De Nicha Cabral a Tiago Monteiro, passando por Pedro Matos Chaves e Pedro Lamy. Estes foram os pilotos portugueses que tiveram oportunidade de chegar à Fórmula 1.

A perspetiva de podermos voltar a ver um piloto luso na prova rainha do desporto automóvel não se afigura fácil. Não se trata de uma questão de falta de talento, mas os milhões necessários para patrocínios e a falta de peso do nosso país no panorama automobilístico fazem com que, para já, ainda não consiga vislumbrar uma luz ao fundo do túnel.

É fácil recordar os exemplos de António Félix da Costa ou de Álvaro Parente, que por razões diversas ficaram à porta do certame. Mas como clamou José Torres antes do apuramento para o México 86, entre Portugal e a Alemanha: "Deixem-nos sonhar".

Os primeiros passos nos Karts

Rodrigo Seabra é um dos pilotos portugueses com potencial para sonhar. Vai ser o primeiro português a participar num campeonato de Fórmulas, com apenas 12 anos, feitos no mês de dezembro, quando a idade mínima é de 14 anos. Feito notável, num percurso progressivo mas com passos seguros. Foi com apenas cinco anos que experimentou pela primeira vez um Kart, no Kartódromo Cabo do Mundo, em Leça. E logo aí se percebeu que Rodrigo e os carros se tratavam por 'tu'.

Rodrigo Seabra, piloto
Rodrigo Seabra, piloto créditos: @Rodrigo Seabra

"O Rodrigo à segunda volta já estava a fundo no carro", recorda o pai, André Seabra, que lembra também as palavras do professor Domingos que dava aulas de Kart e estilo de condução nesse circuito: 'É fantástico, devia trazê-lo mais vezes'. Fomos mais três ou quatro vezes e ele já fazia tudo a fundo. Tinha feito o recorde da pista naquela categoria. Daí fomos aliciados a fazer mais umas corridas aqui em Portugal. Depois o Rodrigo, aos sete anos, fez a primeira corrida e tudo se desenvolveu", explica.

Com o pai como eterno aliado no percurso, a vontade de agarrar o volante falou mais alto: "Percebi logo que era aquilo que queria fazer. Gostei de imediato da velocidade e da adrenalina e disse logo aos meus pais que queria andar mais vezes e daí até cá comecei a evoluir e consegui chegar a este nível", lembra Rodrigo Seabra.

"Às vezes sou eu que lhe digo se ele não quer acalmar um pouco e ter uma vida mais tranquila, para podermos ter mais tempo e ele diz-me sempre: 'Quero ir treinar', confessa-nos o pai do piloto maiato, lembrando ao mesmo tempo a dureza do trajeto.

Rodrigo Seabra: "Percebi logo que era aquilo que queria fazer. Gostei de imediato da velocidade e da adrenalina"

"Na realidade a minha vida é acompanhar o Rodrigo, não há tempo para mais nada. Há muitos fins de semana em que não é fácil, é preciso treinar muito, viajar muito, suportar o frio e a chuva nas pistas, é muito pesado", afirma.

Rodrigo Seabra também é um fã de desportos aquáticos. A capacidade de equilíbrio ajuda-o na condução
Rodrigo Seabra também é um fã de desportos aquáticos. A capacidade de equilíbrio ajuda-o na condução créditos: @Rodrigo Seabra Instagram

A ascensão do jovem piloto

O percurso de piloto maiato tem sido absolutamente meteórico. Em 2022, destacou-se a nível internacional com o primeiro título internacional de campeão rookie, em OK Júnior, na Alemanha, onde terminou em quarto lugar no DKM Deutsch Kart Masters e no ADAC Kart Masters. Alcançou também um top-10, no seu primeiro ano na categoria Júnior, nos Estados Unidos da América no Super Karting USA com 4 corridas.

Inesquecível foi também a experiência no campeonato britânico de karts, passando uma temporada em Inglaterra na equipa do piloto de Fórmula E Oliver Rowland. Desde cedo habituou-se à rotina das viagens, conciliando os treinos com as aulas no Colégio Luso Internacional do Porto. "O Rodrigo foi campeão ibérico em 2020, depois na altura tivemos o convite da equipa do Oliver Rowland, a ORM. Ele convidou-nos a fazer uns testes, correram super bem e como estávamos no tempo da pandemia viajar não era assim tão simples. Mas como o colégio do Rodrigo esteve fechado, ele ainda passou lá uma temporada em casa do Oliver, em Inglaterra e a treinar. Sempre que podíamos íamos lá ter, aproveitando o regime de exceção", diz o pai.

Rodrigo tomou-lhe o gosto e aproveitou da melhor forma os dois meses em que esteve fora da sua zona de conforto. "Até gostei de estar algum tempo sem os meus pais. Não sei bem explicar a sensação, mas senti-me mais autónomo. Estava habituado àquela rotina: levantar-me cedo, aulas online e conduzir. Tinha que preparar todas essas coisas sozinho e senti-me muito bem. Fui muito bem recebido lá, o Oliver [Rowland] é uma pessoa espetacular", referiu.

Conciliar a vida nas pistas com os estudos não é propriamente uma tarefa fácil. Só os mais aptos conseguem vencer e Rodrigo possui essas características. Entre as constantes viagens e aulas, o piloto maiato destaca-se pela organização e pelo empenho que coloca em todas as tarefas. Ás nas pistas, é também um bom aluno, frequentando o sétimo ano de escolaridade. "Quando fomos para os Estados Unidos, com jet lags, acordávamos às três da manhã sem nada para fazer e ele ia estudar", lembra André Seabra que sublinha que o aproveitamento escolar "é uma condição para continuar a competir.

"Quando fomos para os Estados Unidos, com jet lags, acordávamos às três da manhã sem nada para fazer e ele ia estudar"

Será nesta altura complicado prever onde poderá chegar o jovem de 12 anos, mas potencial não falta. "O Rodrigo tem muito potencial, é um miúdo que chega a qualquer carro eadapta-se muito rápido. A principal característica é que ele é muito trabalhador, e os mecânicos adoram-no porque ele dá um muito bom feedback das afinações, visto que apesar da idade já tem muita experiência e já teve muito bons mecânicos, que trabalharam com o Ayrton Senna ou com o Michael Schumacher. "Eu ajudava muitos mecânicos a montar e preparar os carros", confirma Rodrigo.

A queda do piloto para o desporto também tem impacto na pista. Rodrigo pratica surf, kickboxing, basquetebol no colégio, mas destaca o trabalho de ginásio, fundamental para um atleta que ainda se encontra em fase de desenvolvimento "Tenho que treinar muito a parte física, especialmente o pescoço e os braços. Há muito trabalho no ginásio e isso é muito importante para depois conseguirmos aguentar as corridas e para termos mais força", atira.

Para além do trabalho físico, os treinos de condução são na maior parte realizados num simulador. Financeiramente não seria comportável fazê-lo só em pista. "Temos um simulador em casa, é um trabalho muito importante. Utilizamos o Assetto Corsa. Acabas por treinar e reconhecer as pistas assim. O problema de treinar sempre em pista é que é muito dispendioso. O simulador está longe de ser perfeito, mas mantém reflexos e isso é muito importante", destaca André Seabra.

O primeiro português a chegar aos Fórmulas...e só com 12 anos

Independentemente do que traga o futuro, Rodrigo Seabra já fez história. Vai ser o primeiro português a participar num campeonato de Fórmulas, com apenas 12 anos.

O jovem prodígio deu nas vistas e foi convidado a integrar a Aquila Driver Academy, através da Federação Automóvel da Suécia e vai assim fazer a sua estreia na Fórmula Aquila 1000.

"Fomos contactados pelo dono da Aquila Driver Academy, o Dan Suenson, que nos disse: 'Gostava muito de fazer os testes ao Rodrigo. Ele explicou que já havia ouvido falar dele no campeonato alemão, onde o Rodrigo foi campeão Rookie. Mas eu disse-lhe 'Mas o Rodrigo só tem 11 anos'. Eu sei, mas queria que ele viesse cá mesma', relatou André Seabra.

"Mais tarde, o Dan disse-nos: 'O teste foi extraordinário, o Rodrigo está num nível de maturidade muito alto", lembrou.

Extraordinário foi mesmo o que o jovem piloto conseguiu fazer em pista. Num dos testes não poderia ficar a mais de um segundo do tempo realizado por um piloto profissional e acabou por superar todas as expetativas: "No final da 16.ª volta, o Rodrigo conseguiu ser mais rápido por uma milésima. Depois os engenheiros estiveram a tentar perceber, através da telemetria, onde é que o Rodrigo tinha sido mais rápido. Ainda por cima o piso estava molhado", continuou.

Apesar da capacidade demonstrada pelo jovem piloto em pista, só um regime de exceção permitiu que Rodrigo, aos 12 anos, obtivesse licença para os Fórmula, quando a idade limite é de 14 anos.

"Não acreditávamos que poderíamos ter essa hipótese porque nunca tinha acontecido, nunca houve nenhum piloto a nível europeu a fazê-lo, porque as idades mínimas são sempre 14/15 anos. A Suécia, como tem uma visão um pouco mais de formação nesta área, conseguiu proporcionar-nos esse projeto piloto em que o Rodrigo é a cara desse projeto. E só em janeiro é que tivemos a confirmação. Ainda estamos a tentar digerir isto, que foi tudo muito em cima", recorda o pai, que não esconde a alegria.

A prova vai iniciar-se no mês de maio com testes coletivos e conta com 20 a 28 carros em pista e com um arranque parado, tal e qual como na Fórmula 1. O início da competição, em maio, vai obrigar a deslocações à Suécia duas a três vezes por mês.

Quais são as diferenças entre conduzir um Fórmula e um Kart? Rodrigo explica-nos de viva voz: "As diferenças são enormes, na downforce (o que significa que os carros curvam muito mais rápido), aerodinâmica, travagem, aceleração. É muito mais cansativo na zona do pescoço, podemos mudar a repartição da travagem, a curvar as sensações também são diferentes. Nos carros a direção é muito mais pesada e nos Karts muito mais leve", esclarece.

Apesar de ser ano de estreia, Rodrigo olha com ambição para a estreia. "O meu objetivo passa por ser campeão rookie e vou dar o meu melhor para o conseguir", atira o maiato, que também não hesita quando tem que eleger os seus ídolos na Fórmula 1.

"O meu objetivo passa por ser campeão rookie e vou dar o meu melhor para o conseguir"

"Gosto do Ayrton Senna, do Michael Schumacher, do Hamilton e da condução do Max Verstappen, mas não gosto muito da personalidade dele. Ele consegue sempre manter a calma, mesmo que esteja muito atrasado na corrida", observa.

A Fórmula 1 no pensamento

Se há algo que não assusta Rodrigo é a dificuldade das curvas no caminho até ao sonho, e apesar de ainda ser ainda uma miragem a Fórmula 1 não deixa de pairar sobre os seus pensamentos.

"Temos que pensar sempre positivo, e claro que o meu sonho é ser piloto de Fórmula 1 ou piloto profissional. Claro que gostava de realizar esse sonho", partilha de forma arrojada e sem hesitar.

O realismo do pai ajuda a colocar os pés no chão, mas o trajeto, esse, não se perderá, independentemente das circunstâncias. A escassez de apoios a nível financeiro poderá ser um obstáculo. Mas mais importante do que tudo é correr atrás dos próprios sonhos.

“O pai é muito honesto com o filho, é apologista de que ele deve ter o sonho, mas o pai é muito realista. O Rodrigo tem um talento enorme, mas não há apoios suficientes. Mas apoio o sonho dele, vamos tentar e vamos ser muito felizes e realizados se isto não der certo. Se não se conseguir, fica um trajeto lindíssimo e vai ser uma mais valia", diz sem deixar de enumerar os obstáculos que podem atravessar-se no caminho: "Portugal é um país com muito pouca expressão. Pela forma como o Rodrigo está a progredir, em breve vamos precisar de apoios muito altos e esses apoios são muito complicados. A concorrência tem outro tipo de recursos, ou são pessoas com muitos contactos dentro do meio, e por isso o nosso percurso também é especial", destaca.

Sem certezas em relação ao que avizinha, o mais importante será formar um homem com todas as ferramentas para enfrentar o amanhã: "Apesar de o acompanhar, eu dou-lhe a máxima autonomia, isto para que ele possa crescer como pessoa, que é o mais  importante ", finaliza o pai do jovem Rodrigo.