(O artigo contém linguagem sexual e violenta. Este é o relato da história e dos testemunhos que têm sido revelados na imprensa brasileira nas duas últimas semanas)
O assassinato
Na manhã de 28 de outubro, a polícia brasileira encontrou um cadáver numa zona rural da cidade de São José dos Pinhais, em Curitiba, capital do estado do Paraná. Daniel Corrêa Freitas, de 24 anos, jogador do São Paulo que estava emprestado ao São Bento, era o homem que jazia no chão, apresentando sinais de tortura, semi-degolado e o orgão genital mutilado, cortado com uma faca.
Na madrugada anterior, Daniel tinha estado presente no 18.º aniversário da filha do seu empresário, Edison Brittes, cuja festa teve início numa discoteca de Curitiba, acabando por se prolongar em casa da família da aniversariante.
Apenas com um grupo restrito (8 pessoas) em casa da família Brittes, Daniel terá entrado no quarto de Edison, onde estava a sua mulher Cristiana Brittes a dormir, obrigando-a a ter relações sexuais com ele, isto com a porta trancada. A mulher terá gritado por socorro e foi quando o marido arrombou a porta e começou a espancar o jogador, que se encontrava "bastante embriagado" [1,34 gramas de álcool no sangue] e "totalmente indefeso”, não tendo sido detetadas drogas nos exames pós-morte. O marido terá pedido a ajuda de mais três amigos, que estavam na festa, para continuar a agredir Daniel. A filha do casal, Alanna, que tinha ouvido os gritos da mãe, entrou no quarto e pediu para que parassem com as agressões, algo que Cristiana também fez, chamando à razão o marido.
Edison, juntamente com os três amigos, levou Daniel, inconsciente mas ainda vivo, de carro para um matagal e aí terá dado o golpe final e arrancado, à facada, o pénis do jogador, deixando o corpo para trás.
Esta é a versão inicial da história, tornando-se pública pela imprensa brasileira.
As pessoas envolvidas no crime e as suas versões
Edison Brittes Júnior, o marido e o assassino
O empresário de Daniel confessou, quatro dias depois, ser o autor do crime, alegando ter "surpreendido Daniel Corrêa quando este tentava violar a esposa".
"Quando abri a porta, ele estava em cima da minha mulher que pedia ajuda. Aquilo que eu fiz, qualquer homem faria. A mulher ali não era apenas a minha esposa, eram todas as mulheres do Brasil. Podia ser a sua irmã, mãe ou mulher”, disse Edison durante uma entrevista à TV Globo.
De acordo com Edison, a suposta violação terá acontecido quando ele saiu para ir buscar mais bebidas, logo após ter recebido Daniel, o amigo Lucas "Mineiro" e mais três amigas.
Depois do assassinato, Edison telefonou para um amigo do Daniel a dizer que estava muito preocupado com o desaparecimento do jogador, que tinha saído de casa muito bêbado e desorientado. Edison acrescentou ainda que queria ajudar com algum tipo de depoimento à polícia.
Edison obrigou os convidados que estavam em sua casa, na madrugada no assassinato, a limpar o sangue que resultou da agressão ao futebolista.
O empresário utilizou ainda o telemóvel de um homem assassinado em 2006 - na mesma cidade em que Daniel Freitas morreu - para mandar uma mensagem à mãe de Daniel para dar os pêsames pela morte do jogador.
Dias depois, e de acordo com o jornal brasileiro ‘Lance’, a mota de Edison Brittes foi apreendida pela polícia, uma vez que estava em nome de Celso Alexandre Pacheco de Quevedo, detido por tráfico de drogas. Edison já tinha antecedentes de detenções por porte ilegal de arma de fogo.
Evelly Brisola Perusso, a amiga
A amiga de Alanna Brittes estava na fatídica festa e foi chamada a testemunhar no processo. A jovem de 19 anos confessou ainda ter-se envolvido com Daniel Freitas durante a festa. Foi Evelly que confessou ter sido obrigada a limpar o sangue no chão da casa dos Brittes.
Evelly acrescentou ainda ao seu depoimento que Cristiana Brittes pediu ao marido para não fazer nada a Daniel Freitas, mas sem sucesso. Terá ainda visto Daniel entrar no quarto do casal, com o ex-jogador alegadamente a comentar que ia apenas "fazer xixi". No entanto, Daniel não saiu do quarto.
Cristiana Brittes, a mulher
Tal como o seu marido, Cristiana Brittes, suposta vítima de violação, também continua detida pela polícia.
A mulher de Edison estava na discoteca onde se festejava o aniversário da filha, mas quando chegou a casa avisou que não se encontrava muito bem e que iria dormir. Já no seu quarto, Cristiana acordou com Daniel deitado sobre o seu corpo e, assustada, começou a gritar. No depoimento, a mulher disse que Daniel estava de t-shirt e cuecas e de pênis ereto, enquanto se esfregava nela. “Calma, é o Daniel”, disse-lhe o jogador.
A mulher de Edison afirma que nunca tinha falado com Daniel, mas que já o tinha visto na festa de Allana em 2017.
Allana Brittes, a filha
Confirmou em grande parte a história contada pela mãe, quanto ao homicídio macabro de Daniel Freitas. A filha do casal, que também continua detida, revelou que conhecia Daniel há um ano meio e que eram apenas amigos.
Allana afirmou que Daniel não esteve próximo da família nem dos restantes convidados na discoteca, tendo ficado mais na área VIP. A filha fez questão de dizer que saiu da discoteca sem convidar ninguém para a sua casa.
No depoimento de Allana, ao qual o jornal brasileiro Tribuna do Paraná teve acesso, existe uma contradição com o que disse Cristiana à polícia. Ela contou que ajudou a mãe a vestir uns calções de ginásio e que as duas regressaram à festa caseira, onde continuaram a beber e a dançar. Depois, Edison terá feito ovos mexidos para Cristiana e só aí é que a mãe foi dormir enquanto o pai saiu para comprar mais bebidas.
Enquanto dormia com uma amiga, Alanna ouviu os gritos da mãe e correu em seu auxílio. Foi aí que viu o pai a segurar Daniel pelo pescoço, como se o enforcasse. Nesse momento viu mais três homens no quarto.
A jovem contou também que viu Daniel a ser arrastado para fora da casa e agredido novamente pelo pai. Allana afirmou ter visto o pai a colocar o carro próximo de Daniel e a abrir a mala, mas não se lembra de ter visto o pai colocar o jogador lá dentro.
No mesmo depoimento, a jovem contou que o pai lhe pediu que inventasse uma história, nomeadamente "que o rapaz estava na festa em casa, mas que havia saído pelo portão e tomado rumo incerto".
Os detalhes da morte bárbara de Daniel
No veículo que transportava Daniel Freitas, ainda vivo, iam mais quatro passageiros: Edison (o condutor), os irmãos Ygor David e David Willian e Eduardo Ribeiro da Silva. Foi o testemunho deste último que veio a público, através do jornal Tribuna do Paraná, acreditando-se, segundo a polícia local, que este será o mais próximo do que realmente aconteceu naquela noite.
Eduardo dormia numa das habitações da casa com a namorada (Taís), quando Cristiana entrou pelo quarto a pedir ajuda. A testemunha disse que a porta do quarto estava aberta e não apresentava sinais de arrombamento. Quando entrou viu Ygor, David e Edison a agredirem Daniel.
O empresário pediu a Eduardo para o ajudar a levar Daniel para fora de casa, onde lhe despiu as cuecas, ficando só de t-shirt. “Este talarico [expressão brasileira para descrever um homem que se envolve fisicamente com a mulher dos outros] tem que ser capado, esse gambá...”
Edison foi buscar uma faca à cozinha e colocou o jogador na mala do carro, e fê-lo de qualquer maneira, visto que fechou com a tampa a bater nas pernas de Daniel. Foi Ygor que as colocou para dentro e fechou a mala com cuidado. Eduardo ouvia Daniel balbuciar durante o trajeto. Edison tinha ficado com o telemóvel do jogador e foi aí que viu as fotografias que tinha tirado com a mulher, assim como as mensagens que tinha enviado aos amigos. “Agora vou mesmo capar o cara”, disse, furioso, Edison.
Ao chegar ao matagal, todos saíram do carro e o empresário empurrou Daniel para fora, agarrando-o pelos cabelos. Como escorregou entre os dedos, Daniel ficou pendurado, com as pernas dentro da mala, tendo sido nesse momento que Edison desferiu o primeiro golpe, rasgando a garganta de Daniel. Eduardo relata que ouviu os gritos de Daniel, como “se fosse um porco numa matança”. Neste momento, David ficou mal disposto.
Daniel, já sem reação, talvez morto, foi arrastado por Edison até atrás de uma árvore, enquanto os outros três elementos ficaram atrás do carro a presenciar tudo, sem fazer nada. Eduardo diz que viu Edison agachado, fazendo movimentos repetidos com os braços, como se cortasse algo. A testemunha acredita que foi o momento em que o empresário cortou o pénis do jogador, apesar de não ter visto diretamente, não sabendo dizer para onde o empresário atirou o órgão genital.
Eduardo ressaltou que ninguém foi ameaçado por Edison e que todos estavam ali por livre e espontânea vontade, sabendo previamente que Daniel seria mutilado.
Quando Edison, David, Ygor e Eduardo (com pequenas manchas de sangue na roupa) voltaram para casa, apenas Cristiana, Allana, Evelin e Taís lá estavam. Os restantes convidados já tinham ido embora. Edison contou à filha e esposa que tinha matado Daniel. Evelin ouviu a confissão.
Mal soube da detenção de Edison, pelos jornais, Eduardo entregou-se e contou à polícia que Allana e os pais tentaram combinar, dois dias após a morte de Daniel, uma versão sobre o que havia acontecido.
Os melhores momentos, em vídeo, de Daniel como jogador de futebol
A mente de um criminoso passional
Para entender a mente de um assassino, que comete um crime por paixão e ciúme, estivemos à conversa com Francisco Valente Gonçalves, psicólogo clínico e forense, trabalhando na área da consultoria forense com laboratórios de investigação criminal. Além disso, é investigador na área da criminologia na Universidade de Leicester, no Reino Unido, e colaborador de investigação no ISCTE, em Lisboa.
A curta carreira no futebol de Daniel Freitas em imagens
Esposa sem sinais de estupro
A Polícia Civil do Paraná, que está a investigar o assassinato, descartou a hipótese de que o jogador de futebol tenha abusado sexualmente de Cristiana Brittes, antes de ser espancado e assassinado.
“Para nós, o Daniel simplesmente estava na cama. Não houve a tentativa de estupro, mesmo porque o Daniel estava com 1,34 decigramas de álcool no sangue. Ele estava muito embriagado, estava muito aquém de conseguir realizar algum estupro”, disse Amadeu Trevisan, oficial da Polícia Civil, em declarações à revista brasileira Veja.
Ainda esta semana, o mesmo oficial declarou que pretende indiciar a família Brittes por homicídio qualificado e coação de testemunhas. “Foram quatro pessoas que dominaram a vítima, ela estava completamente indefesa e embriagada. Pode ser considerado homicídio qualificado. Eles também inventaram uma história e depois mudaram a versão. Houve coação de testemunhas em um shopping. Tentaram fraudar o processo investigativo com coação de testemunhas”, afirmou o delegado.
Família Brittes e amigos reúnem-se em centro comercial, dois dias depois do crime
Um vídeo, captado pelas câmaras de um centro comercial na região de Curitiba, mostra a família Brittes reunida com outros três homens na área da restauração, dois dias após o assassinato, alegadamente para combinar o que contariam à polícia.
Num vídeo divulgado pelo programa Fantástico, da Rede Globo, Edison Brittes terá proposta aos elementos presentes a divulgação da mesma história – a de que Daniel havia deixado a festa pelo portão – e criar um elo entre eles, que, caso fosse quebrado, saberia quem teria feito isso, criando um clima de ameaça para as testemunhas.
As questões que ainda estão sem resposta
- De onde vem o dinheiro da família para pagar festas de quase sete mil euros?
- Haverá outro motivo para Edison matar Daniel de forma tão cruel que não seja apenas por ciúme?
- Será que existiu contato sexual entre Cristiana e Daniel?
- Como é que Daniel Freitas morreu afinal? (Há hipótese de ter sido estrangulado até à morte).
- Eduardo, Igor e David não participaram ativamente no crime?
- Até que ponto Alanna e Cristiana estão envolvidas no assassinato?
- Qual o grau de amizade entre Alanna e Cristiana com Daniel?
Por enquanto, estão indiciados no inquérito, por homicídio e coação de testemunhas, Edison, Alana, Cristiana, Igor, David e Eduardo. As outras pessoas que estavam na casa e presenciaram as agressões contra Daniel, são apenas testemunhas.
O responsável pela investigação, Amadeu Trevisan, refutou a tese de crime passional, já que o acusado teve muito tempo para pensar no que iria fazer. Além disso, a reação de Edison Brittes foi considerada exagerada e cruel.
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