Algumas das raparigas usam hijabs na disputa de uma bola oval enquanto outras correm descalças pelo asfalto com as marcas em carvão de um campo de râguebi improvisado. Ao todo são 14, sete contra sete, e muitas delas têm o sonho de um dia tornarem-se nas próximas estrelas do râguebi do Gana.

Uma delas chama-se Maimuna Dawda, e estava habituada a ver jogos de râguebi apenas pela televisão antes de sequer sonhar em ter a hipótese de abraçar uma bola oval, algo que aconteceu em 2016.

E como não há fome que não dê em fartura, agora com 14 anos, Maimuna Dawda concilia os estudos com a possibilidade de jogar râguebi três vezes por semana nas escolas Kanda Cluster, na capital do Gana, Accra.

Em países como o Gana, onde prevalece uma sociedade maioritariamente dominada por homens onde os papeis sociais ainda são atribuídos conforme o género, o râguebi ainda é encarado um desporto para homens.

Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país.
Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país. créditos: RUTH MCDOWALL

No entanto, Dawda quer provar à sociedade ganesa que tem valor como jogadora de râguebi e o sonho de um dia poder vir a representar o Gana em competições internacionais.

"Eu quero um dia poder jogar pela seleção do Gana e tornar-me na melhor jogadora de râguebi do meu país", disse a jovem jogadora de 14 anos à AFP junto às linhas de carvão que servem de marcação para um campo de râguebi de sete.

Aumento de participação

A observar o jogo junto às linhas laterais do campo está Rafatu Inusah, uma jogadora profissional de râguebi desde 2009 e a primeira mulher do Gana a alcançar esse estatuto.

E foi através do exemplo de Rafatu Inusah que a Federação Ganesa de Râguebi a nomeou oficial de desenvolvimento da modalidade e a representante de uma iniciativa global da Associação Mundial de Râguebi denominada 'Get into Rugby'.

O programa foi concebido para fomentar o aumento do número de jogadores de râguebi e de árbitros em todo o mundo ao mesmo tempo que serve para ajudar o desenvolvimento do desporto em países onde a sua prática ainda praticamente desconhecida.

Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país.
Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país. créditos: RUTH MCDOWALL

Tal como muitas das raparigas que treina, Inusah, de 28 anos, também usa o tradicional hijab muçulmano quando joga, e ri-se quando a confrontam com a ideia de que uma mulher muçulmana não pode praticar râguebi. E vai mais longe, ao revelar que procura precisamente raparigas muçulmanas para a prática do râguebi.

"Decidi ir as escolas muçulmanas de forma a mudar essa percepção de que o râguebi não é para mulheres ou meninas jogarem", começou por dizer Rafatu Inusah à AFP.

"É para toda a gente jogar", acrescentou a jogadora de râguebi.

De rua em rua, até à glória

O Gana é um dos membros da Associação de Râguebi Africana, uma das seis associações que compõem a Associação Mundial de Râguebi que organiza os jogos e determina as suas especificações tais como largura dos campos e a duração dos jogos.

Em 2016, quase 400 mil jovens africanos, entre rapazes e raparigas, integraram o programa de desenvolvimento da modalidade em África, sendo que houve um registo de mais de 700 mil pessoas, de ambos os sexos e de todas as faixas etárias, a praticar râguebi no continente africano.

Nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, o continente africano fez-se representar por duas seleções na vertente de 'Sevens' nomeadamente os 'gigantes' da África do Sul e os relativamente desconhecidos do Quénia.

Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país.
Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país. créditos: RUTH MCDOWALL

E se os 'Springboks' venceram a medalha de bronze depois de perderam com a Grã-Bretanha, o Quénia, que foi campeão africano de Sevens em 2013 e 2015, terminou em 11º lugar.

Apesar da falta de tradição da prática do râguebi no Gana, o presidente da União de Râguebi do Gana, Herbert Mensah, acredita que os 'Black Stars' podem vir a tornar-se num grande desafio de forma a inverter a tendência desportiva do país, mais conhecido pelas suas estrelas de futebol internacional.

Herbert Mensah assume que por vezes sente que, "está a tentar o impossível", mas mostra-se confiante na sua crença de que o desporto deve ser o mais inclusivo possível e acessível a todos.

Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país.
Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país. créditos: RUTH MCDOWALL

Uma das ideias do presidente da União de Râguebi do Gana para aumentar a prática da modalidade vai para a possibilidade de utilização dos declives dos passeios das ruas como linhas improvisadas dos campos de râguebi.

"De rua em rua, de passeio em passeio, isso irá permitir-lhes atirar a bola e correr numa linha reta", afirmou Mensah.

"Se não correres numa linha reta vais acabar na sarjeta. Se tentares tentar armar-te em esquisito vais acabar por dilacerar a tua cara", acrescentou o líder federativo com um sorriso na cara.

Subir no ranking

De acordo com os dados da Associação Mundial de râguebi, em 2016 havia mais de 8,5 milhões de jogadores de râguebi registados e não registados num total de 121 países em todo o mundo.

No entanto, metade desses jogadores estão concentrados em apenas nove países: Inglaterra, Escócia, País de Gales, Irlanda, França, Itália, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.

Com um total de 13 clubes registados na União de Râguebi do Gana, este país africano espera alcançar os 1500 jogadores registados e introduzir a prática da modalidadade em 120 escolas até 2020.

Apesar disso, o Gana já tem uma seleção nacional e inclusive uma versão do 'haka', o tradicional grito de guerra Maori introduzido pela Nova Zelândia antes dos jogos internacionais dos 'All Blacks'.

Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país.
Alunos da escola de Kanda Cluster participam num jogo de râguebi em Accra, no Gana, perante o olhar atento de Rafatu Inusah, a primeira mulher a jogar râguebi no país. créditos: RUTH MCDOWALL

No passado mês de outubro, 'As Águias do Gana' jogaram na Taça Africana de Sevens em Kampala, capital do Uganda, e terminaram a prova em nono lugar.

E a poucos meses de integrar a Associação Mundial de Râguebi como membro, o Gana venceu o seu grupo no torneio regional africano, o que vai permitir às 'Águias do Gana' a presença na Taça Bronze no próximo dia 15 de maio.

A longo prazo, o plano dos dirigentes é alcançar um apuramento para os Jogos Olímpicos e para o Campeonato do Mundo de Sevens.

"Em cinco ou sete anos, creio que seremos uma das melhores equipas do mundo de sevens', atirou Mensah sem rodeios.

"Agora temos de reunir um novo grupo de jovens jogadores que têm 10, 11 e 12 anos no momento, e que vão aprender a jogar râguebi desde muito novos". sentenciou.