Um irrepreensível Jonas Vingegaard provou hoje que é possível derrotar o ‘extraterrestre’ Tadej Pogacar, ao concluir na perfeição uma jornada atacante da Jumbo-Visma na Volta a França em bicicleta, vencendo a 11.ª etapa e vestindo a amarela.

Uma estratégia exímia da equipa neerlandesa, aliada à inédita quebra sofrida pelo jovem esloveno da UAE Emirates, a primeira em três participações, permitiu ao dinamarquês depender apenas de si próprio para chegar à amarela, algo que concretizou com um ataque a cerca de cinco quilómetros do alto do Col du Granon, que coroou isolado, após 04:18.02 horas na estrada.

Aos 25 anos, e naquela que é a apenas a sua segunda participação na ‘Grande Boucle’, Vingegaard estreou-se a vencer na prova francesa e assumiu-se como grande favorito a suceder Pogacar, ‘despromovido’ ao terceiro lugar na geral, depois de perder 02.51 para o seu ‘vice’ da passada edição.

Numa etapa de ‘loucos’, em que a Jumbo-Visma esteve ao ataque durante praticamente toda a jornada e em que os ‘clássicos’ Nairo Quintana (Arkéa-Samsic) e Romain Bardet (DSM) ‘renasceram’, sendo segundo (a 59 segundos) e terceiro (a 01.10 minutos) na meta – o francês subiu mesmo a segundo da geral -, o novo camisola amarela deu uma lição de humildade a ‘Pogi’, que hoje ‘pagou’ pela soberba de atacar desnecessariamente só para exibir a sua superioridade.

"Fui atacado pela Jumbo-Visma, eles jogaram bem hoje [quarta-feira]. Taticamente, eles fizeram um trabalho muito bom", afirma Pogacar.

Vencedor das duas últimas edições da Volta à França, o ciclista de 22 anos promete continuar a lutar pela terceira vitória no Tour: "Amanhã [quinta-feira] veremos, quero a vingança. O Tour ainda não acabou!"

A primeira das duas ‘terríveis’ etapas consecutivas nos Alpes começou debaixo de um calor insuportável, um adversário extra nos já de si duríssimos 151,7 quilómetros entre Albertville e o Col du Granon, com passagens nos belos e intrincados Lacets de Montvernier, de segunda categoria, e nos ‘colossos’ Télégraphe (primeira) e Galibier (categoria especial), o ponto mais alto da 109.ª edição, a 2.642 metros de altitude.

A perspetiva daquilo que estava para vir não intimidou os ‘bravos’ do pelotão, com os ‘melhores inimigos’ Wout van Aert (Jumbo-Visma) e Mathieu van der Poel (Alpecin-Deceuninck) a reeditarem a maior rivalidade do ciclismo atual assim que a partida real foi dada – o camisola verde tinha assumido ter saudades dos ‘despiques’ com o neerlandês e, hoje, ‘MVDP’, muito discreto neste Tour, fez-lhe a vontade, antes de desistir da prova.

A classe dos dois primeiros fugitivos elevou a ‘fasquia’ no pelotão e foram vários os corredores que se lançaram à aventura; ao quilómetro 31, já a escapada tinha 20 elementos, entre os quais o camisola da montanha Simon Geschke (Cofidis) ou o trepador francês Warren Barguil (Arkéa-Samsic), além de Nils Politt e Maximilian Schachmann (BORA-hansgrohe), os colegas do então ‘vice’ da geral Lennard Kämna.

Com a UAE Emirates em serviços mínimos, por não ter homens suficientes para controlar a corrida, a fuga ganhou rapidamente uma vantagem, que, em plena ascensão ao Télégraphe, quando o grupo já estava reduzido a uma dezena de corredores, ultrapassava os nove minutos.

Esperava-se um ataque em força da Jumbo-Visma no dia de hoje e a formação neerlandesa não desiludiu: ainda no distante Télégraphe, Primoz Roglic acelerou, levando Adam Yates (INEOS) na roda, naquele que seria apenas o primeiro de uma série frenética de ataques e contra-ataques que deixou o grupo de favoritos reduzido a Pogacar, Vingegaard e Geraint Thomas (INEOS).

Sem qualquer companheiro para ajudá-lo, o camisola amarela nunca negou esforços para reagir às iniciativas dos homens da Jumbo-Visma, enquanto os restantes favoritos tentavam minimizar perdas, encostando ao quarteto da frente quando o terreno ‘suavizou’ antes dos 17,7 quilómetros de ascensão ao Galibier.

A mais de 50 quilómetros da meta, em plena subida ao ‘gigante’ deste Tour, Barguil deixou os seus companheiros de escapada e manteve-se isolado na frente até aos derradeiros 4.000 metros, ‘imune’ ao ‘show’ protagonizado por Pogacar lá atrás.

O jovem da UAE Emirates atacou várias vezes no Galibier e foi ‘eliminando’ concorrência, à exceção da sua ‘sombra’ Vingegaard. No entanto, com o Granon para escalar, o bicampeão em título ‘conteve-se’, permitiu a reentrada no grupo de Thomas, Yates, Bardet ou Quintana, e ainda de Roglic e David Gaudu (Groupama-FDJ), rebocados pelo ‘super’ Van Aert, que descaiu da fuga ir buscar o ‘vice’ do Tour2020.

Com ‘Pogi’ aparentemente ‘ileso’ depois de tantos ataques – teve disposição, inclusive, para ‘brincar’ com as câmaras -, e já na companhia do seu ‘escudeiro’ favorito Rafal Majka, que apareceu vindo do nada, atacou no grupo Quintana, tentando juntar-se na frente ao seu companheiro Barguil, seguindo-se, depois, Bardet.

A aparente descontração do bicampeão era, na realidade, ‘bluff’, com o jovem esloveno de 23 anos a ficar ‘pregado’ ao chão quando Vingegaard atacou, a cinco quilómetros do alto. Por ele passaram ainda Thomas, agora quarto na geral, a 02.26 minutos do novo camisola amarela, e até Gaudu ou Yates, com o esloveno a ser apenas sétimo na etapa e a descer ao terceiro posto da geral, a distantes 02.22 do novo líder.

O descalabro de Pogacar foi tão grande que até Bardet, agora segundo a 02.16 minutos de Vingegaard, o superou na geral.

Depois da primeira de duas jornadas alpinas, e na véspera de uma ligação de 165,1 quilómetros que começa em Briançon, sobe o Galibier e o Col de la Croix-de-Fer, e termina no Alpe d'Huez, de regresso ao percurso do Tour após quatro anos de ausência, a luta pelo pódio parece estar entregue a sete homens, todos eles com diferenças na casa dos três minutos: Vingegaard, Bardet, Pogacar, Thomas, Quintana, Yates e Gaudu.

O português Nelson Oliveira (Movistar) chegou a 29.01 do dinamarquês da Jumbo-Visma, de quem dista 01:21.39 horas na geral.