Para ser finalista da Taça Libertadores é preciso transformar o clube numa SAF (Sociedade Anónima do Futebol)? Botafogo e Atlético-Mineiro, que vão disputar o maior título do futebol sul-americano a nível de clubes no próximo sábado (30), em Buenos Aires, podem dizer que sim, mas as suas transformações em empresas trazem riscos.
O caminho até esse modelo foi motivado em ambos os casos por dívidas gigantes: de R$ 1,3 bilhão de reais (mais de 213 milhões de euros) para o 'Fogão' em 2022 e de R$ 2,1 bilhões (mais de 244 milhões de euros) para o 'Galo' no ano passado.
"O sucesso chegou antes do que imaginávamos", disse recentemente John Textor, o polémico dono da SAF do clube carioca.
Proprietário de vários clubes através do grupo Eagle Football Holdings, entre elas o Lyon, punido em França pelo seu alto endividamento, o magnata norte-americano transformou o Botafogo, que estava na segunda divisão no ano anterior à sua venda.
Em 2022, Textor comprou 90% das ações depois de se comprometer a investir, pelo menos, R$ 400 milhões (65,5 milhões de euros). Desde então, o Botafogo tornou-se o caso desportivo de maior sucesso das SAFs no Brasil.
SAF é um modelo "arriscado"
Em 2023, o Botafogo esteve perto de conquistar o Campeonato Brasileiro, que não vence desde 1995. E 2024 pode ser um ano histórico: luta pela liderança do Brasileirão com o Palmeiras e procura vencer a sua primeira Taça Libertadores.
O bom momento tem a ver, em parte, com o investimento de R$ 231 milhões (37,8 milhões de euros) no plantel. Com esse dinheiro, foram contratados o médio argentino Thiago Almada e o avançado Luiz Henrique, destaques da equipa esta temporada.
"O Botafogo antes da SAF era um clube praticamente em insolvência, um clube sem dinheiro, a SAF possibilitou a transformação da gestão fora de campo, mas também da gestão dentro de campo", disse o economista Cesar Grafietti, da consultora Convocados.
Mas o modelo de negócio é "bastante arriscado", acrescenta Grafietti. Trata-se de "comprar jogadores baratos, tentar ser campeão e depois vender por preços maiores. Então se o clube erra nesses atletas e não consegue vender, fica com uma dívida enorme".
O Botafogo espera fechar 2024 com uma redução de cerca de R$ 500 milhões (81,8 milhões de euros) do seu passivo.
Tanto o clube carioca como o Atlético-MG conseguiram mudar de rumo após o Congresso brasileiro aprovar a lei das SAFs, em 2021, que permitiu que os clubes passassem a ser empresas depois de operarem durante um século como associações sem fins lucrativos.
A legislação abriu espaço para o resgate de instituições de futebol em dificuldades financeiras. Isso apesar das dúvidas dos adeptos, com medo de que os seus clubes perdessem valores históricos ou caíssem em mãos erradas.
Na Argentina, sede da final da Libertadores, a implementação das sociedades é um objetivo do presidente ultraliberal Javier Milei. A ideia de Milei, que gera controvérsia pelas profundas raízes sociais dos argentinos com os seus clubes, teve um revés simbólico no último fim de semana. No sábado, em Assunção, o Racing conquistou a Taça Sul-Americana com vitória por 3-1 na final sobre o Cruzeiro, que se transformou uma SAF em 2022.
"Do inferno ao purgatório"
Ao contrário do Botafogo, o Atlético-MG ficou nas mãos de um pequeno grupo de milionários de Belo Horizonte que emprestaram milhões durante anos em condições muito favoráveis para o clube.
Parte dos empréstimos destes mecenas transformou-se em ações quando compraram a SAF em outubro de 2023, quase dois anos depois de o clube voltar a conquistar o Campeonato Brasileiro depois de meio século de espera.
Antes de se tornar numa SAF, o Atlético contratou jogadores de nomeada como Hulk, antigo jogador do FC Porto, Paulinho e Diego Costa.
"A SAF é um elemento que caiu do céu para poder reconstruir [o clube]", disse o empresário Rubens Menin, acionista maioritário do 'Galo', ao portal Globo Esporte em julho.
"Saímos do inferno e chegamos ao purgatório, mas ainda não chegamos no céu", acrescentou Menin sobre a situação do clube, que chegou a ser o mais endividado do Brasil.
A melhoria das condições financeiras do Atlético, segundo Grafietti, está relacionada com a possibilidade de abate de dívidas com as SAFs (já reduziram em cerca de R$ 700 milhões - 114 milhões de euros), e não a uma mudança institucional, já que segue nas mãos dos 'mecenas'.
"A sustentabilidade deles [Atlético-MG e Botafogo] só serão avaliados daqui a três ou quatro anos, se eles conseguirem manter um nível de receitas que permita que não precisem de injeção de capital a toda a hora", afirma o economista.
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