Francisco Belo e Roman Kokoshko foram adversários nos Mundiais de atletismo, defendem clubes rivais e são companheiros de treino, numa amizade que começou com o ucraniano a ter medo do português e se cimentou com a guerra.
Num amigável encontro entre (atletas de) Benfica e Sporting, em Budapeste, o lançador do peso português recordou à agência Lusa o mês de fevereiro do ano passado, quando o ucraniano estava em estágio em Portugal, a dar os primeiros passos com o treinador e seu compatriota Vladimir Zinchenko.
“Ele estava a estagiar connosco e precisava de um treinador, porque tinha deixado de ter [era Ievhen Karsak]. Ele estava para regressar à Ucrânia, dois dias depois de começar a guerra e ele ficou. Queria ir defender o país, mas ficou, porque defende melhor o país no desporto do que na frente de batalha. E ficou com ajuda do Vladimir – nunca chegou a precisar da minha ajuda –, até ir para o Centro de Alto Rendimento do Jamor, com o apoio do IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude)”, explicou Belo.
E Kokoshko passou a integrar o grupo de treino de Zinchenko, antigo lançador olímpico do disco, com Belo e, mais tarde, com Eliana Bandeira, que vai entrar em competição em Budapeste2023 no sábado.
“Foi com esse trabalho que saiu a medalha de bronze dele, nos Europeus em pista coberta, em Istambul, onde eu – e isso foi filmado, na altura, porque estavam à procura do Vladimir na bancada – apareço a festejar, aos gritos, como se fosse minha”, admitiu o lançador do Benfica.
O adversário e amigo ucraniano defende as cores do Sporting, e que já ensaia os mínimos de uma conversa em português, enalteceu a importância desse terceiro lugar.
“Foi muito importante para mim, mas também para mostrar a Ucrânia sem ser pela guerra, que, infelizmente, fez do país o mais famoso do mundo”, referiu Kokoshko.
O lançador ucraniano, no dia do 32.° aniversário da independência do seu país, “agradeceu” a presença e o apoio manifestado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
“A ida à Ucrânia, onde é perigoso estar, por causa dos ataques e explosões diárias, até em Kiev, é muito importante por mostrar a solidariedade com o nosso país”, elogiou o atleta ‘leonino’.
Quando questionado sobre as primeiras memórias de ambos, Roman Kokoshko recorda uma prova, nas ilhas Canárias, em Espanha, onde ainda competia como sub-23 e onde viu, e ouviu, o português, mais velho: ““Assustei-me e cheguei a ter algum medo, porque o Francisco gritava muito alto, e desde então, somos muito amigos”.
Isto, enquanto, ambos concordam que a amizade e o respeito se sobrepõe à rivalidade: “Nós somos lançadores, não somos lutadores, não há contacto, há luta pelas marcas, mas só isso, seja aqui, onde temos de lançar mais longe e temos mais público, ou em Portugal ou em qualquer lado”, segundo Belo.
A amizade entre as duas nações pode, segundo Belo, ficar ilustrada numa fotografia captada após os Nacionais de Clubes, em Braga, onde aparecem ambos abraçados, com as camisolas dos rivais lisboetas.
O atleta do Benfica “põe-se na pele do Roman”, que saiu de casa para ir treinar, um ou dois meses, e nunca mais pôde regressar, porque começou a guerra.
“É impensável, é duro, é como se agora não pudéssemos regressar a casa e aqui ficássemos um ano e meio”, ilustrou Belo, 27.º no concurso do lançamento do peso, no sábado, com 19,24, mais sete centímetros do que Kokoshko, 29.º
O período pós-Mundiais vai permitir, finalmente, ao ucraniano regressar ao seu país, durante cinco semanas, ficando, para o seu regresso, prometida uma ida à pesca a dois, na partilha de um dos ‘hobbies’ de Belo.
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