A indefinição no programa da marcha para Paris2024, que pode incluir uma estafeta mista com a distância da maratona, é “uma grande falta de respeito por atletas”, a um ano dos Jogos, disse hoje à Lusa Inês Henriques.

“É uma grande falta de respeito para com os atletas que trabalham todos os dias, sem saber para quê. Já se ouve isso [alterações no formato da marcha] há imenso tempo. Em janeiro divulgaram, e deviam fazê-lo com alguma coisa que estivesse aprovada, para não andarem mais uma vez a brincarem com as nossas vidas”, lamenta, à Lusa, a atleta portuguesa Inês Henriques.

Campeã e recordista mundial dos 50 quilómetros, lutou pela inclusão desta distância no feminino no programa de Tóquio2020, sem sucesso nos tribunais, e agora vê o fim de carreira, que quer realizar nuns Jogos Olímpicos, de novo envolto em indefinição e polémica.

Em cima da mesa está um ‘vaivém’ de propostas entre a World Athletics, a federação internacional de ciclismo e o Comité Olímpico Internacional (COI), que tem levado a propostas de inclusão de uma distância mista a par dos 20 quilómetros, no lugar dos 35 km.

Em Tóquio2020, correram-se os 20 km e os homens puderam discutir os 50, uma pretensão gorada no feminino, e para Paris2024 foi anunciada uma prova mista de 35 quilómetros, agora sem acordo à vista entre as duas entidades.

Uma das ideias veiculadas passa por uma estafeta ao longo da distância da maratona, com cada atleta a revezar-se após secções de pouco mais de 10 quilómetros, próximo das corridas ‘ekiden’ (aí com equipas de seis).

A menos de ano e meio de Paris2024, os atletas ainda não sabem ao certo para que prova, que distância e que tipologia (a solo ou com equipas, mistas ou não) terão de preparar, nos treinos e nas provas, para alcançar mínimos de qualificação.

Uma situação com a qual a Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) se mostra “preocupada”, disse à Lusa fonte oficial desta instituição, precisamente pela proximidade de Paris2024.

Segundo a mesma fonte, esta questão “implica com a preparação dos atletas”, mas acredita “que se encontrará rapidamente uma solução” que possa conferir à prova “dignidade desportiva”.

Presente em três Jogos Olímpicos, a marchadora de 42 anos lamenta a confusão que os atletas sofrem “meses e meses”, sem saber “para que trabalham”, e teme que esta atuação possa voltar a reduzir a marcha de tal forma, presa em problemas técnicos e de ajuizamento, que possa sair do programa como um todo.

“Não vamos inventar o que já está inventado. Quando vi o que estavam a fazer, disse logo ao meu treinador: ‘a acontecer, é só em Paris2024, porque vai dar bronca e nunca mais’”, critica.

Assim, e porque considera estar a ser esquecida “a origem da marcha”, esta prova mista só pode ser “a brincar com os atletas”.

Quem está em atividade “não é ouvido”, acusa, e tem seguido o caminho dos 20 quilómetros para seguir dentro do programa de preparação olímpica, fundamental para poder dedicar-se profissionalmente, até para não estar “dependente de outra pessoa”.

“É complicado sairmos para a rua e motivarmo-nos todos os dias numa coisa que não sabemos como vai ser no futuro. Quando foi a tentativa de introdução dos 50 km femininos, disseram-nos que tinha de ser com três anos de antecedência [qualquer alteração]. (...) Estamos a menos de ano e meio dos Jogos”, ironiza.

Para Inês Henriques, uma das figuras da modalidade, “pior que não ter uma resposta é uma indefinição”.

“Mais vale dizerem ‘é assim’, e definimos a nossa vida. Estar em constante indefinição é muito doloroso”, lamenta.