A melhor versão de Bob Jungels regressou hoje ao pelotão, com o ‘desaparecido’ ciclista da AG2R Citroën a devolver ao Luxemburgo a glória na Volta a França, com a vitória na nona etapa da 109.ª edição.

Outrora um dos corredores mais promissores do pelotão, Jungels superou hoje a concorrência dos seus inúmeros companheiros de fuga, ao atacar de longe, e pedalou até à meta em Châtel com a mesma convicção com que enfrentou as cirurgias que lhe permitiram ‘derrotar’ uma endofibrose da artéria ilíaca, superando os espanhóis Jonathan Castroviejo (INEOS) e Carlos Verona (Movistar) na luta pela etapa.

“É difícil dizer o que sinto neste momento. Estou assoberbado. Isto é gigantesco, foi para isto que vim. Sei que esta vitória significa muito para a equipa. Depois de um par de anos de dificuldades, especialmente o ano passado, com cirurgias e tudo o resto, ganhar assim... é o meu estilo de correr, é o meu estilo de ganhar. Estou super feliz”, resumiu o corredor de 29 anos, ainda à procura de palavras após a sua estreia a vencer no Tour.

A felicidade de Jungels, que cortou a meta com o tempo de 04:46.39 horas, 49 segundos diante de um Tadej Pogacar (UAE Emirates) apostado em ganhar mais uns segundos à concorrência – conseguiu-o em relação a todos menos ao seu ‘vice’ Jonas Vingegaard (Jumbo-Visma) -, foi também a de um país, o Luxemburgo, que não celebrava um triunfo na ‘Grande Boucle’ desde que Andy Schleck venceu no Galibier há 11 anos.

“Hoje, corri todos os riscos que podia e aconteceu. Quero agradecer à minha equipa e a todos os que acreditaram em mim nos últimos anos, a todos os que tiveram fé em mim”, acrescentou o ciclista, depois de deixar finalmente para trás três épocas ‘minadas’ pelo diagnóstico tardio do problema arterial e pelo impacto psicológico da doença.

A partida da nona etapa foi ensombrecida pelas más notícias vindas da caravana: Guillaume Martin (Cofidis), uma das maiores esperanças francesas ao ‘top 10’, foi ‘apanhado’ pela covid-19, e Ruben Guerreiro adoeceu no sábado e, por sentir-se “mesmo muito mal fisicamente”, teve de abandonar a prova francesa, ‘cruel’ com o português da EF Education-EasyPost na sua segunda participação.

Os 192,9 quilómetros entre Aigle, a cidade suíça que é a sede da União Ciclista Internacional, e Châtel começaram já sem o português de 28 anos, que caiu nas duas primeiras etapas da 109.ª edição, chegou a ser lanterna-vermelha, e nos últimos dias estava em evidente recuperação, sendo mesmo um dos grandes favoritos ao triunfo na tirada de hoje.

Com a ameaça da covid-19 a pairar no pelotão – esta noite todas as equipas serão testadas -, a fuga tardou 44 quilómetros a formar-se, apesar das inúmeras tentativas da INEOS, numa jogada de antecipação para as duas contagens de primeira categoria que aguardavam os ciclistas no horizonte.

Apanhada desprevenida pela movimentação da formação britânica, a Jumbo-Visma lançou o inesgotável Wout van Aert no encalço dos 15 fugitivos iniciais, com Brandon McNulty, o segundo classificado da Volta ao Algarve, a apanhar a ‘boleia’ do belga para garantir que também a UAE Emirates estivesse representada na frente.

A enorme fuga incluía nomes sonantes do pelotão como Jungels e o seu companheiro Benoît Cosnefroy, Castroviejo, Verona, Thibaut Pinot (Groupama-FDJ), Rigoberto Urán (EF Education-EasyPost), Warren Barguil (Arkéa Samsic), Simon Geschke (Cofidis), Jasper Stuyven (Trek-Segafredo) ou Nils Politt (BORA-hansgrohe).

Os 21 corredores chegaram à primeira dificuldade da jornada, a segunda categoria de Col des Mosses, com pouco mais de três minutos de vantagem sobre o pelotão e, na ascensão à Col de la Croix, separaram-se definitivamente durante os 8,1 quilómetros da subida.

Geschke assumiu hoje a sua candidatura ao estatuto de ‘rei da montanha’, coroando na frente a montanha de primeira categoria, numa altura em que era acompanhado apenas por Jungels, que prontamente se destacou.

O melhor jovem da Volta a Itália em 2016 (foi sexto na geral) e 2017 (oitavo) rapidamente abriu um ‘fosso’ superior a um minuto para os perseguidores e três para o pelotão, uma diferença que, no entanto, foi decaindo nos 15,4 quilómetros da ascensão a Pas de Morgins, a segunda contagem de primeira categoria do dia, situada a menos de 10 quilómetros da meta.

O Pas de Morgins foi demasiado para Daniel Martínez, o primeiro dos quatro INEOS no ‘top 10’ da geral a ceder – perdeu mais de 16 minutos e está fora da luta pela amarela -, mas despertou o melhor Pinot, que atacou a cerca de 20 quilómetros do final e durante a subida pareceu estar perto de apanhar Jungels.

Mas o vencedor da Liège-Bastogne-Liège de 2018 nunca esmoreceu, ao contrário do francês, que não foi além do quarto lugar na tirada, atrás de Castroviejo, segundo a 22 segundos, e Verona, terceiro a 26.

Na véspera do segundo dia de descanso, e quando o grupo de favoritos se aproximava placidamente da meta, o camisola amarela resolveu atacar, ganhando três segundos a todos, menos a Vingegaard, ainda segundo a 39 segundos do líder da geral.

Geraint Thomas (INEOS) ainda reagiu, sendo o primeiro do pelotão, mas só conseguiu minimizar as perdas, mantendo-se na terceira posição, agora a 01.17 minutos.

Já Nelson Oliveira (Movistar), ainda a ressentir-se das dores provocadas pela queda na véspera, foi 83.º, a quase 23 minutos do vencedor, e desceu ao 61.º lugar da geral, a 40.42 minutos de Pogacar.

O pelotão regressa à estrada, previsivelmente mais reduzido após os obrigatórios testes de despiste à covid-19, na terça-feira, para cumprir uma ligação de 148,1 quilómetros entre Morzine e Megève.