O gosto pela pastelaria de António Carvalho começa a superiorizar-se à paixão pelo ciclismo, com o terceiro classificado da última Volta a Portugal a revelar algum desencanto com uma modalidade na qual ainda espera sagrar-se campeão nacional.

Após umas semanas atribuladas, nas quais enfrentou uma pneumonia que não lhe permitiu treinar, o ciclista de 33 anos regressou à estrada para disputar a 40.ª Volta ao Alentejo, a sua primeira prova por etapas na condição de líder único da ABTF-Feirense, após o final da carreira do agora castigado Amaro Antunes.

“Estou a lidar da mesma maneira que se estivesse aqui o Amaro. Não estou com responsabilidades de nada, estou sim com o objetivo - e tenho isso em mente - de ajudar os meus colegas a evoluírem, porque são todos muito jovens, a ganharem experiência e, depois, o que tiver que ser, será. Isso não há problema nenhum, o próprio presidente, o próprio treinador dizem que não há cá a pressão de obter resultados. Claro que tenho que trabalhar para chegar nas minhas melhores condições [à Volta]. Quando tiver que ganhar, irei ganhar”, garantiu à agência Lusa.

Terceiro classificado na última Volta a Portugal, atrás de Mauricio Moreira e Frederico Figueiredo, ‘Toni’ admite que pode ser encarado como o grande rival dos seus antigos companheiros da Glassdrive-Q8-Anicolor na próxima edição da prova ‘rainha’ do calendário nacional.

“Irei trabalhar e aplicar-me a fundo para chegar lá [à Volta] nas melhores condições e, depois, tentar fazer-lhes frente, porque são a equipa mais forte, são o bloco muito mais forte, não há sequer margem de dúvidas para isso. Têm primeiro e segundo à geral, têm um bloco fortíssimo por trás, mas espero estar na discussão e meter algumas dores de cabeça, porque até para o público é bom, e até para toda a gente que está em casa, é bom que haja Volta até ao final, ao contrário desta última”, defendeu.

O duas vezes vencedor no alto da Senhora da Graça – tem ainda outra etapa da Volta no currículo – reconheceu que a última edição da prova, avassaladoramente dominada pela formação fluorescente – não teve a emoção de outros anos.

“Temos de ser sinceros: a Volta mais espetacular certamente foi quando eu estava no Porto [W52-FC Porto] com o Joni [Brandão] de amarelo na altura da Efapel. Foi até ao último dia e isso moveu as pessoas, ficou toda a gente agarrada ao ecrã e isso é o que vende. É bom para a Volta a Portugal, é bom para as equipas, é bom para os patrocinadores e espero conseguir estar nas minhas melhores condições para dar luta e levar a Volta a Portugal até aos últimos dias e, de preferência, até ao último dia. Se pudesse sair vencedor, ainda melhor”, disse, referindo-se no seu discurso à edição de 2019, vencida por João Rodrigues.

No entanto, o corredor de Santa Maria da Feira assumiu que não é a Volta que o move: “Para ser sincero, sonho é vencer o campeonato nacional. Isso, para mim, sim, era um sonho. O meu maior objetivo de sempre era ser campeão nacional, por representar e levar as cores de Portugal pelo país fora. É um ano inteiro que andamos com aquela camisola”.

“A Volta a Portugal? Gostaria de vencer, gostaria, mas acima de tudo quero desfrutar do ciclismo. Se tiver que vencer, vou vencer, se tiver que deixar o ciclismo sem vencer a Volta a Portugal, não há problema nenhum”, completou.

O sempre honesto Carvalho foi ainda mais longe nas suas ‘confissões’, assumindo que começa a pensar “no outro sonho que, talvez seja a pastelaria, e montar um negócio nesse ramo”.

“Já venho a falar nesta possibilidade de abandonar o ciclismo há quatro, cinco anos, porque cheguei a um ponto em que não desfruto assim tanto como quando era mais jovem. Agora, tenho um filho e cada vez dou mais valor a isso. Ou ando no ciclismo com este intuito e sinto que ando aqui a desfrutar, ou então não estou para andar aqui sempre sob pressão. Tirar aquilo que eu mais gosto, que é comer e comer doces, que é algo impensável no ciclismo… Para isso, prefiro […] pensar nos possíveis negócios que posso vir a ter”, revelou à Lusa.

Se esta temporada “correr bem” e se se sentir motivado, o vencedor da classificação da montanha da Volta2014 continuará no pelotão, mas “se chegar a hora de dizer adeus ao ciclismo”, fá-lo-á sem arrependimentos.

“Acho que já fiz muito pelo ciclismo, ou pelo menos já fiz umas boas classificações, já dei espetáculo, porque é isso que é bom para o público e para todos os patrocinadores”, resumiu o vencedor da Volta a Portugal do Futuro de 2013 e duas vezes campeão do Grande Prémio Jornal de Notícias (2015 e 2018).