Foi aos sete anos que Miguel Blanco teve o primeiro contacto com o surf. A paixão foi imediata e o ponto de partida de uma aventura que o conduziu, entre outras conquistas, ao título de bicampeão nacional de surf em 2018 e 2019.
Mas o surfista de 25 anos é também uma voz ativa na luta pela sustentabilidade e preservação dos oceanos. Em 2020 começou por organizar várias iniciativas de recolha de lixo nas praias portuguesas, que rapidamente se estenderam até outras zonas do planeta, como as Maldivas e São Tomé e Príncipe (esta última já em 2021), com o objetivo de sensibilizar os surfistas locais para a proteção do ecossistema.
A explicação é simples. "Recebemos tanto do mar que a determinada altura só queremos retribuir. Acho que isso torna-nos automaticamente embaixadores dos oceanos", confidencia Miguel ao SAPO Desporto.
A viagem que tudo mudou
Comecemos por recuar no tempo, 18 anos, mais precisamente, até ao momento em que o surf entrou na vida de Miguel Blanco. "Tinha sete anos quando deixei Lisboa e mudei-me para São Pedro do Estoril. Era uma criança com muita energia e queria fazer desporto, mas não estava a identificar-me com nenhuma modalidade, até que fui fazer uma aula de surf com um amigo. Fiquei logo aficionado", revela.
O atleta rapidamente percebeu que "queria fazer surf para sempre". "Claro que os meus pais gostavam que eu tivesse tirado um curso, mas eu sempre fui um pouco rebelde [risos] e optei por seguir o meu instinto e apostar no surf a 100%", explica. E desde então nunca mais parou.
Entre tantas viagens à procura das melhores ondas, acabou por ser em Bali, na Indonésia, que Miguel Blanco se deparou com uma triste realidade: "Apanhámos grandes ondas nessa viagem, mas depois chegávamos à praia e só víamos plástico e microplástico à nossa frente. Aquilo mexeu muito comigo. Foi nessa altura que decidi que tinha de fazer alguma coisa."
Um relatório da organização ambientalista internacional WWF (World Wide Fund), realizado em 2018, revelava que os microplásticos representam 72% do lixo das praias em Portugal.
Segundo trabalhos científicos referidos pela WWF, Portugal apresenta “dados preocupantes ao longo da cadeia alimentar marinha, nomeadamente em espécies que servem de alimento a peixes e mamíferos”. Os artigos, refere a organização, destacam as zonas de Lisboa e Costa Vicentina pela proximidade aos estuários do Tejo e Sado, apresentando elevadas densidades de microplásticos.
Foi precisamente essa consciencialização que levou Miguel Blanco a organizar iniciativas de recolha de lixo nas praias ('beach clean up'), a começar pela praia onde cresceu, em São Pedro do Estoril. "Era comum encontrar plástico nos arbustos e beatas de cigarro no chão, por isso no ano passado decidi fazer uma 'beach clean up' simbólica, que acabou por ter bastante adesão e impacto", conta.
As iniciativas multiplicaram-se, assim como os seus apoiantes. "Vamos tendo entre 20 a 40 pessoas a ajudar na limpeza das praias. Há um caminho longo a percorrer, mas sinto que a mensagem está a passar e que há cada vez mais jovens a quererem ajudar", diz.
O ativismo pela preservação dos oceanos levou recentemente o atleta até São Tomé e Príncipe, onde participou na primeira limpeza de praias organizada por surfistas na zona. "Fomos numa missão ambientalista, mas também social. São Tomé é um país onde não há um sistema de seleção e reciclagem de lixo, e procurámos alertar e instruir os jovens nesse sentido", conta.
A iniciativa, que serviu também para entregar pranchas de surf aos jovens santomenses, poderá ser testemunhada num documentário que Miguel está a desenvolver juntamente com o realizador Eduardo Vento, a estrear brevemente: "Acho que o primeiro passo para a mudança é ganharmos consciência da situação atual, e o documentário tem esse propósito."
Para o pós-confinamento, o surfista tem ainda planeado iniciar um novo projeto de limpeza das falésias, na zona de Santa Cruz. "Tenho mais 'beach clean-ups' idealizados para fazer em Portugal e noutras partes do mundo, durante as viagens que vou fazendo. E outros projetos sobre os quais ainda não posso falar", nota.
Um modo de vida saudável
Além da consciencialização para a limpeza das praias e dos oceanos, Miguel Blanco também adotou um estilo de vida mais amigo do ambiente. O surfista é neste momento embaixador da WWF na campanha 'Eat for Change', que apoia uma dieta sustentável.
"A minha dieta é vegan, por todas as razões: dá-me mais energia, sinto-me mais saudável, mas também pela questão do impacto ambiental e pela consciência de saberes o que estás a consumir. Para além de reciclar, quando vou ao supermercado utilizo sempre os meus sacos de pano, evito ao máximo comprar produtos descartáveis ou embalados em plástico", afirma.
Para o surfista português, parte da solução deste problema não passa apenas pela reciclagem, mas sim "pela diminuição do lixo que fazemos".
E estará Portugal mais consciente das questões ambientais? "Acredito que está no bom caminho, mas claro que há muita coisa que podemos melhorar e cabe a cada um de nós ter essa consciência. Mas acho que esta tem de ser uma mudança global, e não só restrita a um país", defende.
O surf nos Jogos Olímpicos
Miguel Blanco admite que o contexto de pandemia, nomeadamente o cancelamento de provas e eventos de surf, fez com que se focasse mais no ambientalismo. "Foi também uma oportunidade para me reinventar", faz questão de dizer.
Em outubro passado, Miguel falhou a revalidação do título nacional de surf (Frederico Morais foi o vencedor), mas garante que isso não lhe tira o sono. "Foi um ano em que aconteceram muitas coisas boas na minha vida, nomeadamente esta vertente mais ecológica, que está mais forte do que nunca, e é onde eu quero concentrar mais energias", sublinha.
Ainda assim, o surfista de 25 anos tem como objetivo voltar a sagrar-se campeão nacional e, quiçá, garantir uma presença em Tóquio, no ano de estreia da modalidade. Frederico Morais já garantiu a presença nos Jogos Olímpicos, mas Portugal ainda pode conseguir mais três vagas.
"É uma forma de levar o surf a mais pessoas e vai trazer mais apoios à modalidade, mas por outro lado acho que também se vai perder um pouco da cultura do surf e da sua essência. O surf é muito mais do que uma só prova e um tipo de mar. Mas é a evolução das coisas", observa.
Independentemente da competição, o objetivo de Miguel é claro: "Apanhar ondas maiores e melhores."
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