É certo que há muitos jogos grandes na Premier League, desde os dérbis de Londres, ao dérbi de Manchester, passando pelo dérbi de Merseyside, mas nenhum com uma rivalidade tão acesa como o ‘North West Derby’, mais conhecido pelo duelo entre Manchester United e Liverpool.

Apesar do crescimento das rivalidades com Manchester City ou Chelsea, estas ainda são as duas equipas mais vitoriosas de Inglaterra, separadas por 50 km e que se têm batido ao longo dos anos pelo domínio do futebol inglês e europeu.

É uma rivalidade longa, que começou com um canal e que ‘desaguou’ nos dias de hoje num dos jogos mais eletrizantes da Europa.

O canal que tudo começou

Liverpool e Manchester são duas cidades no noroeste de Inglaterra, separadas apenas por 50 quilómetros de distância (em linha reta). Na revolução industrial, a primeira era uma das grandes cidades portuárias, enquanto que a segunda tinha no têxtil a sua principal indústria. As duas cidades trabalhavam em conjunto, com Manchester a produzir têxteis e Liverpool a exportá-los, mas o ambiente começou a mudar no final do século XIX.

Com a 'Grande Depressão' a atingir Inglaterra, Liverpool aumentou as tarifas portuárias e os custos de envio dos materiais por comboio para Manchester.

Foi então que os ‘Mancunians’ tomaram a decisão de construir um canal que ligasse Manchester diretamente ao Mar da Irlanda, via Rio Mersey, levando os materiais diretamente à cidade e desviando-se das taxas impostas por Liverpool.

Em 1894 o ‘Manchester Ship Canal’ foi aberto à navegação, num momento fulcral para a cidade e que não caiu bem em Liverpool, dando início à rivalidade entre as cidades.

A criação e o início da rivalidade

Dos dois rivais, o primeiro a nascer foi o Manchester United, ainda que com um nome diferente do atual. Em 1878, o Newton Heath LYR era criado por um grupo de ferroviários na cidade, para disputar partidas com outros grupos de trabalhadores.

A Liga inglesa foi criada em 1888, mas só quatro anos depois, em 1892, o Newton Heath se juntou à competição, por considerar não estar à altura da mesma aquando da sua criação. Duas épocas depois, em 1894, o clube caiu à segunda divisão e lá permaneceu por 12 anos, voltando em 1906 já com o nome atual.

Já a história do Liverpool começa com… o Everton. O vizinho dos ‘reds’, foi criado em 1878 e jogou em Anfield até 1892, quando o estádio ser comprado por John Houlding, um empresário de Liverpool, que aumentou a renda pedida ao clube, algo que não caiu bem junto do Everton.

Os ‘toffees’ mudaram-se para Goodison Park e Houlding, insatisfeito com a decisão, formou oficialmente o Liverpool Football Club, a 3 de junho de 1892. Menos de dois anos depois da estreia nos relvados, o Liverpool subiu à Primeira Divisão em abril de 1894, conquistando o título pela primeira vez na sua história em abril de 1901.

Mas antes do primeiro título, o primeiro capítulo de uma longa rivalidade com os ‘Red Devils’ já tinha sido escrito, ainda que nenhuma das equipas tivesse essa noção.

Em 1894, ainda na segunda divisão, o Liverpool teve uma época invicta e jogou a subida à primeira divisão contra o último da competição nessa época, nada mais, nada menos, que o Newton Heath, com os ‘reds’ a vencerem a equipa de Manchester por 2-0.

Altos e baixos no domínio

Entre estes dois clubes estão boa parte dos títulos conquistados por equipas inglesas, quer dentro, quer fora de portas, mas os bons momentos das duas equipas nunca coincidiram.

O Manchester United, depois de conquistar os seus dois primeiros títulos de campeão inglês em 1908 e 1911, viu a primeira Guerra Mundial deixar a sua marca. Depois de uma interrupção na liga devido ao conflito, o futebol regressou em 1919 e os ‘red devils’ começaram uma queda que acabou com o clube a ser relegado à segunda divisão em 1923.

Já o Liverpool aproveitou e na época em que o rival desceu somou o seu quarto título de campeão, ao qual viria a acrescentar mais um, vencendo a primeira edição da ‘First Division’ no pós-segunda Guerra Mundial.

Mas à semelhança do que aconteceu com o United, também o Liverpool acabaria por sofrer depois da II Guerra Mundial, acabando por descer de divisão em 1953/1954, dando início a oito épocas no escalão secundário.

Depois das guerras os dois clubes conheceram os seus altos e baixos. O United foi o primeiro a recuperar graças a Matt Busby, que liderou a equipa entre 1945 e 1969, terminando a seca de 41 anos do clube na Liga Inglesa, com a conquista de cinco títulos de campeão, além do título de campeão europeu, em 1968, na final frente ao Benfica.

Já o Liverpool começou a recuperar caminho em 1959, com a contratação de Bill Shankly, que levou o clube à conquista de três títulos de campeão inglês e da Taça UEFA, em 1973. Com a saída de Shankly em 1974, Bob Paisley, adjunto do ex-treinador e ex-jogador do clube, entrou em ação.

Estátuas de Busby (E) e Shankly (D) em Old Trafford e Anfield. EPA/PETER POWELL e PAUL ELLIS / AFP

Com Paisley, o Liverpool impôs-se ainda mais na First Division com a conquista de seis títulos de campeão, além da glória europeia, com as três primeiras Taças dos Campeões Europeus.

Um percurso com momentos negros

Contudo, nem só de altos e baixos futebolísticos se conta a história dos dois clubes, que além da glória, passaram entre si por três dos momentos mais negros do futebol.

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Em 1958, com Busby no United, aconteceu o desastre de Munique que tirou a vida a 23 pessoas que seguiam no avião da equipa, no regresso de um jogo frente ao Estrela Vermelha. Oito dessas pessoas eram jogadores da equipa, na altura apelidada de ‘Busby Boys’.

Vários clubes europeus mostraram-se solidários com o clube, incluindo o Liverpool que, colocando a rivalidade de lado, emprestou cinco jogadores para ajudar a formar equipa para o que faltava da época.

Anos mais tarde, o Liverpool ver-se-ia envolvido em duas das grandes tragédias do futebol.

Primeiro em 1985, quando a tragédia de Heysel provocou a morte de 38 pessoas, na sequência de investidas de adeptos ingleses contra italianos, nas bancadas do estádio Heysel, em Bruxelas, antes da final da Taça dos Campeões Europeus de 1985, onde Liverpool e Juventus se defrontavam.

O jogo seguiu em frente e o Liverpool perdeu contra a equipa de Platini, mas as consequências chegaram depois. Na sequência do incidente, todos os clubes ingleses foram banidos das provas da UEFA por cinco anos, com o Liverpool a cumprir um ano extra de suspensão.

Quatro anos depois, o Liverpool teve de voltar a lidar com a tragédia, no dia mais negro da história do clube. A 15 de abril de 1989, Liverpool e Nottingham Forest defrontavam-se em Hillsborough na meia-final da Taça de Inglaterra. Com a hora do jogo a aproximar-se e muitos milhares ainda na rua a tentarem a entrada, a polícia abriu os portões permitindo a entrada de todos os adeptos.

Com a entrada de mais pessoas, os adeptos já presentes nas bancadas centrais começaram a ser empurrados contra as barreiras, levando a que algumas cedessem. O incidente levou à morte de 96 adeptos do Liverpool, além de mais de 700 feridos. 

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Um momento que levou a que as rivalidades fossem colocadas de lado, com Alex Ferguson, técnico do United na altura, a oferecer o seu apoio ao seu homólogo, Kenny Dalglish.

“Ainda que exista uma intensa rivalidade entre o Manchester United e o Liverpool, isso nunca impediria Alex de oferecer a sua ajuda, e assim o fez na altura”, recordou o antigo técnico do Liverpool ao Daily Mirror.

Depois dos trágicos acontecimentos de Hillsborough, o Liverpool voltaria a arrecadar o título de campeão no ano seguinte, mas pela última vez em três décadas.

Homenagem Hillsborough
Milhares de flores e cachecóis foram colocados em Anfield nos dias seguintes à tragédia de Hillsborough. (Photo by - / AFP)

‘Fergie’ time

No ano de 1986, o Liverpool dominava a liga inglesa e o futebol europeu, enquanto o Manchester United passava por uma travessia no deserto. Mas tudo começaria a mudar nesse ano, com a chegada de Alex Ferguson, oriundo do Aberdeen, ao Manchester United.

‘Fergie’ demorou, mas trouxe o primeiro troféu da sua era em 1990, com a conquista da Taça de Inglaterra, quatro anos depois de chegar ao clube, num ano em que o Manchester United até tinha terminado abaixo do 10.º lugar.

Já depois da conquista da Taça das Taças, em 1991, o Manchester United voltou a conquistar o título de campeão inglês 24 anos depois, em 1993, ano de estreia da Premier League, que veio substituir a ‘First Division’.

Antes de continuarmos, façamos as contas: no final de 1993, o Liverpool tinha, no seu palmarés, 18 títulos de campeão inglês, enquanto que o Manchester United tinha acabado de conquistar o seu oitavo título. Os ‘reds’ somavam quatro títulos de campeão europeu, contra apenas um dos ‘red devils’.

Podia dizer-se que o Liverpool estava num alto do pedestal no que a títulos dizia respeito, mas tudo começou a mudar nesse ano.

Com a passagem de nomes como Cantona, Beckham e Cristiano Ronaldo pela equipa de Manchester e com Alex Ferguson ao comando, o United começou a viver em 1993 uma época dourada que se prolongou até 2013, o último ano do escocês à frente do clube.

"O meu maior desafio foi tirar o Liverpool do seu poleiro”Alex Ferguson
Alex Ferguson
Alex Ferguson durante uma partida frente ao Chelsea, em 2005. (Photo by ADRIAN DENNIS / AFP)

Foram 13 títulos de campeão inglês (duas vezes tri-campeão – 1999 a 2001 e 2006 a 2009), dois títulos de campeão europeu, com a inesquecível final de 1999 frente ao Bayern de Munique em destaque (“football, bloody hell”), além de duas Taças de Inglaterra, três Taças da Liga Inglesa, oito ‘community shields’, um Mundial de Clubes e uma Taça Intercontinental: 20 anos, 30 títulos.

Se é certo que o que interessa é ver o museu ficar cada vez mais pequeno para tanto troféu, Ferguson também não escondia o objetivo de ver o seu United ultrapassar o domínio do Liverpool.

Em 2002, quando o Manchester United ainda estava a três títulos de igualar o registo dos rivais e numa altura em que a equipa não vivia o melhor dos seus momentos, Ferguson respondeu àqueles que consideravam que aquele momento era o maior desafio da sua carreira, sem papas na língua.

“O meu maior desafio não é o que está a acontecer agora, o meu maior desafio foi tirar o Liverpool do seu poleiro”, ou em língua de Shakespeare, “right off their fuc*ing perch”. “E podem imprimir isso”, disse.

Oito anos depois, Ferguson viu o seu maior desafio totalmente completo: O Manchester United conquistou o 19.º título de campeão inglês, passando a ser o clube que mais vezes conquistou o troféu, tirando o Liverpool do ‘fuc*ing perch’.

A seca caseira de 30 anos 

O Liverpool conquistou o seu último título em três décadas em 1990, contudo, os ‘reds’ tiveram na Europa outros motivos para sorrir.

Com o Manchester United a ficar a duas Champions de distância em 1999, os ‘scousers’ voltaram à glória europeia em 2005, com o ‘Milagre de Istambul’, frente ao AC Milan, repondo as duas ‘orelhudas’ de diferença, e já depois de conquistarem a Taça UEFA em 2001.

Mas em casa, o título continuou a escapar até bem recentemente. Só em 2020, com Jurgen Klopp à frente do comando dos ‘reds’, os adeptos do Liverpool voltaram a festejar um título de campeão inglês, um ano depois da conquista da sexta Liga dos Campeões, frente ao Tottenham, em Madrid.

As imagens da festa do Liverpool
A festa do Liverpool depois da conquista da Premier League em 2020. Créditos: AFP créditos: AFP

O regresso do Liverpool às vitórias coincidiu, de forma pouco surpreendente tendo em conta a história que já contámos, com um declínio do Manchester United.

De um treinador em 27 anos, viu cinco diferentes em oito anos, um dos quais José Mourinho, que levou a primeira Liga Europa para Old Trafford, além de uma Taça da Liga Inglesa e um ‘Community Shield’.

Ainda assim, e ao contrário de outros anos, o declínio dos ‘red devils’ não significou um maior dominio dos ‘reds’ na Premier League que nos últimos anos se tornou ainda mais competitiva, com clubes como o Manchester City e o Chelsea a intrometerem-se entre os dois clubes.

Total de títulos entre Liverpool e Manchester United
créditos: SAPO Desporto

Red Devils mais vitoriosos no mano a mano

Manchester United e Liverpool já se defrontaram por mais de 200 vezes na sua história, mais precisamente em 206 ocasiões desde 1894, com os ‘red devils’ a levarem vantagem, somando 81 vitórias, contra 67 do Liverpool. Por 58 ocasiões as equipas terminaram empatadas.

O Manchester United leva a melhor nos jogos para quase todas as competições, à exceção de uma: na Taça da Liga Inglesa o Liverpool soma 3 vitórias frente ao United, contra duas do rival.

Olhando só para os jogos da Premier League, sem contar com a antiga First Division, o Manchester United soma 28 vitórias para a Liga, contra 15 do Liverpool. O encontro mais recente entre as duas equipas para a ‘Premier’, realizado no passado dia 17 de janeiro, terminou com o 14.º empate entre os dois emblemas.

Já o jogo mais recente para todas as competições aconteceu uma semana depois, a 24 de janeiro, com o Manchester United a bater os ‘reds’ por 3-2, em jogo da quarta eliminatória da Taça de Inglaterra, com golos de Greenwood, Rashford e Bruno Fernandes. Salah fez os golos do Liverpool.

Com mais de 200 jogos entre os dois clubes, existem alguns que saltam à vista, não só pelo resultado, como por outros acontecimentos, dentro e fora de campo. Aproveitamos para recordar alguns deles.

Abril 1915: Manchester United 2-0 Liverpool

Foi um dos primeiros jogos entre as duas equipas e ficou na história pelos piores motivos. Com o Manchester United a lutar para não descer e o Liverpool confortavelmente no meio da tabela, os dois emblemas encontravam-se no último jogo da época.

A Primeira Guerra Mundial estava em andamento e ameaçava o futuro da competição, com muitos jogadores a pensarem que aquela seria a última época em algum tempo. Face a isto, jogadores das duas equipas juntaram-se em cafés de Manchester para combinarem um resultado final para a partida, de forma a ganharem dinheiro nas apostas.

No final, o combinado foi um resultado de 2-0 a favor do United e foi esse o resultado que se viu em Old Trafford, com um golo em cada parte. Relatos de encontros entre jogadores e a forma como o jogo decorreu levou a Liga Inglesa a investigar a partida, acabando por banir para sempre oito jogadores: quatro do Liverpool, três do Manchester United) e ainda um jogador do Stockport County, que esteve envolvido no ‘fixing’.

Os jogadores punidos foram depois chamados para combater na Primeira Guerra Mundial, que levou à suspensão do futebol entre 1915 e 1919, com alguns deles a verem o seu castigo ser levantado.

Maio 1977: Manchester United 2-1 Liverpool

O Liverpool chegava ao Estádio de Wembley para defrontar o seu grande rival, dias depois de conquistar o seu 10.º título de campeão inglês e a poucos dias de jogar a final da Taça dos Campeões Europeus, frente ao Borussia Monchengladbach. O triplete alí tão perto.

Para o tornar realidade, tinham de bater um Manchester United que chegava a Wembley depois de terminar a Liga no sexto lugar, a 10 pontos de distância dos ‘reds’.

O favoritismo era claro para o Liverpool, mas em campo a história foi diferente. Stuart Pearson surgiu pela esquerda para rematar e fazer o primeiro aos 51 minutos. O Liverpool chegou ao empate por Jimmy Case aos 53 minutos, mas o United voltou a colocar-se em vantagem dois minutos depois, graças ao peito de Greenhoff.

O Manchester United arrecadou a sua quarta Taça de Inglaterra, enquanto que o Liverpool conquistou dias depois a Taça dos Campeões Europeus, mas viu o 'trio' ir por água abaixo. Esse triplete de luxo só seria conquistado pela primeira vez em 1999 pelo… Manchester United.

Fevereiro 1986: Liverpool 1-1 Manchester United

No jogo para a Liga Inglesa, em Anfield, em fevereiro de 1986, a rivalidade foi levada a níveis extremos.

À chegada da equipa do Manchester United a Anfield, os ‘red devils’ depararam-se com mudanças na saída para o interior do estádio, uma vez que o reduto do Liverpool estava em obras. Assim, o autocarro da equipa teve de parar alguns metros antes da entrada do estádio, levando a que os ‘red devils’ percorressem um percurso pelo meio de alguns adeptos presentes.

Ron Atkinson, treinador do Manchester United na altura, foi dos primeiros a sair e, mesmo esperando uma receção menos simpática, não esperava o que lhe aconteceu.

“Senti algo molhado na mão. Por alguma razão pensei que fosse tinta. Não era. Era uma espécie de spray”, disse em 2013, em declarações à ESPN, recordando o ataque com gás lacrimogêneo.

“Corri para dentro e não me lembro de muito mais. Os meus olhos ardiam. Mick Brown, um dos meus assistentes, disse que eu empurrava pessoas para fora do caminho. Não vi quem era, Mick disse que empurrei Kenny Dalglish [treinador do Liverpool] e Alan Hansen [jogador do Liverpool]”, recordou.

O gás atingiu Atkinson e 22 adeptos, a maioria do Liverpool, que acabaram por ser assistidos no interior do balneário do Manchester United.

O jogo seguiu em frente e terminou com um empate a uma bola. O Liverpool acabaria por vencer o título de campeão nesse ano.

Março 2016: Liverpool 2-0 Manchester United

Com uma história tão longa partilhada pelos dois clubes, seria de esperar que se tivessem encontrado algumas vezes nas competições europeias, mas isso só veio a acontecer em 2016, quando o sorteio ditou um duelo entre Liverpool e Manchester United nos oitavos de final da Liga Europa.

Com Klopp ao comando dos ‘reds’ e Van Gaal do outro lado da barricada, o Liverpool bateu o rival por 2-0, com golos de Sturridge e Roberto Firmino, no primeiro duelo europeu entre os dois clubes.

Na segunda mão, em Old Trafford, registou-se um empate a uma bola, suficiente para o Liverpool seguir em frente na prova, onde acabou por ser derrotado na final, frente ao Sevilha (1-3).

Dezembro 2018: Liverpool 3-1 Manchester United

Foi o jogo que marcou o fim do reinado de José Mourinho à frente do Manchester United, o único português a liderar uma equipa deste duelo. O Liverpool entrava na 17.ª jornada no primeiro lugar do pódio, com 42 pontos, bem distante dos ‘red devils’ que, liderados pelo português, somavam apenas 26 pontos, ocupando o 6.º posto.

A equipa de Manchester procurava alcançar um bom resultado que desse outra cor à época cinzenta que o clube ia fazendo. Mas não foi nada disso que aconteceu.

Mané colocou o Liverpool em vantagem aos 24 minutos e o Manchester United alcançou o empate por Lingard, aos 33’, após erro de Alisson. Mas o segundo tempo só veio confirmar a superioridade que vinha sendo demonstrada pela equipa da casa.

Saído do banco aos 70 minutos, Xherdan Shaqiri bisou em sete minutos e deu a vitória ao Liverpool no duelo com o rival.

José Mourinho acabaria por deixar o comando técnico da equipa dois dias depois e o Liverpool, apesar da superioridade demonstrada neste jogo, teve no outro Manchester, o City, um rival à altura, que acabou por vencer a Premier League no final da época… por um ponto.

Rivalidade até no mercado

Não é só no relvado e entre os adeptos que esta rivalidade se faz sentir, também na hora de reforçar a equipa a rivalidade fala mais alto.

Desde 1964 que não há uma transferência direta de um jogador do Liverpool para o Manchester United, ou vice-versa. A última foi a de Phil Chisnall em abril desse ano. O avançado trocou Old Trafford por Anfield a troco de 25 mil libras, o equivalente a mais de 604 mil euros (518 mil libras) nos dias de hoje.

Desde então nunca mais existiu uma troca direta, mas existem jogadores que jogaram pelos dois clubes, com outras passagens pelo meio, sendo o último exemplo disso Michael Owen, formado no Liverpool, onde jogou até 2004 antes de sair para o Real Madrid. Depois de uma curta passagem por Espanha, regressou a Inglaterra, desta vez para o Newcastle.

Michael Owen ao serviço do Liverpool. créditos: AFP

Owen sempre tentou regressar ao Liverpool, como contou no livro “Ring of Fire”, mas o regresso não se materializou, acabando por rumar ao Manchester United. Foram três épocas ao serviço dos 'Red Devils' entre 2009 e 2012, tendo apontado 17 golos, antes de se retirar do futebol em 2013. As marcas da troca, contudo, ficaram presentes, como Owen explicou no podcast “Off the Ball” em 2018.

“Quando eu voltei a Anfield e uma ou duas pessoas apuparam-me, foi como um punhal cravado no coração pelo que fiz pelo clube e pelo que sentia pelo clube”, recordou.

Paixão vs Razão

Nem o mais experiente dos jogadores é imune à tensão, à paixão e à rivalidade que envolve o ‘North West Derby’. Que o diga Gary Neville, histórico jogador do Manchester United, que em Janeiro de 2006, em Old Trafford, festejou o golo da vitória na cara dos adeptos adversários, depois de longos minutos de cânticos.

“Durante 89 minutos, os adeptos do Liverpool entoaram cânticos que não podem ser escritos sobre mim e a minha mãe. (…) Ao minuto 90, Giggs estava ao pé da bola e tudo o que me lembro é dele a atirar para a área, de Rio Ferdinand subir e da bola bater no fundo das redes. O estádio explodiu. O resto foi instinto. Virei-me para os adeptos do Liverpool no canto do estádio e pensei ‘vou ter com eles’”, recordou num artigo publicado no The Players Tribune, em 2016.

"A FA multou-me em 5 mil libras pelas minhas ações. Pagaria de bom grado mais cem vezes" Gary Neville

O defesa dos ‘red devils’ correu para junto dos adeptos do Liverpool, festejando e mostrando o simbolo na camisola. A Federação Inglesa (FA) puniu-o com 5 mil libras de multa, mas Neville voltava a fazê-lo.

“Olhei para a cara de todos aqueles adeptos do Liverpool que tinham cantado por 89 minutos, e naquele momento, estavam sem resposta. (…) Foi um dos melhores momentos da minha vida. A FA multou-me em 5 mil libras pelas minhas ações. Pagaria de bom grado mais cem vezes”, recordou.

Mas nem sempre as emoções do clássico deram em festejos e que o diga Steven Gerrard, um histórico do Liverpool.

Em 2015, um ano depois da ‘escorregadela’ que entregou o título ao Chelsea, os adeptos do Manchester United não perdoaram e apontaram a mira ao capitão dos ‘reds’.

“Enquanto aquecia, os adeptos do United aqueceram as gargantas. Entoaram o seu cântico favorito no setor visitante: ‘Steve Gerrard, Gerrard… escorregou, deu-a a Demba Ba… Steve Gerrard, Gerrard…. (…) A raiva no animal enjaulado cresceu e cresceu. O United estava arrogante, Anfield estava muito quieto. Era óbvio que entraria no intervalo”, contou, na sua autobiografia, lançada em 2015.

Gerrard entrou mesmo no início da segunda parte, mas a raiva levou a melhor sobre si e esteve pouco tempo em campo. Numa questão de segundos, o capitão do Liverpool cometeu duas faltas, a primeira, sobre Mata, escapou, mas a segunda, em Herrera já não.

“Fiz um passe simples enquanto o Herrera vinha a correr com um carrinho. A sua perna direita ficou esticada no relvado de Anfield. Não me consegui conter. Sem ter tempo para pensar, pisei Herrera com o meu pé esquerdo. (…) Deve de ter doído”, recordou.

Martin Atkinson, árbitro da partida, não teve dúvidas e Gerrard regressou aos balneários 38 segundos depois de entrar em campo, com um vermelho direto e o Liverpool acabou por perder por 2-1.

 "A camisola deles é a única que eu não permito na minha casa" Steven Gerrard

A rivalidade é desde cedo incutida nos fãs das duas equipas, com o atual treinador do Rangers a recordar que era algo que estava “marcado nos nossos cérebros, nos corações e condicionava as nossas almas como adeptos do Liverpool”.

“Durante mais de 26 anos, sempre me senti compelido a mostrar ‘fogo’ contra eles. Eram o nosso inimigo. A camisola deles é a única que eu não permito na minha casa. Tenho uma grande coleção de camisolas que troquei com outros jogadores – mas nenhuma do United”, recorda.

Gary Neville também nunca escondeu essa rivalidade, mas admite que contra o Liverpool, o sentimento é diferente.

“É diferente do Arsenal. É diferente do Chelsea. É até diferente do Manchester City, pelo menos para mim. É uma experiencia extracorporal. A tensão é imensa. É um jogo que está no fundo da tua mente duas semanas antes, à frente da tua mente na última semana e na tua cara nos últimos três dias”, disse.

Duas cidades, dois clubes, dezenas de títulos entre eles. Muitas diferenças, muitas semelhanças, mas Liverpool e Manchester United ocupam os lugares de topo no que a títulos diz respeito ao longo da centenária história do futebol inglês. É rivalidade, mas é mais do que isso, ou, como explicou tão bem Neville:

“A loucura e a paixão são a essência do futebol. Liverpool e Manchester são tão diferentes, contudo tão iguais. Há uma realidade nas duas cidades, uma honestidade com as pessoas, um amor pelo trabalho duro e, acima de tudo, pelo futebol. É mais complicado que ódio”.

Liverpool vs Manchester United
(Photo by ANDREW YATES / AFP)