Em Turim, Sarri é a amostra mais recente que não chega ter boas ideias - é preciso, sobretudo, convencer os seus jogadores a seguirem-no. Do Chelsea à Juventus, com as devidas diferenças entre cada contexto, o treinador italiano não conseguiu, com a mesma eficácia, fazer com que os seus jogadores joguem consoante as intenções em que mais acredita. O modelo de jogo, ao contrário do que se possa pensar, não é estanque, não é rígido. É sempre fruto da interação entre a ideia de um treinador, a forma de treinar essa ideia, a forma como passa a mensagem aos seus jogadores. Numa palavra, é dinâmico. E quando se pensa no jogador temos a tendência para avaliar, apenas, a sua qualidade técnica, quando tão ou mais importante é a personalidade ou a recetividade para com o ideário que o treinador transmite. A Juventus de Sarri é um falhanço total, não por falta de qualidade individual (tinha obrigação de superar este Lyon), mas porque os executantes que têm a possibilidade de jogar não entendem, não sentem necessidade ou não querem seguir a ideologia do homem do leme.
Não foi um jogo onde a Juventus teve muitos problemas defensivos, até porque as circunstâncias do jogo deram desde cedo a possibilidade de o Lyon gerir os ritmos confortavelmente. O golo marcado no primeiro quarto de hora enervou a turma bianconera e deu espaço para que durante alguns minutos a confiança e o atrevimento de jogadores como Memphis Depay ou Aouar se soltassem. Ainda assim, a equipa francesa nunca foi muito ameaçadora, e tentou sempre não se desequilibrar defensivamente mesmo quando atacava e recuperar rapidamente o posicionamento defensivo para que pudessem ajudar os elementos mais recuados a defender. Percebia-se isso pela forma abnegada como Depay (que no 1x5x3x2 de Rudi Garcia joga solto na frente) corria para trás da linha da bola assim que a equipa a perdia.
Sarri, para lá da forma distinta de defender, de pressionar e de ajustar as posições defensivas, foi sempre um treinador muito criativo na forma como procurava atacar. Contudo, no jogo de ontem vimos novamente uma equipa previsível nas suas ações, sem rasgos de criatividade coletiva, e sem intenção de procurar pelo corredor central, ou criar condições para nesse espaço definir os lances no momento da criação. Há uma tendência natural nas equipas que jogam com Cristiano Ronaldo para procurar servi-lo a todo o momento, o grande problema disso é que quase todas o fazem de forma demasiado óbvia: a bola entra no corredor lateral e nem sequer se procuram dinâmicas para fazer dançar a linha defensiva contrária, para lhes tirar alguma estabilidade e os cruzamentos sucedem-se. Com a defesa dos adversários estável, parada, a atacar a bola de frente, torna-se muito fácil anular esse tipo de ataque; há também os passes em profundidade que tentam aproveitar um Cristiano que já não existe, que já não é tão rápido como noutros tempos; e por fim, uma ou outra iniciativa individual como a ação de Bernardeschi na primeira parte que ousou invadir a área em vez de cruzar, ou o grande do Ronaldo que não chegou para disfarçar com a passagem para a Lisboa a apatia e a forma aborrecida como esta Juventus joga.
Em Manchester, Guardiola beneficiou dos erros individuais para fazer valer a sua máxima que na Liga dos Campeões os erros na construção pagam-se mais caro. O facto do Varane perder a bola perto da sua baliza, numa competição com os melhores executantes do mundo, foi decisivo para afastar os reis da prova que na primeira parte estiveram melhores do que a equipa da casa. O City entrou em 1x4x4x2 Losango, com Foden no vértice superior, e os avançados (Sterling e Gabriel Jesus) a jogarem entre lateral e central. Na pressão, era Foden o responsável por apertar Courtois e os dois avançados pressionavam os centrais em diagonal com o objetivo de fechar as linhas de passe para o lateral. No caso de um passe longo para o corredor, eram Walker e Cancelo que controlavam Mendy e Rodrygo, Carvajal e Hazard – colocando-se a dividir o espaço entre as duplas.
Ederson parecia ter ordens para não sair a jogar e o grande foco dos citizens, para lá dos momentos defensivos, parecia ser o de não cometer erros na primeira fase de construção - o não dar ao Real Madrid a possibilidade de os pressionar. Por isso, vimos a equipa a ligar longo muitas vezes no pontapé de baliza, sem que com isso tivesse vantagens óbvias; mas, ao menos não se expunha à pressão dos madrilenos. Por isso, não foi avassaladora a posse de bola que nas equipas do Guardiola é um dado quase certo. Sterling e Gabriel Jesus, entre linhas, também não deram a continuidade ao jogo para que o domínio com bola pudesse ser efetivo. E claro, há um Real Madrid cheio de personalidade, a cara de Zidane enquanto jogador. Os blancos jogam estas fases da prova como se estivessem a jogar contra juvenis, com qualidade técnica muito acima da média, e com uma calma tão enervante que leva quem pressiona a ser ultrapassado pelo ímpeto de recuperar a bola rapidamente. Por diversas vezes se notaram gestos de frustração por parte dos jogadores de Guardiola por não terem conseguido pressionar, e recuperar a bola.
Porém, sem as recuperações altas, o Real Madrid teve dificuldade em furar as linhas do Manchester City quando estes defendiam mais perto da baliza de Ederson, e apenas numa ação rápida Rodrygo consegue ultrapassar Cancelo e definir para o golo e noutra ação individual em que Benzema baila sobre Laporte, a turma de Zidane conseguiu deixar clara a intenção de dar a volta a eliminatória.
A segunda parte foi diferente, Sterling e Foden passaram a jogar abertos e não só a pressão continuou a ser eficaz (como se percebeu pelos erros de Courtois e Varane, Militão), como o conforto com bola permitiu gerir o jogo quase sem situações de golo para o Real Madrid. Com extremos a receber abertos, notava-se maior facilidade dos mesmos em decidir que seguimento dar ao jogo, e havia mais espaço para Kevin de Bruyne e Gundogan aparecerem a desequilibrar e a combinar em zonas interiores. As oportunidades de golo sucediam-se, mas o golo surge novamente de um erro de Varane. Os erros não tiram o mérito do domínio e gestão do jogo, que se concretizou na forma como o Real Madrid não rematou na direção da baliza nos últimos vinte minutos.
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