"As pessoas perguntam-me: 'E se corre mal?'. E eu pergunto: 'E se corre bem?'"
Lembra-se? 5 de Março de 2020. Rúben Amorim era apresentado como treinador do Sporting e confidenciava, aos jornalistas, uma pergunta desconfortável que lhe era dirigida naqueles dias - "E se corre mal?". O técnico, contratado ao SC Braga por 10 milhões de euros, sacudia o peso da sonante transferência com uma pergunta. "E se corre bem?".
A resposta acutilante teve eco no final da época seguinte, quando passados 19 anos o Sporting se sagrou campeão nacional ao leme de Amorim. Agora, depois de uma época espinhosa em que nada correu bem, os leões reerguem-se e voltam a encher o peito, mas sem sobranceria. Os números falam por si, já lá vamos, mas para quem não tem paciência para números pode apenas ver um jogo da formação leonina. Para bom entendedor, poucos minutos bastam.
Em Moreira de Cónegos, o Sporting deixou novamente a imagem de uma equipa segura, confiante, majestosa e eficiente - mesmo não sendo espetacularmente eficaz. E pela frente, importa lembrar, encontraram a equipa sensação da I Liga, 6.º classificada, que nos últimos nove jogos em casa só tinha perdido uma vez. Aliás, esta época, em casa, só perdeu com o FC Porto, SC Braga, Casa Pia e agora o Sporting.
Por isso, à pergunta "e se corre bem?", faz-se ricochete com outra pergunta: "E se corre muito bem?" A propósito, igualmente digno de registo, o facto de Rúben Amorim passar a ser o segundo treinador com mais jogos pelo Sporting, igualando Paulo Bento com 194 partidas, apenas atrás de Szabo.
"Embalar", só mesmo para a vitória
Rúben Amorim tinha sido claro na antevisão da partida: "Não quero a equipa embalada". Todos os seus pupilos ouviram com atenção, mas houve um que apontou no caderno. Morita subiu ao relvado do Comendador Joaquim de Almeida Freitas e três minutos depois já estava a festejar. Terá sido a chave do encontro? Não sabemos. Não sabemos isso, nem se o Sporting vai ser campeão. Mas há uma coisa que sabemos: os leões têm o melhor ataque do campeonato das últimas cinco décadas em 21 jornadas disputadas (60 golos!), a segunda melhor pontuação à 21.ª ronda, 55 pontos, exatamente os mesmos que somava quando se tornou campeão nacional há três épocas. Bom presságio?
Morita e Pedro Gonçalves: na cadeia de produção da imparável fábrica de golos
17 pontos separavam o 2.º e 6.º classificados em Moreira de Cónegos. E apenas três minutos separaram o nulo da vantagem para o Sporting. Arranque feliz para a equipa de Alvalade, que sem sequer ter tempo para se mostrar superior, acabou por ser feliz num lance algo confuso. Quem aproveitou foi Morita, que estava no lugar certo, à hora certa.
Com 35 golos nas últimas 9 jornadas, o Sporting voltava a marcar , colocando-se em vantagem no marcador.
Sempre superiores na partida - e quando digo sempre, é sempre - os leões insuflaram ainda mais a confiança tremenda que transportam e não largaram mais a baliza de Kevin até fazer o segundo da noite. Mérito a Trincão, que arrancou a jogada. A Geny Catamo, que se apercebeu da desmarcação do médio ex-Barcelona. E novamente de Trincão que assistiu Pedro Gonçalves para o 0-2. Tudo parecia fácil. Mas como dizia Cruyff, "jogar futebol é muito simples, mas jogar futebol simples é das coisas mais difíceis que há". E Amorim tem mérito.
O resultado lançava uma nova marca digna de registo: nos últimos cinco jogos, o Sporting marcou 21 golos e sofreu apenas um. Noutra perspetiva, desde 1975/76 que uma equipa não marcava tanto após 21 jogos realizados na Liga. A última foi o Benfica, com 61 golos. Na época passada, para chegar aos 60 golos, os leões precisaram de 30 jogos, mais 9 do que têm agora.
O momento
Inevitavelmente, o golo relâmpago logo a abrir a partida é o momento chave deste encontro. O facto do Sporting ter entrado praticamente a ganhar terá certamente ajudado a equipa leonina a soltar-se, numa deslocação que se esperava muito difícil. Não fazemos ideia de como seria se não tivessem marcado, mas marcaram. E, estando em vantagem, este leão mete respeito. Nota mais para o oportunismo do japonês, na sequência de um canto de Trincão, que esteve literalmente em todo o lado.
Os melhores
Pedro Gonçalves, Catamo, Hjulmand, Trincão, Morita... e Kewin Silva
Fantástica exibição coletiva com a quase perfeita gestão de todos os momentos do jogo, mas com especial destaque para Trincão, com uma exibição de mão-cheia. É a melhor fase do vianense de leão ao peito. Não seria justo destacar um só elemento da equipa sportinguista. Exceção feira a Adán, que quase podia ter ficado a descansar em Lisboa tendo em conta a escassez de oportunidades reais de golo criadas ao longo da partida pelo Moreirense, que acaba o encontro sem um único remate enquadrado.
Em sentido inverso, na outra baliza, o guarda-redes Kewin evitou males maiores com um punhado de boas defesas, sendo certo que também não ficou isento de culpas pela forma como saiu à bola no primeiro golo.
O que disseram os treinadores
Tiago Aguiar: "Estávamos mais do que avisados, que o Sporting ia entrar forte, que os primeiros 15-20 minutos iam ser muito importantes. Entrámos a perder, como aconteceu com o FC Porto e com o Sp. Braga, com equipas grandes. Muito mérito do Sporting pela forma como construiu o jogo, a partir da defesa, depois com o meio-campo muito forte. Perdemos muitos duelos, não é normal na nossa equipa. Sofremos dois golos num curto espaço de tempo. Tranquilizámos a equipa ao intervalo, tentámos o golo na segunda parte, mas não conseguimos".
Rúben Amorim: "Em relação ao jogo, sabíamos que era difícil e que não podíamos fazer muitas transições. Fizemos golo logo no início e fizemos uma primeira parte quase irrepreensível. Todas as pequenas coisas que não correram tão bem fomos nós que nos precipitámos. Depois na segunda parte tivemos 20 minutos em que a ligação não foi tão boa, mas mesmo assim as grandes oportunidades eram sempre nossas. Acima de tudo, se olharmos para o jogo, sofremos poucas transições. Trabalhámos isso e a equipa cumpriu".
Comentários