Última chamada para Lisboa: querem entrar, Messi e Ronaldo?
Nunca houve eliminatórias com um intervalo tão grande entre um jogo e outro. O mundo mudou, o futebol foi obrigado a mudar. Temos equipas em momentos diferentes. Perdeu-se o impacto emocional dos resultados da primeira mão. Sem adeptos, o peso do factor casa não será o mesmo. Esta é a Liga dos Campeões de 2020, com paragens em Barcelona, Turim, Manchester e Munique antes de aterrar no nosso país.
Manchester City-Real Madrid (2-1 na primeira mão)
Coloca frente-a-frente dois potenciais candidatos ao título e é o jogo mais aguardado neste regresso. Zidane sonha com o quarto troféu na prova milionária, Guardiola tenta alcançar o objectivo que lhe falta em Manchester. A 26 de Fevereiro, os ingleses não sabiam se poderiam disputar a competição em 20/21 e os espanhóis estavam na disputa pelo título com o Barcelona. Ambos festejaram. No Santiago Bernabéu, a adaptação estratégica dos citizens serviu para explorar os pontos fracos e diminuir os pontos fortes do Real Madrid.
Em 4-4-2, com De Bruyne e Bernardo Silva em movimento constante na frente, a intenção passava por retirar referências aos centrais contrários e aproveitar os espaços nas costas de Casemiro (debilidade crónica nos merengues). Tendo dois “avançados” para participar em apoio, o técnico espanhol apostou em Gabriel Jesus a partir da esquerda, procurando a profundidade – algo que experimentou, por exemplo, com Eto’o e David Villa.
A principal surpresa na abordagem do Manchester City esteve na forma como saiu a jogar, maioritariamente de forma longa, evitando dar-se à pressão do Real Madrid. Há alguns números que confirmam a diferença em relação à postura habitual dos ingleses: 51% de posse de bola e 17 passes longos de Ederson (32 no total). Foi, sobretudo, uma opção para evitar perdas em zonas recuadas, como a que aconteceu no golo de Isco - já numa fase em que a turma de Guardiola procurava um jogo mais apoiado.
Neste cenário, sem hipótese de recuperar a bola no meio campo ofensivo, o Real Madrid foi obrigado a trabalhar em ataque posicional e com o adversário organizado, sentindo-se desconfortável e incapaz de criar muito perigo. Não é por acaso que o início da segunda parte (entre os 50 e os 60 minutos) trouxe o melhor período do conjunto de Zidane: aí pôde subir as linhas, pressionar e explorar o erro.
Pode dizer-se que a vitória do Man City teve uma dose considerável de pragmatismo, mas passar no sempre temível Santiago Bernabéu reforçou as possibilidades na eliminatória. Contudo, não deve subestimar a capacidade de transcendência do Real Madrid nos duelos europeus. A baixa de Sérgio Ramos (suspenso) complica, mas Modric, Kroos e Benzema terminaram a liga num momento de forma notável e podem transportar a turma de Zidane para a reviravolta. Na primeira mão, Guardiola conseguiu esconder as fragilidades defensivas da equipa e a tendência para o erro comprometedor - Otamendi, Walker e Mendy dispensam apresentações nesse sentido. A liberdade concedida a Kevin De Bruyne deve repetir-se, criando dores de cabeça a Casemiro. Esta Liga dos Campeões é a oportunidade para o belga reforçar o estatuto de estrela mundial.
Barcelona-Nápoles (1-1 na primeira mão)
Em Fevereiro, a antevisão a esta eliminatória teve um simbolismo especial: Messi visitava o templo de Maradona pela primeira vez. No mítico San Paolo, onde os italianos haviam derrotado o Liverpool, não houve magia. A melhor notícia para os catalães foi mesmo o resultado, que vai forçar os italianos a alterar a estratégia da primeira mão, correndo mais riscos na procura do golo.
Gattuso, sucessor de Carlo Ancelotti, entregou a bola ao Barcelona e privilegiou a protecção dos espaços no corredor central – sabendo que o adversário tem mais dificuldades para desequilibrar através do jogo exterior. A postura defensiva dos napolitanos e a previsibilidade atacante do conjunto blaugrana trouxe um duelo disputado num ritmo baixo e com poucas oportunidades. Um erro de Júnior Firpo permitiu a “Ciro” Mertens a marcação do golo inaugural, que reforçou as intenções da equipa da casa.
Já na segunda parte, numa das poucas vezes em que o Barça conseguiu combinar dentro do bloco contrário, Busquets descobriu o movimento de ruptura de Nélson Semedo nas costas da defesa e Griezmann só teve de encostar. Este foi o desafio: jogar em espaços reduzidos, circular a bola com velocidade para obrigar o adversário a desorganizar-se e perceber timings de desmarcação. Na altura, a chegada de Setién entusiasmava pela possível reaproximação ao ADN implementado por Cruyff e alimentado por Guardiola. Agora, nem sabemos se terá hipótese de continuar na próxima temporada, tentando estabilizar um clube à deriva. As declarações de Messi após a derrota com o Osasuna ainda estão na memória.
Há muitos anos que não existiam expectativas tão baixas em relação às possibilidades culés na Europa. Valverde ficou ligado a dois desastres (Roma e Liverpool) que o Barcelona ainda não esqueceu. Marcar presença em Lisboa é o objectivo mínimo, mas a equipa não contará com Busquets e Arturo Vidal, sem esquecer a situação de Arthur. Depois da primeira mão, e além do 4-3-3 mais utilizado, Setién experimentou outros sistemas (3-5-2 e 4-4-2 losango), o que deixará Gattuso em dúvida. Também há que destacar a aposta em Riqui Puig, forte candidato à estreia na prova milionária. Desta vez, os catalães devem encontrar um cenário teoricamente mais favorável, com um adversário disposto a pressionar e a abrir espaços entre linhas.
O Nápoles sonha com algo que nunca fez: chegar aos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Gattuso foi fundamental para o clube recuperar a harmonia e já venceu a Taça de Itália, batendo a Juventus. Para Camp Nou, o regresso de Koulibaly (castigado no primeiro confronto) ao centro da defesa é uma notícia importante. Ainda assim, a possível ausência de Insigne (saiu a chorar do jogo com a Lazio) deixaria “Rino” sem um dos principais desequilibradores do plantel. Hirving Lozano e Elmas espreitam a oportunidade de entrar no 11. Milik rejeitou a proposta de renovação e será vendido, faltando saber se ainda entrará nas contas. De saída está também Callejón: depois de sete anos no sul de Itália, poderá vestir pela última vez a camisola azul.
Juventus-Lyon (0-1 na primeira mão)
Perdeu duas finais recentemente (14/15 e 16/17), mas a “maldição” continua. A Vecchia Signora persegue o título europeu desde 95/96, época da última conquista. Depois de cair aos pés do Ajax na edição anterior, uma eliminação frente a um Lyon que nem sequer surge como um dos favoritos traria outra frustração difícil de ultrapassar. Para a Juve, vencer internamente não é suficiente.
A reviravolta épica frente ao Atlético de Madrid, com Cristiano Ronaldo a brilhar, ainda estará na memória dos italianos. Contudo, o nível exibicional ao longo da temporada – incluindo o jogo em França - cria dúvidas em relação ao potencial do clube para levantar o troféu. No regresso a Itália, com a ambição de enriquecer o currículo, Maurizio Sarri encontrou problemas e acabou por depender em demasia do talento individual. Ainda está para nascer a equipa de autor que muitos esperavam.
De resto, a influência no título foi menor do que a dos pesos pesados do plantel. Sem surpresa, Dybala e Cristiano Ronaldo ocuparam um lugar de destaque, mas convém não esquecer que houve discussão sobre a compatibilidade no 11. Ao contrário do que acontecia em Nápoles, onde o colectivo se sobrepunha às peças, a lei do jogador tem muita força em Turim. Chegamos ao fim da época e fica a sensação de que Sarri cedeu, adaptando-se (provisoriamente ou não) ao ADN do clube.
Por enquanto, o carrossel de futebol apoiado que encantou o San Paolo não se mudou para o norte do país e, em caso de afastamento precoce da Liga dos Campeões, a permanência do técnico não é garantida. À partida, a segunda mão vai colocar a Juve à prova naquilo em que sentiu mais dificuldades: criar contra adversários recuados, que fecham o corredor central e oferecem os flancos (pouco desequilíbrio através do jogo exterior). Neste cenário, a possível ausência de Dybala retira dimensão criativa e talento extra para desbloquear a eliminatória.
Uma notícia positiva para o conjunto de Sarri é a paragem prolongada do futebol francês. O Lyon perdeu a final da Taça da Liga frente ao PSG, no regresso à competição oficial, mas dificilmente estará nas condições ideais para um confronto com esta exigência. Por outro lado, aborda a partida de Turim sem qualquer pressão e com a ambição de salvar a temporada. Sylvinho foi uma aposta arrojada de Juninho Pernambucano, agora director desportivo. Durou pouco. Rudi Garcia deve manter o 5-3-2 e já pode contar com Memphis Depay, decisivo na fase de grupos. Lucas Tousart, autor do golo na primeira mão, nem faz parte do plantel (transferiu-se para o Hertha), mas Bruno Guimarães, monstro de talento e personalidade, pretende reforçar a carta de apresentação na Europa. Quem ainda não conhece, meta os olhos no jovem médio brasileiro.
Bayern-Chelsea (3-0 na primeira mão)
Pela diferença no marcador e pelo nível das equipas, só um desastre de proporções épicas deixaria os bávaros sem a viagem para Lisboa. A temporada na Alemanha terminou a 4 de Julho, mas o Bayern ia transmitindo uma imagem de poderio que o coloca como um dos principais favoritos a vencer a Liga dos Campeões (foge desde 12/13). Hansi Flick assumiu o papel de treinador principal – saiu Kovac - e montou um rolo compressor capaz de dominar na Europa.
De facto, o ex-adjunto de Joachim Löw é um nome incontornável na evolução dos campeões alemães. Fixou Alaba como central (algo utilizado por Guardiola), potenciou a explosão de Alphonso Davies, deu a Kimmich e Thiago as chaves da equipa no meio campo (não esquecendo o todo-o-terreno Goretzka) e recuperou a melhor versão de Müller, rei das assistências. Lewandowski já estava imparável com Kovac e continuou a decidir jogos com o novo técnico. A Liga dos Campeões seria a cereja no topo do bolo.
Pela qualidade técnica dos jogadores que actuam em zonas recuadas (Neuer incluído), a facilidade para construir e eliminar pressões é um dos pontos fortes do Bayern. Alaba, sobretudo, faz toda a diferença no corredor central. Kimmich oferece soluções a nível associativo (não contamos com Thiago, que deve estar de saída). Davies e Pavard (castigado) têm capacidade de sair em condução pelas laterais. Assim, os bávaros apresentam grande variabilidade e dificultam a tarefa do adversário.
A pressão alta da turma de Flick foi fundamental para “atropelar” o Chelsea em Stamford Bridge. Subindo a linha defensiva e mantendo o bloco compacto, condicionou as saidas do conjunto de Lampard e somou recuperações em zonas altas. É difícil contrariar o ritmo imposto pelo Bayern – que até poderá juntar Goretzka, médio agressivo e que utiliza muito a dimensão física. Lewandowski e Gnabry (marcou quatro golos ao Tottenham e dois aos blues) deixaram a eliminatória praticamente resolvida.
Da última vez que os londrinos visitaram a Allianz Arena, saíram com o título europeu. Frank Lampard estava na equipa que derrotou o Bayern, em casa, na final de 2011/2012. Agora, cumpre a primeira temporada como treinador no banco do clube em que virou lenda. Depois de perder a final da FA Cup, tem uma missão praticamente impossível na deslocação à Alemanha. Diga-se, no entanto, que a Liga dos Campeões não era um objectivo primordial neste “ano zero”. O Chelsea perdeu Eden Hazard, não pôde contratar e apostou na integração da prata da casa, olhando para o futuro. Juntando a afirmação de Reece James, Mount ou Billy Gilmour à entrada de Ziyech, Werner e (talvez) Kai Havertz, há motivos para exigir mais na próxima temporada.
Por enquanto, os blues revelam uma instabilidade defensiva notória e a prioridade deverá ser ultrapassar esse problema. O nível individual não ajuda Lampard: Kepa transmite insegurança constante e Rüdiger não cumpre os mínimos para ser titular num clube com as ambições do Chelsea. É praticamente certo que o técnico londrino vai entrar em 3-4-2-1, tentando garantir estabilidade atrás e surpreender na transição ofensiva. Não há muito a perder, mas a imagem do clube e a valorização individual para a próxima temporada estarão em jogo.
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