No dia em que anunciou oficialmente a sua candidatura à presidência do FC Porto, André Villas-Boas não deixou nada por dizer. De trás para a frente, as cerca de 700 pessoas presentes na Alfândega do Porto viajaram ao passado e mergulharam num hipotético futuro, pelo menos aquele que o antigo treinador portista idealiza para o clube azul e branco.

Sob o olhar atento de várias figuras do universo portista ao longo das últimas décadas, jogadores e não só, a presença mais simbólica talvez tenha sido a de Cecília Pedroto, viúva de José Maria Pedroto, histórico treinador do FC Porto e um dos importantes alicerces dos primeiros passos da longa viagem de Pinto da Costa à frente dos dragões.

Entre a "gratidão" ao atual líder portista e a certeza de que, apesar disso, urge um "tempo de mudança", Villas-Boas escapou à crítica gratuita e procurou apontar o dedo à atual administração sem denegrir a imagem de Pinto da Costa, que também chegou a ser ovacionado ao longo do discurso após uma breve referência ao líder máximo do FC Porto.

As fortes críticas à gestão financeira e à promessa eleitoral de uma nova academia, que dura já há oito anos, foram algumas das ideias chave deixadas por Villas-Boas. Mas há mais: A aposta nas modalidades, a criação de uma fundação, a implementação de uma equipa de futsal masculino e de futebol feminino e a cimentação do associativismo são algumas das bandeiras do antigo técnico, que promete mais novidades no decorrer das próximas semanas.

Apresentação da candidatura de André Villas-Boas à presidência do FC Porto
Villas-Boas cumprimenta Cecília Pedroto, viúva do histórico treinador portista José Maria Pedroto. Cecília tem sido uma voz crítica da atual direção. créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Cem metros de apoio, mas sem pesos pesados

Faltavam cerca de 45 minutos para o início da cerimónia quando, ao longe, já se denotava um ambiente fora do comum junto a Alfândega do Porto. Mais perto, não havia dúvidas: uma fila com cerca de 100 metros andava e parava serenamente, sem agitação mas com notório entusiasmo, enquanto cada um aguardava a sua vez para entrar. Enquanto esperavam cá fora, aparentemente despreocupados com a leve chuva e o frio que se faziam sentir, ninguém escondeu ao que vinha.

Aliás, apesar da discrição, foram dezenas os adeptos, quase todos sócios, que nos foram confessando a enorme expetativa perante o que estava para vir. Foi o caso de André Sousa, de 38 anos, associado dos dragões há 24, que não fugiu à "desilusão" pelo rumo seguido nos últimos tempos: "Não nos esquecemos de tudo o que Pinto da Costa fez por nós, mas é verdade que estamos cansados. Vemos um FC Porto perdido e, sinceramente, só não estamos piores por causa do Sérgio [Conceição] (...) Afinal, onde estão os milhões e milhões das vendas de jogadores nos últimos anos?", atirou.

Uma ideia partilhada por Lúcia Carvalho, de 47 anos, confessa admiradora de Villas-Boas. "Estou aqui porque acho sinceramente que o nosso clube precisa de uma mudança. Temos uma administração que está caduca, as nossas contas estão arruinadas, estamos desacreditados e vemos no André [Villas-Boas] alguém capaz de pegar num clube com a história do FC Porto, tal como o nosso presidente, a quem devemos muito, fez quando aqui chegou."

Aproximava-se a passos largos o início da cerimónia e, estranhamente, continuávamos sem vislumbrar rostos de maior calibre do universo portista.

Certo é que, mais em cima da hora, foram começando a surgir algumas caras mais conhecidas entre a massa associativa azul e branca. Destaque para António Sousa e Ricardo Sousa, pai e filho intimamente ligados ao FC Porto em momentos diferentes da história do clube. Marcaram também presença Daniel Sousa, treinador do Arouca e ex-analista de Villas-Boas, Will Cort (técnico-adjunto de Co Adriaanse que acabaria por ficar nove temporadas no FC Porto, antes de seguir com Villas-Boas para o Zenit), mas também nomes da política nacional: Carlos Abreu Amorim (ex-deputado do PSD), Tiago Mayan (candidato presidencial pela Iniciativa Liberal) ou Nuno Encarnação (antigo membro do grupo parlamentar do PSD).

Do futebol, destaque maior para Angelino Ferreira, antigo administrador financeiro do FC Porto com mais de 20 anos de ligação ao clube, mas que em 2014 acabou por se afastar após ter entrado em desacordo com o rumo da gestão. Ao que tudo indica será uma das grandes cartas lançadas por Villas-Boas na lista que irá apresentar ao longo das próximas semanas.

Jorge Costa na apresentação da candidatura de Villas-Boas à presidência do FC Porto
Jorge Costa, mítico capitão portista, na apresentação da candidatura de Villas-Boas à presidência do FC Porto. créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

A favor de Villas-Boas, mas não contra Pinto da Costa

De antigos jogadores, a presença mais sonante da noite foi a de Jorge Costa. O eterno capitão portista, agora treinador do AVS, foi dos últimos a chegar, mas a tempo de clarificar o seu posicionamento nas eleições de abril.

"Eu estou a favor do FC Porto. Mau era e muito ingrato seria eu se estivesse contra alguém. Agora, gostaria de ter um FC Porto diferente", confessou o antigo internacional, antes de comentar as acusações que lhe foram dirigidas por Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões, ao chamá-lo "traidor" através das redes sociais.

"As pessoas são livres de opinarem, da mesma forma que sou livre de estar aqui a demonstrar o meu apoio ao André. Quero é que continuem a apoiar o FC Porto, como eu sempre fiz e continuo a fazer, e deixar bem claro que não há uma única pessoa que esteja acima do FC Porto", acabando por não confirmar se faria parte do projeto de Villas-Boas, e em que moldes, no caso do "amigo" vencer as eleições.

Helton, também antigo capitão e um dos guarda-redes mais marcantes da história azul e branca, não escondeu a admiração pelo "amigo" André Villas-Boas.

"Estou aqui porque antes de qualquer coisa tenho um amigo que vem apresentar a sua candidatura. Por todo o respeito e por tudo o que fez por mim, não poderia deixar de estar. Estou aqui para ajudar o André naquilo que ele precisar.", explicou o antigo guarda-redes, que deixou de lado qualquer oposição a Pinto da Costa. "Estive há uns dias com o presidente, nunca teria algo contra o presidente. Se o André precisar de mim, eu estou aqui. O que significa? Significa que sou amigo dele, sou verdadeiro amigo, não sou falso, não estou só para apresentar", concluiu.

Para além dos dois históricos do FC Porto, os ex-jogadores portistas Nuno Valente, Rolando ou Maniche também marcaram presença na cerimónia de apresentação da candidatura.

Apresentação da candidatura de André Villas-Boas à presidência do FC Porto
créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

O passado, o presente e o futuro (?) em 30 minutos

Na cerimónia apresentada pelo ator Pedro Teixeira, assumido adepto do FC Porto, não houve cadeiras vazias. Numa sala lotada com cerca de 700 pessoas a assistir, uma contagem decrescente numa longa tela que cobria todo o palco deixava as pessoas pregadas ao ecrã. Por esta altura ouvia-se de fundo a música de Pedro Abrunhosa e Sara Correia, intitulada "Que o amor te salve nesta noite escura"- terá sido coincidência?

Terminada a contagem, e para que não restassem dúvidas, a primeira frase levou a plateia a um clima de absoluta apoteose: "Caras e caros amigos, sou candidato à presidência do Futebol Clube do Porto!"

O mote estava lançado, e perante o olhar atento da esposa de José Maria Pedroto, ali na primeira fila, Villas-Boas socorria-se de uma frase do mítico treinador dos azuis e brancos para enviar um aparente recado a um óbvio destinatário: "A história não é benevolente com quem não reconhece a sua evolução e se mantém refém do passado". Uma frase de Pedroto proferida em 1979, agora repetida por Villas-Boas, e que viria a proporcionar o segundo maior aplauso da noite: "Sim, estamos eternamente gratos a Jorge Nuno Pinto da Costa, mas é tempo de mudança". Um momento que fez levantar todos os presentes, aplaudindo enquanto gritavam repetidamente o nome do clube azul e branco.

Entre passado, presente e futuro, pouco terá escapado a André Villas-Boas. Para recuar ao passado, um vídeo das principais conquistas nacionais e internacionais mantinha o seu discurso carregado de nostalgia: "A bilheteira das Antas, o barulho dos torniquetes, a arquibancada, o golo, a vitória, o ser campeão, a festa nos Aliados, o nosso Futebol Clube do Porto!".

Depois de elencar as razões que o levaram a ser candidato, o discurso mudava de tom. O antigo técnico arrasou a gestão financeira do clube para depois anunciar a necessidade de implementação de um novo programa desportivo.

A academia de formação defendida por André Villas-Boas junto ao Centro de Treinos do Olival- um dos temas nucleares da sua candidatura e um dos tópicos de maior divergência com a atual administração - também mereceu um forte aplauso da sala.

A garantia de adotar um "portal da transparência assente num modelo de gestão aberto, que proporcione informação fidedigna e atualizada aos sócios sobre os custos associados às transferências de jogadores, e aos negócios estruturantes do Grupo FC Porto", também mereceu elogios dos sócios e simpatizantes presentes. Mas havia mais.

A promessa de fazer "reduzir em mais de 50% os encargos atuais com a remuneração fixa da equipa de administração", para além de, no que respeita à remuneração variável, ser aplicado um teto máximo de 60% da remuneração fixa e um pagamento condicionado a ponderadores positivos das áreas financeira e desportiva".

O discurso viria também a ficar marcado pelo anúncio da criação de uma fundação do clube e pela garantia de relevância atribuída ao associativismo, defendendo um clube global, que não se afaste das instituições desportivas nacionais e internacionais.

Apresentação da candidatura de André Villas-Boas à presidência do FC Porto
Villas-Boas, com o cachecol da campanha nas mãos, após um longo discurso de apresentação. créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

"Cortar com o 'status quo', no qual impera o medo"

Já na reta final, Villas-Boas visou também a necessidade de reformatar a gestão das casas do clube, reiterando que estas "não servem apenas para aplaudir o presidente na galas ou para jantares de reis inesperados". Por isso, referiu, "há que responsabilizar os responsáveis por estes lugares, que devem fomentar o convívio e a união". Para o candidato, o caminho é de coragem e de mudança: "Queremos cortar com o 'status quo', no qual impera o medo e onde ninguém se pode exprimir livremente. Juntem-se com coragem a este movimento", rematou Villas-Boas, perante uma sala em absoluta apoteose.

À saída, e já depois de ter voltado a falar aos jornalistas sem querer acrescentar muito mais ao seu discurso, André Villas-Boas despediu-se calorosamente de todos os presentes. Entre 'selfies', abraços e muitas demonstrações de apoio, saiu da Alfândega com o sentimento de dever cumprido nesta primeira etapa. Mas o processo será longo. Para já, Nuno Lobo é o único concorrente de Villas-Boas às eleições de abril, mas tudo indica que Pinto da Costa deverá avançar para o 16.º mandato à frente dos dragões. O anúncio poderá mesmo acontecer já esta quinta-feira, num encontro com a sua Comissão de Recandidatura, num jantar em Fânzeres, Gondomar.

Veja as fotografias da cerimónia.