Quando nos referimos a perfis de jogadores para uma determinada posição, podemos cair no erro de pensar que tudo o que não corresponda a esse perfil ou conjunto de características seja ignorado ou menos valorizado. Muitas vezes emerge talento num perfil claramente menos consensual. Na verdade, as características dos jogadores para cada posição terão de ter sempre em conta o contexto: campeonato em que a equipa se insere, cultura do clube, objetivos desportivos e recursos, ideias do treinador e modelo de jogo.
Contudo, existem certas tendências que se relacionam com a evolução do jogo e das ideias que os treinadores têm para o mesmo, sendo elas variáveis ao longo do tempo. Essas tendências têm um impacto direto no perfil de jogador mais procurado para cada posição.
Já existia uma tendência há vários anos para as equipas de maior dimensão e que dominam a maioria dos seus jogos com mais bola que o adversário, procurarem no scounting das estruturas do futebol sénior, bem como na sua Formação, defesas centrais bons tecnicamente e evoluídos ao nível da tomada de decisão, que proporcionam maior sucesso na etapa de construção (de forma mais apoiada); velozes para conseguirem defender com eficácia longe da sua própria baliza e com um perfil antropométrico de altura grande para tendencialmente, dominarem melhor o jogo aéreo, assim como uma maior volumetria corporal pode trazer certas vantagens nos duelos e nas ações técnico-táticas defensivas.
Existem ainda alguns centrais de topo que não cumprem a totalidade destes requisitos anteriormente mencionados, contudo, certamente têm outros fatores de excelência que contrabalançam alguma dessas lacunas.
Porém, na atualidade parece existir uma clara tendência mundial para a adoção crescente de sistemas de três centrais. Esta tendência está expressa de forma clara no número de equipas que têm competido em 1-3-4-3 ou 1-3-5-2 nas principais ligas europeias. Ora, esta realidade, que a meu ver veio para ficar, faz-nos questionar quais as características e competências que um defesa central deverá possuir e dominar para interpretar este sistema com mais sucesso.
A pergunta que coloco é se estas tendências não podem e devem alterar um pouco aquilo que são as características mais procuradas nos defesas centrais de grande parte das equipas de topo (do futebol português e internacional). Parece-me que a competência defensiva deve continuar a ser basilar na avaliação e recrutamento de um defesa central, independentemente do sistema tático ou do modelo de jogo.
Aquilo que observamos no panorama do futebol mundial é que cada vez mais as equipas saem a jogar preferencialmente curto e que tentam ligar a etapa de construção e a etapa de criação a partir de passes interiores (em corredor central), vindos muitas vezes dos defesas centrais e por isso parece-me, que as suas capacidades técnicas e de decisão irão continuar a ser importantes para a aplicabilidade dessa forma de jogar.
Tendencialmente as equipas cada vez pressionam mais alto a construção dos adversários, tentando manter blocos compactos com pouco espaço entre linhas e como tal, os defesas têm de se sentir confortáveis a defender com muito espaço nas suas costas. Parece que as capacidades motoras, principalmente a velocidade de deslocamento, continuam a ter um importante papel nesse conforto.
Contudo, nos últimos anos têm existido alterações no perfil de altura dos defesas centrais, principalmente nas equipas que jogam com três defesas. Temos observado no panorama internacional vários centrais de estatura mais baixa a desempenharem essas funções e várias adaptações posicionais já foram realizadas (defesas laterais e médios centros de origem que acabam por ser adaptados a defesas centrais em sistemas de 1-3-5-2 e 1-3-4-3).
A meu ver, isto prende-se com algumas diferenças específicas das funções de um defesa central que joga numa das duas extremidades desse trio formado, em comparação com os habituais comportamentos do defesa central que joga no meio (numa linha a três) ou de uma dupla de centrais num sistema de quatro defesas.
Os defesas centrais que jogam nas extremidades num sistema de três, geralmente são mais expostos a situações de duelos defensivos nos corredores laterais, sendo mais naturais os duelos de 1x1 defensivo próximo da linha lateral e muitos jogadores com um centro de gravidade mais alto, têm mais dificuldades para serem eficazes quando são confrontados com estas situações.
Por outro lado, em organização ofensiva acabam por ter de pisar outros terrenos mais adiantados e a sua capacidade de condução para acelerar uma construção mais alta são muitas vezes essenciais no seu jogo. Em algumas equipas que habitualmente dominam mais o jogo com bola, estes centrais das laterais acabam por aparecer em zonas de criação, participando em dinâmicas de corredor lateral no meio campo ofensivo e efetuando até por vezes, ações de cruzamento no último terço.
Por sua vez, a estatura continua a ter algum impacto na capacidade de jogo aéreo dos atletas, mas em organização defensiva o espaço central está mais bem povoado nas situações de cruzamento do adversário (sendo que existem diferentes escolhas dos treinadores para o posicionamento do ala contrário em resposta a cruzamento do adversário). Muitas vezes o central do lado oposto acaba por realizar as funções de proteção do segundo poste em momentos de cruzamento que são geralmente destinadas ao defesa lateral nos sistemas de quatro defesas.
Em suma, nos últimos anos tenho refletido sobre este tema e tendo tudo isto em conta, penso que atualmente pode ser um erro eliminarmos ou selecionarmos nos escalões de formação jogadores que perspetivamos como futuros defesas centrais apenas pela sua altura predita.
Contra mim falo, uma vez que ao longo da minha carreira de treinador dei grande relevância ao fator de altura perspetivada para atribuição de nível de potencial de jovens, possíveis futuros defesas centrais.
A capacidade de adaptabilidade para jogar em diferentes sistemas e diferentes dinâmicas acaba por assumir um papel preponderante nos dias de hoje e na realidade, verificamos exemplos de defesas centrais que jogam em equipas participantes na Liga dos Campeões, detentores de uma altura inferior a 184 cm.
Na primeira jornada desta competição (época 24/25), vários foram os jogadores que jogaram como defesas centrais titulares nas suas equipas, com alturas compreendidas entre 173 cm e 183 cm (jogando em sistemas com dois e três centrais).
Nesta primeira jornada da Champions, das 36 equipas presentes, 26 atuaram com um sistema de dois defesas centrais e 10 equipas jogaram num sistema de três centrais. Nos 18 jogos realizados, iniciaram o jogo como defesas centrais 15 jogadores detentores de uma altura inferior a 184 cm.
Segue a lista completa: Sead Kolasinac (Atalanta – 183 cm); Reinildo Mandava (Atlético de Madrid – 178 cm); Gernot Trauner (Feyenoord – 183 cm); David Raum (RB Leipzig – 180 cm); Nicolás Otamendi (SL Benfica – 183 cm); Inigo Martinez (Barcelona – 181 cm); Maxim de Cuyper (Club Brugge – 182 cm); Marquinhos (PSG – 183 cm); Carter-Vickers (Celtic – 183 cm); Mykola Matvienko (Shaktar – 182 cm); Théophile-Catherine (Dinamo Zagreb – 183 cm); Dani Carvajal (Real Madrid – 173 cm); Olivier Boscagli (PSV – 181 cm); Ryan Flamingo (PSV – 183 cm); Ezri Konsa (Aston Villa – 183 cm).
Não quero com isto dizer que a altura não seja uma característica importante para um central moderno e que essa altura possivelmente não traga consigo vantagens competitivas, mas penso que principalmente com as tendências evolutivas do jogo, existem outras características que a podem superar e o talento pode sempre emergir acima dos centímetros.
Neste texto escolhi abordar a posição de defesa central, sendo que a evolução do jogo está a ter impacto e a promover modificações conceptuais em outras posições do campo. Parece-me, portanto fundamental que as Organizações das Academias em Portugal acompanhem e antecipem essas alterações.
Assim como, na minha opinião, apesar do perfil físico posicional dever ter alguma relevância, são as competências preditas e manifestadas pelos jogadores que devem ser determinantes para a seleção, contratação e afastamento do processo formativo dos melhores clubes.
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