O 'caso Mateus', que parecia encerrado e aceite por todos os clubes da I Liga, promete agora fazer correr muita 'tinta' nos próximos meses. Todos os clubes aceitaram a integração do Gil Vicente na Primeira Liga na época 2019/2019 (era para ser em 2018/2019 mas acabou por ser adiada uma época) mas agora alguns querem rever os pressupostos que estiveram na base da decisão. A FPF não aceita que a decisão tomada em 2017 e aceite pela Liga, seja agora alvo de dúvidas, até porque foram aceites por todos.
Desde 2006, quando surgiu o caso, o Gil Vicente esteve três épocas na Segunda Liga, após ter sido despromovido do principal escalão em 2014/15, ao qual tinha voltado em 2011/12, após a descida na 'secretaria'. Já o jogador Mateus, internacional angolano, atualmente com 34 anos, representou o Nacional, Arouca, Boavista e o 1.º de Agosto, de Angola.
O SAPO Desporto conta-lhe os contornos deste caso, iniciado há 12 anos e que parece longe de estar encerrado.
Como tudo começou
O 'caso Mateus' remonta a agosto de 2006, quando o clube gilista, depois de ter assegurado a permanência na I Liga, foi despromovido administrativamente à Liga de Honra, atual 2.ª Liga, devido à utilização do internacional angolano Mateus, quando o futebolista estava impedido por ter atuado com estatuto de amador, na época imediatamente anterior, ao serviço do Lixa. A inscrição foi rejeitada pela Liga de clubes.
Na altura, a Comissão Disciplinar da LPFP sancionou o clube minhoto com a descida de divisão, após uma queixa do Belenenses, que o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ratificou, impedindo ainda os gilistas de participarem na Taça de Portugal, assim como nos campeonatos de juniores e iniciados. O Belenenses, que tinha descido de divisão, ficou com o lugar dos gilistas na Primeira Liga.
Gil Vicente recorreu, decisão saiu... 10 anos depois. Belenenses recorreu da decisão
Na sequência da despromoção administrativa, o Gil Vicente recorreu aos tribunais comuns, nomeadamente ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que considerou o assunto como sendo de âmbito desportivo, tendo rejeitado o pedido. Os gilistas, que alegavam a nulidade das sanções aplicadas, voltaram a recorrer, agora para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que lhes deu razão, uma decisão proferida a 25 de maio de 2016, dez anos depois do início do caso.
No entanto, em julho de 2016, a SAD do Belenenses formalizou recurso desta decisão judicial, que, na altura, tinha levado LPFP e FPF a considerarem inevitável a subida dos minhotos à Liga NOS.
Belenenses e Gil Vicente assinam acordo e fecham caso
A 12 de dezembro de 2017, Gil Vicente e Belenenses assinaram um princípio de acordo sobre o ‘caso Mateus’, que permitia aos gilistas a subida administrativa à I Liga portuguesa de futebol, em 2019/20. O acordo foi subscrito pelos presidentes das duas sociedades desportivas, Francisco Dias da Silva e Rui Pedro Soares, respetivamente, assim como pelo presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), Pedro Proença.
"Trata-se de um acordo histórico, que põe fim a um diferendo que durava há 12 anos. A boa vontade de ambas as sociedades desportivas é notória e a Liga Portugal monitorizará todos os passos, de ora em diante, no sentido da resolução definitiva nas várias instâncias”, afirmou, na altura, Pedro Proença.
Liga e Federação ordenam integração do Gil Vicente na I Liga
No mesmo dia em que o Gil Vicente e o Belenenses SAD fechavam o acordo e encerravam o caso, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) anunciava a reintegração dos gilistas, na sequência de uma decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 2016. De recordar que esta instância de recurso tinha declarado nula a decisão de descida do Gil Vicente tomada pelo Conselho de Justiça da FPF, em agosto de 2006.
Na sequência disso, a LPFP aprovou, após recomendação da FPF, a reintegração do emblema de Barcelos no principal escalão na época 2019/20, determinando que, na época 2018/2019, fossem despromovidos três clubes na I Liga e promovidos dois da II Liga.
António Fiúza contesta decisão e pede 10 milhões de euros de indemnização
A 13 de dezembro de 2017, António Fiúza, presidente honorário do Gil Vicente e antigo presidente do emblema gilista, mostrava o seu descontentamento, declarando que o clube foi "novamente prejudicado" com o acordo com o Belenenses e Liga de clubes, que lhe permite voltar à I Liga de futebol na época 2019/20.
"É óbvio que não fiquei satisfeito, porque o Gil Vicente vai subir na época 2019/20. O ano passado disseram-nos que seria em 2018/19 e agora é mais um ano? Por esse andar - e com esta Liga e presidente (Pedro Proença), que é marioneta de Joaquim Oliveira e outros -, tenho receio e medo de que o Gil Vicente só suba lá para 2030. Este acordo foi feito com esta rapidez, porque, em 07 de dezembro, saiu a decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa a condenar o Belenenses: os presidentes da Liga e do Belenenses, que esconderam o facto e quiserem ficar bem na fotografia, apresentaram um acordo e o do Gil Vicente, coitado, que quer o clube na I Liga o mais rápido possível, aceitou-o", disse à Lusa.
O ex-dirigente recordou todo o historial e a vontade do presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando Gomes, "íntegro e sério", em recolocar rapidamente os minhotos na Liga, desejo "travado" pela direção da Liga, que, diz, "manobrou" os clubes de forma a que, em assembleia-geral em 2016, os pressupostos de reintegração imediata do clube fossem substituídos pela data de 2018/19, entretanto adiada mais um ano, com o presente acordo.
António Fiúza entende que o Gil Vicente deve ser indemnizado, de forma imediata, em cerca de 10 milhões de euros: "Se for o tribunal a decidir, em dois ou três anos, pode chegar aos 20 milhões. Foram muitos anos a prejudicar um clube com todas as condições para andar nas competições europeias."
Jogos do Gil Vicente no Campeonato de Portugal deixam de contar na classificação final
A 15 de dezembro de 2017, a Federação Portuguesa de Futebol garantia, em comunicado, que os jogos do Gil Vicente não iam contar "a nenhum nível e de nenhuma forma", para a classificação final, seja em que competição estiver.
O organismo garantia que se o Gil Vicente descesse de divisão no Campeonato de Portugal em 2018/19 onde estava, os seus jogos "não contarão - a nenhum nível e de nenhuma forma - para a classificação final da competição", uma vez que o clube será reintegrado administrativamente na I Liga na temporada seguinte. O organismo faria alterações às recomendações, um mês e meio depois, ao decidir que os pontos nem sequer serem atribuídos, por se tratar de algo irrelevante, face à decisão de disputar a Liga NOS em 2019/20. A FPF recomendava à Liga de clubes, órgão responsável pelos campeonatos profissionais, que "inclua no seu Regulamento de Competições uma garantia similar para a época desportiva 2018/2019", no caso de a equipa de Barcelos permanecesse na II Liga.
Equipas da II Liga ao lado Gil Vicente
A 15 de dezembro de 2018, as sociedades desportivas dos clubes participantes na II Liga de futebol resolveram mostrar a sua solidariedade para com o Gil Vicente, anunciando a marcação de um jogo para assinalar o regresso dos gilistas às competições profissionais, com as receitas a reverteram para o emblema de Barcelos. O jogo iria colocar frente-a-frente a formação ‘gilista’ e uma equipa constituída pelos jogadores que mais se evidenciaram ao longo da época na II Liga
A decisão saiu do encontro do presidente da LPFP, Pedro Proença, com os líderes das SAD das equipas do segundo escalão, no Porto.
Integração provocou dúvidas na Liga: TAD recomendou alargamento, G-15 rejeitou
Com a decisão de integrar o Gil Vicente [a Liga aceitou a integração para 2018/2019 mas, em Cimeira de Presidentes a 10 de maio de 2018, decidiram que a integração só devia acontecer na época seguinte], a Liga ficou de arranjar uma solução que agradasse a todos. O emblema recorreu ao Tribunal Arbitral de Desporto (TAD), o órgão recomendou o alargamento do campeonato para 20 equipas, tal como tinha acontecido com a reintegração do Boavista em 2014/15. Mas os clubes entenderam que o alargamento era difícil de se concretizar em termos competitivos e financeiros.
O G-15 enviou ao TAD um novo pedido de reformulação das normas inseridas no regulamento, o organismo judicial propôs à inclusão do emblema gilista, passando pela subida excepcional do melhor classificado da segunda liga, de modo a que não descessem três da primeira, face à discrepância existente.
Mas a Liga lembrou que foram os clubes, em Assembleia-geral, a decidirem pela introdução da norma que vincula o Regulamento das Competições, que dita a descida de três clubes da primeira liga e a subida de dois do segundo escalão, ao qual acresce-se o Gil Vicente, em 2019/2020.
G-15 quer mudar decisão e adiar integração
O que parecia ser claro, tornou-se confuso, com a intromissão do chamado G-15, o grupo de 15 clubes da I Liga, que querem mudar a face do futebol português. Alguns clubes deste grupo, que apenas não inclui FC Porto, Benfica e Sporting, pediram para analisar o acórdão da última decisão judicial, porque entendiam que havia dois acórdãos contraditórios existentes. Estes clubes do principal escalão admitiram recorrer à justiça para impugnar o campeonato, alegando que a decisão judicial de 2016 não obriga à reintegração do clube de Barcelos.
Esta tomada de posição vem na sequência de uma revelação feita pelo jornal Record esta quarta-feira, 27 de março, em que o memorando de entendimento com vista à reintegração, assinado em 12 de dezembro de 2017, entre Liga, Gil Vicente e Belenenses [o clube que permaneceu na I Liga, após o caso Mateus], contempla duas versões: uma impunha como condição para a promoção em 2019/20 o pagamento de uma indemnização ao clube minhoto; o outro, que ficou escondido, omite cláusulas relativas a uma indemnização a pagar pela FPF ao clube minhoto.
Numa altura em que a luta pela manutenção está acesa, alguns emblemas que já sabiam, desde o início da época, que desceriam três clubes, estão agora contra a reintegração dos gilistas. Esta quarta-feira, 27 de março, Júlio Mendes, presidente do Vitória de Guimarães, sublinhou que o regresso do Gil Vicente à I Liga portuguesa de futebol, previsto para a época 2019/20, "não será pacífico" entre os clubes do escalão principal.
"Parece-me que o assunto não será pacífico. A integração do Gil Vicente implica que, nesta época, haja mais um clube a descer. No futebol, vive-se muito do momento e isso leva a que os presidentes de alguns clubes defendam os seus interesses de maneira diferente do passado", disse, numa conferência de imprensa, em Guimarães. O presidente do Vitória de Guimarães realçou que é preciso integrar as componentes jurídica e política na análise desta questão e que os clubes precisam de agir com "prudência", antes de darem uma "opinião cabal".
FPF exige reintegração do Gil Vicente na I Liga de futebol na época 2019/20
As últimas notícias sobre o caso e as declarações de Júlio Mendes levaram a Federação Portuguesa de Futebol a tomar uma decisão firme sobre o caso. O organismo exige a reintegração do Gil Vicente na I liga portuguesa na próxima época, considerando que deve ser respeitada a decisão judicial de junho de 2016.
Em comunicado, o organismo federativo diz não aceitar que "as expetativas criadas em todas as entidades e agentes desportivos, por via das alterações regulamentares e deliberações tomadas no seio da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), sejam frustradas neste momento, com impactos negativos em todas as competições seniores nacionais".
A FPF garante que "os factos mais recentes vindos a público, quase três anos após a primeira decisão", em nada alteram a sua posição e assegura que não terá “uma atitude passiva” na matéria.
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