O Observatório Nacional da Violência contra Atletas (ObNVA) revelou hoje ter recebido 20 denúncias desde que o projeto arrancou, em setembro de 2020, com média de idades das vítimas ou ex-vítimas abaixo dos 18 anos.

A coordenadora do projeto, Cláudia Pinheiro, revelou hoje, na abertura do I Congresso da entidade, realizado no Instituto Universitário da Maia (MAIA), que, ao todo, foram 20 os reportes recebidos.

Os dados apresentados dizem respeito a 19 queixas, que podem ter sido feitas por vítimas ou ex-vítimas ou por alguém que tenha tido conhecimento ou testemunhado um episódio, dado que um destes relatos entrou “após ter sido feito o tratamento dos dados” para a apresentação.

A maior parte da violência reportada dirigia-se a mais do que um ou uma atleta, com 13 vítimas ou ex-vítimas do género feminino, com uma média de idades abaixo dos 18 anos.

Entre os alvos da violência denunciada, seis frequentavam os primeiro ou segundo ciclos escolares, entre o primeiro e o sexto ano, três no terceiro ciclo, três no ensino secundário e sete no ensino superior.

Todas as vítimas ou ex-vítimas têm nacionalidade portuguesa, com uma média de prática desportiva de 11 anos, e quatro pertencem à natação, outras quatro ao basquetebol, duas à ginástica, duas ao futebol e duas aos desportos de combate, além de casos únicos na patinagem, na dança desportiva e no hóquei.

O perfil dos utilizadores que registaram a queixa é predominantemente feminino, com 13 mulheres e seis homens, e uma média de idades acima dos 37 anos, a maioria com formação superior e oriundos de Lisboa ou Porto.

Um dos dados relevantes nota que mais de metade das pessoas vítimas de violência estavam, à data dos factos, a praticar desporto a nível internacional. Quanto à frequência, nove situações aconteciam “quase todos os dias” e uma “todos os dias”.

A maioria dos casos são de violência presencial, ainda que alguns reportes notem também abusos por meios digitais, e acontecem sobretudo no local de treino ou competição, em deslocações ou estadias em estágios e também no balneário.

Quanto aos tipos de violência, esclareceu Cláudia Pinheiro, o questionário lista uma série de comportamentos e atitudes que devem ser indicados, “de acordo com a sua perceção”, que tenha vivenciado, presenciado ou tomado conhecimento.

Os quatro mais evidenciados são a violência física ou abusos sexuais, por 14 dos respondentes, seguido da obrigação de competir sem condições físicas ou mentais (13), as agressões (10) e a negligência (5).

Também a violência psicológica, com insultos, ameaçadas, mentiras ou controlo da vida pessoal, e a social, da discriminação à descredibilização, foram notadas.

Por fim, na violência sexual há vários casos de violação tentada ou consumada, mas numerosos reportes de assédio, convites e gestos ou comentários.

O perfil dos agressores, sujeito ao relatório feito pelos denunciantes no questionário ‘online’, aponta para uma maioria de indivíduos do sexo masculino, maioritariamente treinadores das vítimas, com uma média de idades a roçar os 40 anos.

A ansiedade e tristeza são os impactos mais listados, mas também a perda do interesse no desporto, a dificuldade de concentração e outras perturbações. Cinco recebem ou receberam apoio psicológico na sequência da violência sofrida.

Dois casos reportam ter corrido, ou correrem, perigo de vida, e oito abandonaram o desporto após os factos, com o ObNVA a partilhar com o congresso vários relatos.

“O treinador 1 (sexo masculino) comentava constantemente o que as atletas levavam vestido para o treino e só as deixava treinar se fossem de calções justos e curtos e um top. Só se oferecia para ‘ajudar’ as atletas do sexo feminino e tocava-as de forma inapropriada e dizia ser a melhor forma de ajuda”, lê-se num dos casos.

A partilha, aquando do preenchimento do questionário, não é obrigatória, e as denúncias anónimas podem, se o respondente assim quiser, ser encaminhadas para as autoridades competentes.

Na abertura do congresso, Cláudia Pinheiro já tinha considerado a violência contra atletas como um fenómeno que “existe, que todos reconhecem, mas ainda é muito silenciado”.

O objetivo do congresso, elencou, é “começar a falar sobre isto, a refletir”, e começar sobretudo “a desocultar este fenómeno”.

“Em Portugal há uma escassez de estudos, o que significa que o mapeamento exaustivo não se encontra devidamente realizado. (...) Até há cerca de um ano, existia também uma escassez de mecanismos de reporte anónimo. É neste contexto que em setembro de 2020 foi lançado o ObNVA. Para dar voz à comunidade desportiva”, acrescentou.

Carlos Pereira, do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), foi um dos oradores da sessão de abertura, pedindo que o desporto “assuma que esta temática existe”, elogiando o Observatório, além do trabalho do Governo, na matéria, até porque é fundamental “garantir a proteção das crianças e dos jovens”.

O projeto foi lançado em setembro de 2020 pelo ISMAI, com a Associação Plano I, e tem como parceiros várias instituições nacionais, desde logo o Comité Olímpico de Portugal (COP), a Autoridade para a Prevenção e Combate da Violência no Desporto (APCVD), a Ordem dos Psicólogos e o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), entre outros.