Seis ginastas de competição, com idades entre os 10 e os 16 anos, fugiram da guerra da Ucrânia e reencontraram em Guimarães uma casa, a paz e os sonhos, treinando mais de cinco horas por dia todas as semanas.

Assim que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, as vidas de Miroslava Bespala, de Sofia Smerteniuk, de Anzhelika Shyriaeva, de Ailara Stadnyk e das gémeas Sofia e Oleksandra Riabets, mudaram de um dia para o outro e a seis ginastas rítmicas, acompanhadas pelas mães e por outros familiares, tiveram de fugir para outros países.

“As meninas já estavam fora da Ucrânia quando me contactaram. Umas estavam na Roménia, outra na Alemanha, outra na Polónia. E as treinadoras contactaram-me: ‘tenho estas meninas perdidas na Europa, preciso de ajuda’. Eu própria também me disponibilizei logo a ajudar. Não sabia que ia tomar estas proporções, mas estava disposta a ajudar da maneira que conseguisse. E foram chegando”, relata à agência Lusa, Adriana Castro, 35 anos, treinadora de ginástica rítmica do Guimagym, enquanto as atletas iniciam mais um treino.

A antiga ginasta da seleção nacional conta que, entre 2005 e 2011, esteve em Kiev, capital da Ucrânia, onde se licenciou e fez um mestrado em Educação Física e Desporto, com especialização em ginástica rítmica e, simultaneamente, treinava e representava Portugal em competições internacionais.

“Com os contactos que tinha de lá, várias amigas minhas, treinadoras destas meninas em Kiev, pediram-me para as acolher e, então, o Guimagym iniciou este processo de acolhimento. Chegamos a ter cá 25, 26 pessoas. Duas já foram embora, o resto continua connosco, entre familiares destas meninas, avós, irmãos, mães. Mais recentemente já veio um pai, conseguiu sair”, adianta Adriana Castro.

Cinco das ginastas moravam em Kiev, mas Anzhelika Shyriaeva residia em Karkiv, uma das cidades atacada logo após a invasão russa. A treinadora relata que a menina “esteve 20 dias num bunker com a mãe” e que só ao fim desse tempo é que conseguiram sair da cidade.

“E vieram de carro até Vizela, porque há um grupo de futebolistas em Vizela e ela conhecia uma amiga que veio com eles. Entretanto, a Federação da Ucrânia criou uma base de dados e o Guimagym foi logo dos primeiros clubes a dizer que estava pronto para receber ginastas. Quando elas chegaram a Vizela, foram à procura de clubes com ginástica rítmica e ligaram para o Guimagym. Dessa menina, não conheço a treinadora, não foi diretamente comigo, mas essa base de dados ajudou-a a chegar a nós também”, explica Adriana Castro.

As seis ginastas estão alojadas, há quase um ano, em três casas, com a ajuda de particulares e de empresas, pois o Guimagym - Clube de Ginástica de Guimarães não teria condições para suportar todas as despesas. A primeira menina chegou em março de 2022, as restantes pouco tempo depois.

“Mal chegaram, começaram a competir em Portugal pelo Guimagym. Uma venceu o campeonato nacional sénior. Não pôde receber a medalha, mas foi ela que conseguiu a melhor classificação total na competição. Foi com esse objetivo também que procuraram o Guimagym, porque sabiam que o treino ia ser adequado ao nível delas, o facto de eu falar russo também facilita muito a comunicação e o clube abriu as portas”, salienta Adriana Castro, enquanto faz correções (em russo) aos exercícios que as ginastas vão treinando.

O dia-a-dia destas meninas começa por volta das 06:00 em Portugal, 08:00 em Kiev, hora a partir da qual têm aulas online da escola ucraniana. Este ano letivo, quatro optaram por só fazerem a escola ucraniana online, enquanto duas, que frequentam o 6.º e o 11º anos, têm aulas de português, duas vezes por semana.

Além dos estudos, o resto dos dias é passado praticamente a treinar, de segunda a sábado. Os treinos são diários e têm uma duração nunca inferior a cinco horas. Aos fins de semana, competem pelo clube a nível nacional e internacional.

Na ginástica rítmica exstem cinco aparelhos - corda, arco, fita, bola e massas – e é modalidade olímpica.

“A ginástica rítmica é um desporto olímpico e todas as crianças sonharão chegar aos Jogos Olímpicos. Claro que é muito difícil. Só as 24 melhores do Mundo é que chegam. Mas o sonho, último, será esse. Agora, seleção nacional, campeonato da Europa, campeonato do Mundo, competir, evoluir. Para já, o objetivo é continuar a treinar e isso nós conseguimos garantir e garantir a evolução delas. O resto virá. A guerra também o dirá, quais caminhos elas vão seguir depois da guerra acabar”, frisa a treinadora.

Adriana Castro revela que há a possibilidade de algumas destas ginastas virem a competir futuramente por Portugal, dando conta de que já está em curso o “processo de naturalização” de Sofia Smerteniuk, de 16 anos, a tal ginasta que venceu o campeonato nacional sénior em julho do ano passado, mas que não pôde receber medalha.

“Claro que é um processo complicado, demorado. Não temos muito tempo, porque a carreira de ginasta é curta. Aproveito para fazer esse apelo, porque seria uma mais valia ter uma ginasta como ela na nossa seleção nacional. Não estamos muito bem servidos e não temos muita quantidade, portanto, seria uma mais valia a nível da ginástica rítmica poder contar com ela”, apelou a ex-ginasta da seleção nacional.