Quando pensamos em râguebi, qual a primeira coisa que nos vem à cabeça? O contacto físico, a dureza, os choques entre os jogadores ou as placagens, responderão muitos. Mas, e se existisse uma modalidade semelhante ao râguebi, só que sem as placagens, os rucks, os mauls, as formações ordenadas ou os alinhamentos? É aqui que surge o Touch Rugby, uma variante do râguebi tradicional.
Jogado a grande velocidade, é mais evasivo, envolve um elevado grau de estratégica e mantém a exigência física, mas com um nível de contacto muito baixo, sendo por isso bem mais reduzido o risco de lesões. Talvez por essa razão, o Touch, como é carinhosamente chamado por quem o pratica, é jogado em todo o mundo por pessoas de diferentes idades, níveis e géneros. Atrai, em simultâneo, quer ex-jogadores de râguebi, quer muitos praticantes que, com maior ou menor proximidade à 'modalidade mãe', se deixam cativar pela simplicidade desta variante. A verdade é que para jogar Touch Rugby tudo o que é preciso é uma bola de râguebi, espaço e um grupo de amigos.
O SAPO Desporto falou com Daniela Andrade, jogadora que vai representar Portugal no próximo Mundial de Touch Rugby, em julho, em Inglaterra, e com o presidente da Portugal Touch Rugby, Eduardo Seabra, para ficar a conhecer um pouco melhor esta modalidade que conquista cada vez mais pessoas no nosso país.
Como nasceu, afinal, o Touch Rugby?
O Touch Rugby surgiu há mais de 50 anos, na Austrália, sendo considerado o maior desporto social daquele país. Nos últimos anos foi-se afirmando mundialmente, com um crescimento exponencial, sobretudo pela sua vertente inclusiva, sendo praticado por rapazes, raparigas, homens e mulheres de todas as idades em equipas masculinas, femininas ou mistas.
O Touch foi criado por Bob Dyke e Ray Vawdon, do South Sydney Junior Rugby League Club, conhecidos como os fundadores da modalidade. A 13 de julho de 1968 foi formada uma organização conhecida como South Sydney Touch Football Club e o Touch Football nasceu formalmente. A primeira partida oficial de Touch foi disputada ainda nesse ano e a primeira competição oficial, organizada por Dyke e Vawdon, realizou-se pouco depois, em Sidney.
Não tardou a que o Touch Rugby passasse a ser totalmente regulamentado, tendo por base não as regras da Rugby Union (a versão mais jogada e mais conhecida do râguebi, com 15 jogadores em campo), mas sim as regras da Rugby League (versão jogada com 13 jogadores em campo e sem rucks, ou formações espontâneas, como também são chamadas). A ideia, essa, era clara: reduzir o mais possível o contacto físico intenso.
Aos poucos o Touch evoluiu, ganhou as suas próprias regras, mais específicas, já bem distantes das da Rugby League. Uma delas passou pela redução do tamanho do campo, o que contribuiu para a expansão da modalidade para outros países. A primeira partida internacional foi disputada em Melbourne, em 1985, entre Austrália e Nova Zelândia. Esse embate levou à criação da Federation of International Touch (Federação Internacional de Touch), atual responsável pela modalidade e pela organização de torneios a nível global.
E como se joga? O que o torna tão diferente e tão atrativo?
Jogado em equipas de seis contra seis, tal como em todas as variantes de râguebi o objetivo no Touch Rugby é marcar mais ensaios do que o adversário. A primeira grande diferença é que, para serem parados, os portadores da bola têm apenas de ser tocados por um adversário em vez de serem placados. Sempre que um elemento da equipa que está a defender toca na bola ou em qualquer parte do corpo do portador da bola (ou se a equipa que ataca deixa cair a bola no chão) a jogada pára.
A equipa com posse de bola tem um total de seis jogadas para tentar marcar um ensaio. Se não o conseguir nessas seis jogadas, cede a posse de bola à equipa adversária. Não é permitido chutar, não há postes e a única forma de pontuar é mesmo marcar um ensaio.
Tal como noutras variantes do râguebi, a bola não pode ser passada para frente. Apenas para o lado ou para trás, correndo-se depois para a frente na conquista de metros. Desaparecem as fases estáticas de uma partida de râguebi convencional, o jogo ao pé e, claro, o contacto físico, mas mantém-se o mesmo objetivo: chegar à linha de ensaio para marcar pontos, desenvolvendo diferentes formas de a atingir.
Os campos de touch rugby têm formato retangular e medem 70 por 50 metros. A bola é um pouco menor do que uma bola de râguebi convencional (tamanho 4 em vez de 5), de forma a facilitar o manuseamento da mesma. O tempo de jogo é de 40 minutos (duas partes de 20 minutos). Cada ensaio vale apenas um ponto, embora em jogos mistos sejam concedidos dois pontos se o ensaio foi marcado por uma jogadora.
Em caso de empate joga-se um 'drop off'. Uma espécie de prolongamento em que as equipas jogam 4 contra 4 em vez de 6 contra 6 durante dois minutos. Se alguma equipa estiver na frente no final desses dois minutos, vence. Se o empate subsistir, sai mais um jogador de cada lado e jogam 3 contra 3 num sistema de morte súbita: a primeira equipa a marcar um ensaio ganha.
"Já tivemos situações em que neta e avô jogavam na mesma equipa, o que é fabuloso e não se vê noutras modalidades"
"Por ser uma modalidade tão simples, que não precisa de nada de muito especial, porque não tem balizas nem tem postes, atrai cada vez mais gente. Costumamos dizer que com quatro cones, uma bola de râguebi e um grupo de amigos temos tudo o que é preciso para praticar a modalidade. Depois, o jogo tem muita dinâmica, é divertido, é inclusivo. Já tivemos situações em que neta e avô jogavam na mesma equipa, o que é fabuloso de se ver e que não se vê noutras modalidades. Principalmente numa que tem a imagem do râguebi por trás, não seria de esperar ver uma neta e um avô a jogarem juntos", começa por salientar Eduardo Seabra.
Na Austrália, por exemplo, também por culpa do cariz social do jogo, mas não só, há mais de 300 mil praticantes. "Jogam touch rugby nas escolas e os próprios clubes começam por iniciar a época desportiva com torneios de Touch, para não começar logo a haver contacto físico que possa criar situações de de lesão", aponta o presidente da Portugal Touch Rugby.
A realidade do Touch Rugby em Portugal
Em Portugal, o Touch Rugby é praticado há mais de uma década. Em 2017 foi então fundada a associação Touch Rugby Portugal que, com o apoio da Federação Portuguesa de Rugby e da Federação Internacional de Touch, tem tido um papel fundamental no desenvolvimento da modalidade no nosso país, organizando competições e promovendo cursos de arbitragem e de treinadores.
"O crescimento da modalidade em Portugal tem sido uma agradável surpresa", destaca Eduardo Seabra. "Criámos uma dinâmica que permitiu que a modalidade se desenvolvesse de uma forma extraordinária".
Para tal tem também sido crucial o contributo dos clubes. "No nosso país, o touch rugby está muito ligado aos clubes de râguebi tradicionais. E um dos nossos objetivos passa mesmo promover essa ligação, ajudando os clubes a crescerem e a reterem atletas", prossegue.
"A modalidade tem sido muito bem aceite e a simplicidade do jogo e o seu cariz social têm até permitido o regresso de alguns antigos jogadores de râguebi, para manterem a prática desportiva. Essa simplicidade permite que pessoas com e sem experiência, de todas as idades, rapazes, raparigas, homens e mulheres, possam praticar o touch rugby. Há por exemplo cada vez mais pais de jovens atletas que praticam o râguebi tradicional a experimentarem esta variante do Touch, o que é também muito interessante", sublinha Eduardo.
"Temos cerca de 350 jogadores inscritos, mas acreditamos que teremos mais de 500 praticantes espalhados pelo país"
O número de praticantes tem vindo a crescer. "Há muitas pessoas a jogarem em clubes que, por não participarem de uma forma tão ativa nas competições, não estarão contabilizadas. Na associação temos, neste momento, cerca de 350 jogadores inscritos, mas acreditamos que teremos mais de 500 praticantes espalhados pelo país. É um número que não parece significativo, mas que o acaba por ser, tendo em conta a realidade do nosso país em termos de prática desportiva", prossegue Eduardo Seabra, também ele um ex-jogador de râguebi tradicional.
"Apaixonei-me rapidamente pelo touch rugby mal me cruzei com ele, não só por rever antigos colegas de equipa e amigos de longa data, mas também por perceber que era uma modalidade em que a idade não importava tanto e me permitiria voltar a jogar ao mais alto nível. Agora já tenho 54 anos e continuo a jogar. Sou treinador, árbitro, atleta e vou estar a representar Portugal no próximo Mundial, na seleção de M50. Aceitei o desafio para ser presidente da Touch Rugby Portugal e tenho estado quase diariamente dedicado a esta modalidade", conta.
E são já muitas as competições realizadas a nível nacional, tendo o Caldas Rugby Clube Touch conquistado, no passado sábado, a terceira edição do campeonato nacional Masters de Touch Rugby, que contou com a participação de sete equipas.
"Temos campeonatos para todos os escalões que a modalidade comporta, durante o ano inteiro, de setembro a julho. Começamos em setembro com o Beach Touch Rugby, que este ano passará a duas etapas; depois temos a taça regional norte/centro e a taça regional sul, temos o campeonato de open, o campeonato de masters, o campeonato de mixed open e a Taça de Portugal. Pelo meio promovemos também diversos torneios sociais", enumera Eduardo Seabra.
O Mundial da afirmação?
Este ano, em julho, em Inglaterra, vai jogar-se mais uma edição do Mundial de Touch Râguebi. Será o maior evento de sempre da modalidade. E Portugal vai marcar presença. "Estamos a falar de mais de 40 países que vão estar presentes, mais de 190 seleções e mais de 3.000 atletas. Os números surpreenderam até a própria federação internacional, que teve de encontrar um segundo espaço na cidade de Nottingham, onde se vai realizar a prova, para poder albergar toda a gente".
Portugal vai participar com quatro seleções, levando uma comitiva de 72 elementos, num total de 64 atletas e 8 treinadores, nos escalões M50, M45, M40 e Mixed Open.
Antes, Portugal esteve já nos Campeonatos Europeus de 2018 e 2022 e nos Masters de 2019 e 2021, que se realizaram em Lisboa e Coimbra respetivamente. Porém, dado o crescimento da modalidade no nosso país, desta feita as expetativas são outras.
"Nas anteriores presenças nessas competições não havia capacidade de fazermos uma seleção propriamente dita. Basicamente, participaram os atletas que, ainda que com um mínimo de qualidade, claro, mostraram disponibilidade para ir. Levámos apenas com uma equipa. Este ano trata-se de uma oportunidade única de estar num Mundial e vamos com quatro seleções. Pela primeira vez tivemos mesmo necessidade de selecionar os atletas, o que infelizmente faz com que alguns que gostavam de estar presentes vão ter de ficar de fora. Mas acaba por ser bom sinal: mostra o entusiasmo que a a modalidade tem causado", destaca Eduardo Seabra.
"Em termos de resultados, a nossa participação já em 2022 não teve nada que ver com a de 2018, porque a a modalidade já estava a crescer. Demos provas desse crescimento, por exemplo, contra a seleção francesa, que tem outro potencial, com quem disputámos o jogo até ao fim e acabámos por perder apenas por 4-3. Agora no Mundial vamos estar numa realidade completamente diferente, porque vamos estar por entre as principais nações da modalidade. Mas vamos garantidamente trazer do Mundial uma enorme experiência que nos vai ajudar a continuar a crescer", garante.
Aos 39 anos, Daniela Andrade é uma das jogadoras que vai representar Portugal no Mundial. Diz que os resultados são uma incógnita, mas acredita num bom desempenho.
"É difícil prever, porque não conhecemos as outras equipas. É difícil ter uma perspectiva. Mas nós temos um conjunto muito engraçado e o nosso objetivo passa por conseguir passar a fase de grupos, que acho que com a equipa que temos, apesar de não conhecermos muito bem o que vem lá, pode ser possível. É sempre bom colocar as expectativas um bocadinho altas, também para o trabalho ser mais focado".
Joga no Agrária, em Coimbra, e conta-nos que tem tido a jogar consigo pessoas desde os 16 até aos 60 e poucos anos.
"Fui jogadora de râguebi há já quase 20 anos e pelo meio entrei para o touch rugby como um complemento. Apesar de ser difícil jogar as duas, porque o chip é completamente diferente, é sempre uma mais valia, até para a parte física do cardio. É uma boa preparação. E, claro, também pelo grupo, pela interação social que suscita. Quando comecei a jogar Touch a modalidade estava mesmo nos primórdios em Portugal. O número de atletas era muito reduzido. Agora vejo cada vez mais pessoas envolvidas, de todas as idades. E nota-se uma grande evolução não só no número de praticantes, mas também na qualidade do jogo praticado", explica.
"A nossa participação no Mundial vai impulsionar a modalidade, vai dá-la a conhecer e fazê-la chegar a mais pessoas"
"As pessoas perguntam-me qual é a diferença para o râguebi normal. E sentem-se interessadas, sobretudo por essa parte de não haver contacto. Isso faz muita diferença, principalmente para as pessoas mais velhas, que assim podem praticar uma modalidade de equipa sem grandes riscos de lesões traumáticas", destaca.
“Penso que a nossa participação no Mundial vai impulsionar muito a modalidade. Vai dá-la a conhecer e vai fazê-la chegar a mais pessoas que, se calhar, não a conheciam e que possivelmente a poderão vir a praticar. Os clubes também vão crescer, com a experiência dos atletas que participarem, e o número de pessoas envolvidas irá aumentar", conclui Daniela.
Que futuro para o touch râguebi em Portugal?
Assim, o futuro do touch râguebi em Portugal parece ter tudo para ser risonho. Eduardo Seabra explica-nos o que mais está a ser feito nesse sentido.
"Aproveitamos os torneios sociais para captar novos atletas e clubes que queiram iniciar a modalidade. Tentamos também que os atletas convidem amigos e até antigos jogadores de râguebi par virem experimentar. E quem experimenta, por norma, acaba por gostar e ficar. Temos também acordos com várias empresas que nos ajudam a conferir um ar mais profissional a tudo o que fazemos e a divulgar os eventos de uma forma que vai muito além da nossa estrutura", conta-nos o presidente da Touch Rugby Portugal.
"Depois, claro, são também os próprios atletas, até com a sua ligação aos clubes, que acabam dar a conhecer a modalidade", acrescenta.
"Penso que uma das melhores formas de ajudar o râguebi tradicional a crescer em Portugal é através do touch rugby"
Por tudo isso, Eduardo não tem dúvidas de que a modalidade vai continuar a desenvolver-se. “Acredito que esta é uma modalidade que tem tudo para crescer dentro do nosso país. E penso que uma das melhores formas de ajudar o râguebi tradicional a crescer em Portugal é através do touch rugby, porque facilita o primeiro contacto com o râguebi. E se a Federação tem a ideia de fazer crescer também o râguebi feminino, vejo também no Touch a melhor forma de o fazer, pois mais facilmente um pai deixa uma filha praticar a modalidade se esta for introduzida através desta variante, dada a ausência de contacto", aponta Eduardo Seabra.
"O touch rugby tem todas as características para que o futuro seja positivo. E seria ainda mais se tivéssemos um país em que a partida desportiva fosse mais valorizada, claro, e não estivesse tão concentrada no futebol", termina.
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