Numa altura em que toda a atividade desportiva está suspensa, face à propagação do novo coronavírus, todos fomos obrigados a adaptar as nossas rotinas. E se para o comum dos mortais essa adaptação não é fácil, o que dizer daqueles que precisam de espaços para correr, saltar, nadar...
São esses casos que o SAPO Desporto procura dar-lhe a conhecer ao longo destas semanas, com os relatos de atletas de alta competição que procuram ajustar o seu dia a dia de treino intensivo dentro de quatro paredes.
Hoje falámos com Cheila Vieira, atleta de natação artística do GesLoures que, juntamente com Maria Beatriz Gonçalves, preparava-se para lutar por uma qualificação inédita de Portugal para os Jogos Olímpicos de Tóquio, entretanto adiados para 2021.
SAPO Desporto: Qual o impacto que esta situação teve no vosso dia a dia?
Cheila Vieira: "Eu e a minha colega mudámos-nos há uns tempos para o Algarve [n.d.r.:Lagos], com o objetivo único de treinar e conseguirmos uma qualificação olímpica. Tínhamos a nossa rotina de treino muito bem estruturada, entre atividades de ginásio, flexibilidade, ballet, natação, tudo muito organizado. Estávamos a acompanhar tudo pelas notícias, mas entretanto tivemos de vir a Lisboa para treinar para os campeonatos nacionais, que se iriam realizar de 20 a 22 de março, mas as provas foram canceladas. Nessa altura decidimos começar o isolamento, ainda antes de ter sido decretado o estado de emergência. Como os Jogos Olímpicos ainda não tinham sido adiados, sabíamos que íamos ter de continuar a treinar ao máximo, para não perdermos a nossa forma física."
SD: Como estão a adaptar a vossa rotina de treino às novas circunstâncias?
CV: "Aqui o grande impedimento é não podermos fazer nada na água, como é óbvio, mas continuamos a fazer muito trabalho de força, embora com algumas adaptações em relação ao que fazemos dentro de água, porque nunca é a mesma coisa. Depois fazemos um trabalho mais individual, onde trabalhamos os nossos pontos fracos, treinamos a flexibilidade e tentamos manter ao máximo as nossas rotinas do ballet. Tudo isto entre seis a oito horas."
SD: Quais são as principais diferenças em relação ao trabalho dentro da piscina?
CV: "O trabalho dentro de água apoia-se muito no cardio. Estando em casa não é tão fácil trabalhar a caixa [torácica], mas vamos fazendo exercícios alternados de cardio, como por exemplo aulas de zumba, corrida, saltos, etc..."
SD: Compete em dueto com a Maria Beatriz Gonçalves. Como têm feito para trabalhar a coreografia à distância?
CV: "Fazemos chamadas por Skype com a nossa treinadora [n.d.r.: a espanhola Sylvia Hernandez Mendizabal], que põe a música a tocar e depois nós as duas marcamos os movimentos com os braços, tentando adaptar ao máximo o que fazemos dentro da piscina. Por exemplo, numa posição em que estamos de cabeça para baixo e com as pernas de fora, tentamos compensar isso em casa fazendo o pino de cabeça e mexendo as pernas como se estivéssemos na mesma dentro de água, para tentar controlar a força abdominal."
SD: Há quanto tempo não entra numa piscina?
CV: "A última vez foi no dia 13 de março, falta uma semana para fazer um mês. É complicado, ainda mais nesta modalidade, mas é assim mesmo. Tentamos que o nosso trabalho em casa não fuja muito ao que temos de fazer depois na piscina, para que não custe tanto quando for altura de retomar".
SD: Adiar os Jogos Olímpicos, tal como a prova de qualificação, foi a decisão certa?
CV: "Foi uma notícia triste e feliz ao mesmo tempo. Triste pela situação em si, claro, mas o adiamento era mesmo necessário. Já não estávamos com a mesma preparação, ao menos assim temos mais tempo para trabalhar e prepararmos-nos melhor para o que aí vem."
SD: Além dos treinos, como é que vai ocupando os tempos livres?
CV: "Já estive a organizar pastas no computador [risos]... Gosto muito de ver televisão, vejo muitas séries, e ultimamente tenho sentido falta de estudar. Acabei por deixar os estudos para me concentrar unicamente na natação, mas agora tenho pensado em pegar nos resumos da faculdade e ler tudo, para não me esquecer da matéria.
SD: Qual é o curso?
CV: "Artes e Humanidades, da Faculdade de Letras de Lisboa."
SD: Já agora, que séries é que sugere?
"Tenho visto muitas séries de comédia, como por exemplo 'Brooklyn 99'. É o melhor para descomprimir... Num registo mais sério, gosto de ver 'How to get away with murder'.
SD: Qual vai ser a primeira coisa a fazer quando o isolamento terminar?
CV: "Mergulhar numa piscina, sem dúvida. E depois andar pela rua."
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