Hwang Bo-ram é a única jogadora da seleção feminina da Coreia do Sul que sabe o que é ser mãe. Uma condição que obriga a jogadora a ser um exemplo dentro e fora das quatro linha, numa sociedade patriarcal que oferece pouco espaço para quem é mãe. As asiáticas estarão no Mundial de futebol feminino, que arranca em França esta sexta-feira.
As disparidades salariais entre homens e mulheres são grandes na Coreia do Sul e uma gravidez pode deitar por terra uma carreira no futebol. Quando Hwang Bo-ram deu à luz a uma menina há 14 meses, ninguém esperava que a defesa central pudesse voltar a jogar no seu clube, o Hwacheon KSPO, muito menos pela seleção nacional do seu país.
Quem duvidou não contavam com a garra desta defesa, que também é a única jogadora da Coreia do Sul casada e, aos 31 anos, a mais experiente da equipa.
"Voltar a treinar foi muito difícil" depois do parto, explicou. "Tenho que dar o bom exemplo, não quero ouvir as pessoas dizerem: 'Ela teve um bebé', ou: 'Ela é velha demais para jogar agora'. Então não procurei desculpas, escondi os meus sentimentos e treinei ainda mais", explicou a defesa central, que já tinha visto a vida pessoal tornar-se pública quando o noivo pediu-a em casamento, no relvado, depois de um jogo da Coreia do Sul no Mundial de 2015, no Canadá.
No Campeonato Sul-coreano de futebol feminino, onde apenas uma outra mulher tinha jogado depois de ser mãe, Hwang Bo-ram voltou a jogar em dezembro, antes de voltar à seleção em abril e de ser convocada para o Mundial em maio.
Coreia do Sul: uma sociedade patriarcal
A Coreia do Sul é a quarta maior economia asiática e um 'peso pesado' do desporto na região, um dos únicos países, a par do Japão, a ter sediado os Jogos Olímpicos de verão e inverno. Mas a sociedade ainda é muito patriarcal em diversos aspectos, como no mercado de trabalho, no qual 82 por cento dos homens casados trabalham, contra somente 53 por cento das mulheres casadas.
As esposas e mães de família estão acostumadas a lidar com a descriminação por parte dos empregadores, reticentes na hora de lhes oferecer um cargo com medo de que não tenham condições de cumprir as longas horas de um dia de trabalho normal na Coreia do Sul.
As disparidades salariais estão entre as maiores entre países desenvolvidos: em média, as mulheres recebem 63 por cento do salário dos homens. E o futebol não é exceção.
Kim Shin-wook, o jogador mais bem pago da K-League, o Campeonato Sul-coreano, recebeu 1,6 milhões de euros na temporada passada. Mas, na liga feminina, o teto salarial é de 38 mil euros, ou seja três por cento do salário de Kim.
A Federação Coreana (KFA) também teve que lidar com críticas em 2015: a seleção masculina viajou em classe executiva, enquanto as mulheres foram confinadas à clásse económica. "Os homens rendem muito mais dinheiro para a federação", defendeu-se, na época, a Federação Coreana de Futebol.
Marido chorou de alegria
Ver Hwang tornar-se na primeira mãe a disputar um Mundial de Futebol "é um grande feito para a sociedade coreana em geral, na qual tantas mulheres têm muitas dificuldades para encontrar um emprego após dar à luz", analisou Choi Dong-ho, diretor do Centro para a cultura desportiva, um grupo de pesquisa coreano.
Hwang seguiu algumas etapas para voltar a jogar ao mais alto nível. Primeiro, um regresso gradual do esforço físico cinco meses após o parto, na base de sessões de pilates. Depois, treinos com uma equipa de estudantes, três meses depois.
"Foi uma viagem longa", lembra o seu marido, Lee Du-hee. "Como atleta profissional, interromper a carreira por quase dois anos é um grande sacrifício, até para quem não engravidou ou deu à luz. Ela teve que lidar com muita pressão, porque o corpo não é o mesmo após o parto. Ela não sabia se conseguiria voltar a jogar como antes".
Mas o regresso de Hwang não surpreendeu o técnico do seu clube, Kang Jae-son, que elogia "a velocidade, a força, a determinação e a experiência" de sua defesa central.
O marido de Hwang toma conta da filha enquanto a mãe está a jogar, longe de casa, o que irá acontecer durante o Mundial de Futebol feminino. "Chorei de alegria quando soube que ela tinha sido convocada pela seleção. Sei o quanto ela trabalhou duro, apesar de todos os obstáculos. Não posso descrever o respeito que tenho pela minha mulher", desabafou Lee Du-hee, marido de Hwang.
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