhadas pelo percurso, tinha o perfil ideal para uma fuga bem-sucedida, uma vez que acabava em descida, após o duríssimo Col de Joux Plane.
Assim, ainda antes de Romain Bardet (DSM-Firmenich) abandonar devido a uma queda a descer, ao quilómetro 25, já uma ‘multidão’ tinha escapado ao pelotão. Entre esses corredores estavam o vencedor da véspera, o polaco Michal Kwiatkowski, e o seu colega Daniel Martínez (INEOS), o então camisola da montanha Neilson Powless (EF Education-EasyPost), Mikel Landa (Bahrain Victorious), Julian Alaphilippe (Soudal Quick), Guillaume Martin (Cofidis), Giulio Ciccone (Lidl-Trek), ou Thibaut Pinot (Groupama-FDJ).
Mas nem a qualidade do ‘elenco’ permitiu que a fuga do dia, que chegou a ter quatro minutos de vantagem, fosse longe, com a Jumbo-Visma a desmentir as declarações dos seus diretores desportivos ao anular a iniciativa, a 58 quilómetros da meta, depois de ter ‘brincado’ com os fugitivos durante dezenas de quilómetros, mantendo-os à vista, a menos de 60 segundos.
O ritmo demolidor da formação neerlandesa fez as primeiras ‘vítimas’ no Col de la Ramaz, com Pidcock a descolar ainda antes do alto da montanha de primeira categoria, ‘palco’ da desistência de Ruben Guerreiro (Movistar), que era o melhor português na geral, na 25.ª posição, e que ainda há dois dias tinha sido nono na 12.ª etapa, um lugar só superado pelo quarto na sexta.
A Jumbo-Visma continuaria a eliminar concorrência no Col de Joux Plane, a subida de categoria especial de 11,6 quilómetros de extensão onde Pello Bilbao (Bahrain Victorious), Simon Yates (Jayco AlUla) ou David Gaudu (Groupama-FDJ) ‘naufragaram’ ainda na fase inicial, por ‘culpa’ do extraordinário trabalho de Sepp Kuss.
A cadência do norte-americano colocou em dificuldades, a cinco quilómetros do topo, o azarado Hindley, que perdeu o contacto com o grupo, reduzido pouco depois a Vingegaard, Pogacar e o seu companheiro Adam Yates, após também Rodríguez ter sido descartado.
A tática da Jumbo-Visma voltou a não funcionar, uma vez que o esloveno da UAE Emirates arrancou a quatro quilómetros do alto de Joux Plane e deixou o dinamarquês de 26 anos sem resposta. Mas o campeão em título não desistiu, encontrou o ritmo que lhe convinha e continuou no encalço de ‘Pogi’, que esteve sempre na sua ‘mira’, a um punhado de segundos.
Os dois ‘reuniram-se’ a 13,5 quilómetros da chegada e deixaram para a história uma imagem raramente vista no Tour: uma marcação, em subida, semelhante às do ciclismo de pista, prenúncio do ataque de Pogacar para somar bonificações no ‘ponto quente’ instalado no alto, prejudicado pelas motas da organização, que ‘travaram’ a arrancada do esloveno.
Visivelmente zangado, o bicampeão do Tour (2020 e 2021) desistiu da empreitada e foi mesmo derrotado por Vingegaard, que somou oito segundos, contra os cinco do ciclista da UAE Emirates. Os dois, demasiado preocupados em marcar-se, seriam mesmo alcançados por Adam Yates e Rodríguez, que fez a descida da sua vida para dar o segundo triunfo consecutivo à INEOS nesta edição e o terceiro a Espanha.
“Corri alguns riscos, sem ir, no entanto, ao limite, porque não queria cair”, descreveu, depois, o novo terceiro da geral, que trocou de posições com Hindley – o espanhol está a 04.43 minutos de Vingegaard, com o campeão do Giro2022 apenas um segundo atrás, após hoje ter perdido 01.46 para o vencedor.
No dia em que a representação portuguesa ficou reduzida a dois ciclistas, Rui Costa (Intermarché-Circus-Wanty) foi 44.º, a 27.19 do espanhol da INEOS, e Nelson Oliveira (Movistar) 55.º a 29.03.
Na geral, o corredor da Movistar é 52.º, a praticamente duas horas do camisola amarela, e o campeão mundial de fundo de 2013 está já a quase três, uma ‘barreira’ que deve ser transposta no domingo, nos 179 quilómetros alpinos entre Les Gets e Saint-Gervais Mont-Blanc, com três contagens de primeira categoria no percurso, a última das quais a coincidir com a meta.
Comentários